Por Edwin Hounnou
Aquilasse Kapangula era o Comandante Provincial da Polícia da República de Moçambique, PRM, na Zambézia até bem pouco tempo. Foi transferido para vice-comandante das forças fluviais e marítimas, considerado um cargo de menor importância se comparada com o de comandante provincial. No dia 18 de Março passado, a polícia descarregou forte sobre pessoas que foram à manifestação de homenagem a Azagaia.
Em Maputo, houve mortos, um ficou sem um olho e outros tantos ficaram feridos. Noutras cidades como Beira, Nampula, os manifestantes foram impedidos. Em Quelimane, não foram molestados. Tiveram um acompanhamento policial. Ninguém foi preso nem detido nem não houve distribuição de chambocadas.
Em Quelimane, a manifestação decorreu como prevista na Constituição que diz que é um direito que assiste aos cidadãos e não carece de nenhuma autorização para a sua efectivação (artigo 51/CRM).
As autoridades policiais, depois de informadas, têm a obrigação de acompanhar a caravana ao longo do trajecto previsto, para que haja ordem e respeito pelas instituições. Noutras cidades, houve uma verdadeira guerrilha urbana protagonizada pela polícia que fez um cocktail de violações de direitos humanos e um autêntico vandalismo.
Em Maputo, a polícia não poupou nem os manifestantes prostrados ao chão em sinal de rendição. Para justificar a violação dos direitos humanos, o Comando-Geral da PRM, na pessoa do seu vice-comandante geral, General Fernando Tsucana, convocou uma conferência de imprensa para dizer que a sua corporação agiu de tal modo brutal porque tinha descoberto ou visualizado a preparação de uma tentativa de golpe de estado. Só podia ser uma mentira monumental!
Um golpe de estado intentado por manifestantes que não traziam nem uma arma, nem uma fisga ou qualquer outro instrumento contundente. Seria pela primeira vez na história da humanidade em que manifestantes pacíficos derrubariam um regime que tem uma polícia bem armada e com cães à altura de esquartejar qualquer indivíduo que se atravesse aproximar à linha vermelha, forças armadas modernas e perigosos agrupamentos de esquadrões da morte que tanto dizimam a oposição e outras vozes que expressam um pensamento diferente ou alternativo.
O golpe de estado foi visto só pela polícia através de "ordens superiores" de sempre. As fontes, em Quelimane, dizem que deve ter sido a razão que pesou para que o comandante Kapangula fosse "despromovido" por não ter cumprido "ordens superiores" (artigo 80/CRM) para inviabilizar a manifestação. Ele não ordenou que os manifestantes fossem espancados ou detidos. A polícia acompanhou-os e os protegeu.
Kapangula, garantiram-nos as fontes, que estaria a pagar pela sua "moleza" por ter cumprido o estatuído na Constituição. Se Kapangula tivesse mandado bater e prender nos manifestantes, como aconteceu em Maputo e nas demais cidades, Kapangula teria continuado no seu gabinete sem chatices. Como não cumpriu as ordens superiores, baixou de nível mesmo que não lhe tivesse reduzido o número de estrelas.
Kapangula foi punido por não ter aceitado chicotear os manifestantes, como fizeram outros comandantes de outras províncias que cumpriram à risca tais ordens superiores.
Entre nós, as coisas funcionam, muitas vezes, dessa maneira - a voz do chefe é mais forte que a lei. Essa postura não é só de hoje, mas é de há várias décadas. É desde que somos país independente. O chefe é a própria lei. "L'État c'est moi" - O Estado sou eu, como dizia Louis XIV, rei da França (1638-1715).
No nosso país, não é nada fácil cumprir a Constituição que diz que as ordens ilegais não devem ser cumpridas, venham elas de quem vier, mesmo que venham de um grande chefe instalado em Maputo. Se são ordens ilegais não se tornam legais por terem sido emanadas por grande chefe. Este é o dilema de muita gente que se vê obrigada a cumprir ordens ilegais por virem de quem provêm.
As ordens superiores, se forem ilegais, jamais mudarão de natureza por força de quem as emite.
Em Moçambique, na nossa pátria amada, onde todos os moçambicanos cabem no coração do seu presidente - camarada Filipe Nyusi - , as ordens superiores estão acima da Constituição. O povo, como no passado, não pesa quase nada na acção governativa. É assim em todos os regimes autoritários como o vigente no nosso país.
Os que tomaram a decisão de transferir Kapangula permitiram, depois das confusões que a polícia andou a fazer, a especulação por não terem tomado em conta o timing dos acontecimentos.
Eles ainda julgam que o povo não pensa, que nao seja incapaz de entender este fenómeno político. O povo pensa muito bem sobre o alcance que pretendem a atingir - chamar a atenção sobre a impetuosidade do cumprimento das ordens superiores que tramaram Kapangula.
VISÂO ABERTA – 27.04.2023