Por P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Em virtude de uma denúncia anónima, comunicada pela Comissão Independente ao Patriarcado de Lisboa, o Padre Mário Rui Leal Pedras “deixa o exercício público do ministério” sacerdotal temporariamente, como o próprio escreveu, a 22-3-2023, na sua Mensagem aos paroquianos de São Nicolau e de Santa Maria Madalena.
Este ataque infame ao Pároco de São Nicolau causou uma profunda dor e enorme indignação aos que o conhecem, também por tratar-se de uma calúnia anónima. Em vez de se arremeter contra os verdadeiros pedófilos – todos os anos, são denunciados dois mil abusos de menores em Portugal! – difama-se pública e impunemente um exemplar sacerdote. É verdade que, como o Papa Francisco insistentemente tem recordado e sempre tenho defendido, há que pôr em primeiro lugar as vítimas dos abusos de menores, mas sem esquecer que há exigências de justiça e de verdade que a ninguém podem ser negadas.
Pela sua natureza criminosa, esta calúnia deve ser julgada nos tribunais, para os quais o Padre Mário Rui vai recorrer, em legítima defesa. Mas já são muitos os danos causados ao seu bom nome por esta ofensiva suspeita e o seu temporário afastamento.
Se se faz constar a insolvência de uma instituição financeira, quantos têm as suas economias depositadas na instituição, dela retiram logo os seus depósitos, mesmo que a suspeita era infundada. O mesmo se diga de uma paróquia: se se faz constar que o prior foi privado das suas funções, quem o não conheça tirará daí as suas conclusões, ainda que, como é o caso, a acusação seja absolutamente injustificada.
Surpreende a leviandade com que a Comissão, dita Independente, aceitou esta denúncia anónima que, segundo a referida Mensagem, “não dá a conhecer a identidade de quem a haja feito; não refere o nome da inventada vítima (quem denunciou anonimamente poderia indicar um qualquer nome); não se indica o local onde os falsos abusos teriam sido perpetrados; não fornece qualquer pista para levar a cabo uma investigação, referindo, por exemplo, o nome de potenciais testemunhas que tivessem algum conhecimento sobre o tema. Nada. Uma denúncia anónima, falsa, caluniosa, sem qualquer elemento útil ou prestável para investigação”. Ao dar credibilidade a uma calúnia anónima, a Comissão denunciou-se a si própria.
Uma pergunta: se amanhã alguém fizer uma acusação anónima, igualmente falsa, contra o Presidente da República, ou o Primeiro-Ministro, ou o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, ou o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os titulares destes cargos também seriam, de imediato, afastados de todas as suas funções?! Seriam igualmente enxovalhados, pela comunicação social, na praça pública?! Se não, porque o foram, então, os padres sobre os quais não recai nenhum indício credível de crime, ou de falta?! Será que, ao contrário do que afirmou o Presidente da Assembleia da República, há culpas colectivas em Portugal?!
Compreende-se que, ante a enorme pressão mediática, a autoridade eclesial tenha que agir com redobrada prudência, mas sem esquecer os princípios fundamentais da justiça e da caridade para com todas as vítimas, as dos abusos e as das calúnias. Dar crédito a uma denúncia anónima não é sério e talvez seja populismo, ou respeitos humanos. A Igreja não tem por que agradar ao mundo, mas a Deus, praticando a justiça na verdade e na caridade.
Uma certa imprensa quis aproveitar este escândalo mediático para insinuar que o Pároco de São Nicolau é conservador e tradicionalista e que estaria ligado ao líder do Chega, de quem seria confessor, ou director espiritual.
Não represento o Padre Mário Rui, mas posso dizer que é um excelente pastor liturgista, que nada tem de tradicionalista, nem de antitradicionalista, porque é, sobretudo, um homem de Igreja. Se, nas paróquias de São Nicolau e Santa Maria Madalena se celebram Missas em tagalog, para a comunidade filipina; em inglês, para a comunidade anglófona; em umbundu e quimbundo, para a comunidade africana; bem como a divina liturgia, para as comunidades ortodoxas ucraniana e grega; e em latim, segundo o Missal de 1962, é porque o permite a lei canónica e o Patriarcado de Lisboa. Também há paróquias em que se celebram eucaristias com as particularidades litúrgicas dos neocatecumenais, ou dos carismáticos, sem que os párocos pertençam a estes movimentos eclesiais, ou se ofenda por isso a unidade da Igreja diocesana, ou universal. Uma diocese, ou paróquia, que não esteja aberta aos vários carismas, também nas suas legítimas expressões litúrgicas, padece um défice de liberdade e de universalidade, ou seja, é pouco católica.
Por outro lado, se o Pároco de São Nicolau teve, ou tem, alguma relação de carácter pastoral com o líder de um partido, como seu confessor ou director espiritual, é tema que não releva para o caso vertente. Qualquer confessor, ou director espiritual, tem de estar disponível para atender todas as pessoas, qualquer que seja a sua ideologia política, etnia, sexo, condição económica ou profissão. É uma questão que só aos próprios diz respeito: qualquer interferência, por terceiros, é uma ofensa à liberdade religiosa e à privacidade dos fiéis. As relações de carácter espiritual são, pela sua própria natureza, confidenciais. É pena que alguns meios de comunicação social tenham cedido à tentação do sensacionalismo e da vulgaridade, contrariando os princípios deontológicos que distinguem o jornalismo de qualidade.
É evidente que este ataque é expressão de uma autêntica perseguição à Igreja católica no nosso país, análoga à ocorrida com a implantação da República e no PREC. Que a razão principal desta campanha mediática não é o superior interesse das crianças prova-se pelo total desinteresse dos media pelos menores abusados fora do âmbito eclesial e que são cerca de 99% das vítimas. O Cardeal D. António Ribeiro, Patriarca de Lisboa, cujo 25º aniversário de falecimento ocorreu no passado dia 24, disse na homilia da Missa Crismal que celebrou a 27-3-1975: “Dói-nos, hoje, verificar a ingratidão e a calúnia de algumas vozes que se levantam a acusar os padres e a Igreja, diante da opinião pública. Entristece-nos a demagogia soez e despudorada de certos arrivistas da última hora, cujos créditos de serviço ao povo não vão além de uma recente loquacidade desbragada e de uma arrogância sem limites” (Obras escolhidas, 2, UCP, págs. 101-104). Nem mais!
Está em causa, no nosso país, a liberdade religiosa, mas também o Estado de Direito, porque há cidadãos de primeira, que gozam da presunção de inocência, e cidadãos de segunda, que são, à partida, culpados das mais vis infâmias. É caso para dizer que, em Portugal, o crime compensa. Este sim, é o verdadeiro escândalo.