Esta terça-feira, um homem de nacionalidade afegã atacou o Centro Ismaelita em Lisboa, templo deste ramo minoritário do xiismo que tem a sua sede mundial em Lisboa. Duas mulheres morreram e um homem ficou ferido na sequência do esfaqueamento.
Um homem atacou esta terça-feira o Centro Ismaelita de Lisboa à facada, matando duas funcionárias. As motivações do suspeito ainda não conhecidas.
Segundo as autoridades portuguesas, trata-se de um refugiado afegão que acabou por ser baleado numa perna pela polícia, tendo sido transportado para o hospital de São José. Uma outra pessoa sofreu ferimentos no peito e no pescoço, tendo sido levada para o Hospital de Santa Maria para tratamento.
O presidente da junta de São Domingos de Benfica, onde está localizado o centro, diz que o suspeito integrava a comunidade e que alegadamente sofre de “problemas psicológicos”.
O que é o ismaelismo?
A comunidade muçulmana ismaili, ou simplesmente ismaelita, pertence ao ramo xiita do islão. Comunidade culturalmente diversa, encontra-se hoje espalhada por 25 países.
Ao longo dos séculos, saíram da Ásia e África e estabeleceram-se na Europa e América do Norte. O Médio Oriente foi o território onde estiveram mais tempo, depois de passagens pelo Norte de África. No século XIX, concentram-se no que é hoje Índia e Paquistão que continuam a ser países com um grande número de ismaelitas. Mas não só.
Uma vaga de emigrantes mudou-se para o continente africano no século XX. Hoje serão cerca de 15 milhões de indivíduos que nos seus mais de mil anos de história têm sido liderados por um imã vivo e hereditário, que acreditam ser descendente directo de Maomé através de Ali, primo e genro do profeta. Seguidores de um islão moderado e liberal, a comunidade ismaili tem oito mil a dez mil membros em Portugal, muitos vindos de Moçambique após a independência em 1975.
Quem é o seu líder?
O príncipe Karim al Hussaini, sucedeu em 1957 ao avô – Muhammed Shah, homem importante na Índia colonial, que se mudou para o Reino Unido e presidiu à Liga das Nações – como Aga Khan.
Nascido em Genebra em 1936, era filho de Ali Khan*, que encheu páginas das revistas cor-de-rosa, incluindo com o seu casamento com a estrela de Hollywood Rita Hayworth e que foi embaixador do Paquistão nas Nações Unidas.
A sua mãe era a princesa Tajuddawlah Ali Khan, nascida Joan Barbara Yarde-Buller, britânica que se converteu ao Islão para casar.
O 49.º imã dos ismaelitas cresceu em Nairobi, no Quénia, mais tarde estudou na Suíça e formou-se em História Islâmica em Harvard. É o quarto Aga Khan, título atribuído pelo Xá da Pérsia nos 1830. Com fortuna avaliada pela Forbes em mais de 13 mil milhões de dólares, Aga Khan tem nacionalidade britânica, francesa, suíça e portuguesa. Desde que assumiu a liderança da comunidade ismaelita, tem trabalhado para melhorar a qualidade de vida dos mais vulneráveis, com base numa ideia de islão como fé que prega a compaixão e tolerância e defende a dignidade humana. Para tal fundou a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento.
Apesar de os ismaelitas não terem um território oficialmente consignado, é sempre recebido como chefe de Estado quando se desloca em visitas oficiais.
Quantas pessoas se identificam como ismaelitas?
Haverá cerca de 15 milhões de ismaelitas em todo o mundo.
Em Portugal serão entre 8 e 10 mil pessoas a professar esta fé.
O que representa o centro onde se deu o ataque?
O centro ismaelita de Lisboa é o coração desta comunidade em Portugal e foi sede mundial do Imamat Ismaili, entidade supranacional que representa os ismaelitas, até 2020, quando foi transferida para o Palacete Leitão, na Rua Marquês da Fronteira, em Lisboa.
A sede mundial dos ismaelitas foi instalada na capital portuguesa em Junho de 2015, quando o Príncipe Aga Khan esteve em Portugal para assinar com a República Portuguesa o protocolo formal nesse sentido.
Em 2019, voltou a Lisboa para formalizar a transferência da sede mundial do Imamat Ismaili para o Palacete Leitão.
O Centro Ismaelita integra a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN, em inglês), criada pelo representante máximo dos ismaelitas em 1967 para promover o diálogo inter-religioso e intercultural em todo o mundo.
Através das suas fundações espalhadas pelo mundo, emprega cerca de 36 mil pessoas, de acordo com o New York Times.
Em que consiste o trabalho da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento?
A Rede desenvolve o seu trabalho em áreas que vão desde a educação (a rede global de Academias presente, também, em Moçambique, é disso um bom exemplo) à saúde, passando pela arquitectura, o desenvolvimento rural e a promoção de empresas no sector privado, como as cadeias hoteleiras Epic Sana, ou, em Moçambique, o Hotel Polana, entre muitas outras grandes empresas bem-sucedidas em vários ramos de actividade.
Actuando em mais de 30 países (onde dá emprego a quase cem mil pessoas), sobretudo em África, incluindo Moçambique com grande enfoque com vários projectos de desenvolvimento sem fins lucrativos na Província de Cabo Delgado, e na Ásia, a Rede pretende ajudar a melhorar a qualidade de vida das populações mais desfavorecidos, independentemente da sua origem, género ou religião.
Porque têm a sua sede em Lisboa?
A representação mundial em Lisboa aconteceu graças a um acordo assinado a 3 de Junho de 2015 – mais de uma década desde que outros países, como o Canadá, disputavam a atenção do príncipe, oferecendo benefícios fiscais e outras regalias em troca dos avultados investimentos da família.
Portugal destacou-se, no entanto, por ter sido o primeiro Estado não muçulmano a assinar acordos com o Imamat (o Estado sem pátria dos xiitas): primeiro em 2005 e depois em 2009, reconhecendo-lhe um estatuto semelhante ao Vaticano.
*Ainda conheci o Príncipe Ali Khan e a sua mulher Rita Hayworth no Lumbo e Ilha de Moçambique em 1949, quando visitou a Comunidade Ismaelita.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE