Por Edwin Hounnou
Acordo de extradição é o processo oficial pelo qual um Estado solicita e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada ou suspeita da prática de uma infração criminal. O direito internacional entende que nenhum Estado é obrigado a extraditar uma pessoa presente em seu território, em razão do princípio da soberania estatal. Por esse motivo, o tema costuma ser regulado por tratados bilaterais que podem gerar, a depender da redação, esse tipo de obrigação. Esta é a definição que a Wikipédia nos oferece para analisarmos a aventura a que o nosso governo se pretende embrenhar como forma de agradecer a ajuda que Paul Kagamé presta a Moçambique.
É sobre este nefasto e vergonhoso Acordo de Extradição que vai ser assinado entre os governos de Filipe Nyusi, de Moçambique, e Kagamé, o ditador do Ruanda. O governo de Moçambique já o tem pronto e a caminho da Assembleia da República para ser assinado e carimbado, sem nenhuma contestação ou questionamento de qualquer ordem jurídica/humanitária, pela bancada maioritária, o Partido Frelimo, que suporta, de forma cega, o governo. Este acordo vai infernizar os ruandeses que escolheram o nosso país para se esquivarem das atrocidades do regime ditatorial de Kigali, capital do Ruanda, que tem perseguido, raptado e assassinado ruandeses que vivem entre nós, pelo facto de discordarem das práticas do regime do seu país ou por motivos étnicos.
Os ruandeses que demandam o nosso país não procuram mais nada para além da paz, sossego e segurança que não encontram na sua terra. Moçambicanos mais que quaisquer outros povos, conhecem a amargura do que significa o que é abandonar a sua terra e ter que procurar um refúgio no estrangeiro, longe de seus parentes e amigos.
Não é compreensível e nem é aceitável que a nossa memória coletiva seja assim tão curta ao ponto de nos entregarmos ao fútil trabalho de capturar e entregarmos outros cidadãos refugiados na nossa pátria com o propósito de cumprirmos um postulado de entendimento seja com quem for. Cidadãos ruandeses têm vindo a ser perseguidos, raptados e mortos perante o olhar cúmplice das autoridades moçambicanos e, por vezes, com a sua colaboração criminosa. Mesmo antes desse acordo ser projectado por Kigali/Maputo, que nos deixa corados de vergonha, já ruandeses vinham sendo perseguidos e assassinados por esquadrões da morte de Kagamé.
Não queremos imaginar como seria a luta de libertação dos moçambicanos se a Tanzânia e a Zâmbia tivessem se comportado como faz hoje Moçambique dirigido por Filipe Nyusi. Pelo que sabemos, esses países não deportaram nenhum refugiado moçambicano para as mãos dos colonialistas portugueses e nem permitiam que a FRELIMO assassinasse seus rivais em seus territórios. A nossa luta não teria alcançado a impetuosidade e a dinâmica que teve, se os combatentes tivessem sido presos e entregues à PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), polícia do regime colonial-fascista de Portugal de Salazar/Caetano.
Os governos tanzanianos e zambianos foram firmes e não colaboraram com o regime colonial português e continuaram a dar o seu indefectível apoio até ao triunfo da luta dos moçambicanos. Estamos, sim, perante realidades diferentes, mas isso não nos deve descaracterizar. Neste momento difícil por que está a passar o nosso país devido à guerra terrorista, não tem como se impor com a independência por estar a receber apoio militar do Ruanda no combate aos grupos terroristas. Fragilizado pela guerra, o governo de Moçambique vem aceitando as imposições de Kigali e obrigado a colaborar, sem pestanejar, com o regime sanguinário de Kagamé. O executivo moçambicano é conivente com o regime facínora de Ruanda.
Moçambique tem um histórico de conivência com regimes ditatoriais. O nsso país faz tempo que deixou de ser um lugar seguro para pessoas perseguidas por regimes de seus países por motivos políticos. Ao agir de tal modo de cumplicidade, o governo do nosso país está a violar os direitos humanos. Por dificuldades devidas à guerra terrorista em Cabo Delgado, o governo de Nyusi comporta-se como alguém perdido no deserto. Transparece que nos tornamos numa mera colónia de Kigali onde seus esquadrões da morte entram, assassinam e saem sem escoriações.
O acordo de extradição entre os executivos de Maputo e Kigali enche-nos de tédio. Nyusi abriu as portas para os esquadrões da morte de Kagamé entrem e recolham os seus opositores políticos refugiados no nosso país. Não sabemos ser solidários.
VISÃO ABERTA - 07.03.2023.