Autor: Ermeson Steiner
No ocidente é bastante comum se pensar que a palavra árabe Allah (ٱلله) deriva da fé islâmica e que a mesma só é utilizada pelos muçulmanos. Essa crença do senso comum, no entanto, é fruto de desconhecimento histórico. Será demonstrado a seguir como ela ignora diversas evidências que corroboram para a ideia de que o uso do termo Allah é independente da religião islâmica e também que ele faz parte do vocabulário histórico-cultural do cristianismo oriental.
O USO ISLÂMICO
Sabemos que existem aproximadamente 99 nomes[1] para se referir à divindade superior do islamismo. Dos 99, por exemplo, não há menção a “Pai”, como há no cristianismo. E a razão para isso é que os muçulmanos são monoteístas rígidos. Eles acreditam que ser pai implica que ele tem um filho, e isso é considerado blasfêmia. O termo mais popular e utilizado pelos muçulmanos então é Allah, que não tem origem islâmica e se trata de uma palavra que tem sido usada pelo povo árabe muito antes da fundação do Islamismo.
No Islã, Allah pode significar “onipotente, única divindade e criador do universo”. Por isso é a palavra mais comum para representar Deus, já que abrange todos os atributos representados por seus 99 nomes.
O USO CRISTÃO
Os árabes cristãos de hoje não têm outra palavra para se referir a Deus além de Allah. Da mesma forma, a palavra aramaica para se referir a Deus na língua dos cristãos assírios é 'Ĕlāhā, ou Alaha. Até a língua maltesa de Malta, variante de árabes, cuja população é quase inteiramente católica romana, usa Alla como sinônimo de Deus. Os cristãos árabes usam os termos Allāh al-ab (الله الأب) para Deus, o Pai, Allah al-ibn (الله الابن) para Deus, o Filho, e Allāh al-rūḥ al-quds (الله الروح القدس) para Deus, o Espírito Santo.
Segundo Marshall Hodgson, acadêmico de estudos islâmicos e historiador da The University of Chicago, parece que, nos tempos pré-islâmicos, alguns cristãos árabes fizeram peregrinação à Kaaba, um templo pagão da época, honrando Allah lá como Deus, o Criador.
(São João Damasceno, monge cristão árabe e presbítero, século VII)
Algumas missões de escavação arqueológica levaram à descoberta de inscrições e tumbas pré-islâmicas antigas feitas por cristãos árabes nas ruínas de diversas igrejas. De acordo com o orientalista alemão Enno Littman (1949), essas inscrições continham referências a Allah como o nome próprio de Deus.
Na biografia de Ibn Ishaq, há um líder cristão chamado Abd Allah ibn Abu Bakr ibn Muhammad, que foi martirizado em Najran (523 d.C.), pois usava um anel que dizia Allah é meu senhor.[2]
Nos Evangelhos pré-islâmicos[3], o nome usado para Deus era Allah, como evidenciado por algumas versões árabes descobertas do Novo Testamento escritas pelos cristãos árabes durante a era pré-islâmica no norte e sul da Arábia.
O orientalista palestino Irfan Shahid, citando a coleção enciclopédica do século X (conhecida como Kitab al-Aghani) observa que os cristãos árabes pré-islâmicos teriam levantado o grito de guerra Ya La Ibad Allah (ó escravos de Allah) para se invocarem na batalha. Shahid, também afirma[4] que “Allah” foi mencionado em poemas cristãos pré-islâmicos.
CONCLUSÃO
Com essas evidências fica comprovado que a palavra “Allah” não só é utilizada fora do islamismo como também pode e deve ser utilizada dentro do cristianismo.
É verdade que os conceitos islâmicos sobre Deus são bastante diferentes dos conceitos cristãos. É possível dizer, em sentido teontológico, que o “Allah” dos muçulmanos não é exatamente o “Jehovah” dos cristãos. Contudo, a palavra “Allah” é partilhado pelas religiões abraâmicas no mundo árabe sem que nisso haja qualquer contradição. Os cristãos, vencendo preconceitos da crença popular, podem então dizer com total orgulho: “Allah é o nosso Senhor”.