Em Janeiro escrevemos a vida post mortem de Cabral, em Fevereiro a vida post mortem de Mondlane, em Março o réquiem em bro (Carlos Carvalho) maior, em Abril, vistas as mórbidas circunstâncias, estávamos para salmodiar um réquiem em R(apper) maior. Porém, a – ainda curta – vida post mortem de Azagaia (que desnuda as contradições da nossa sociedade e as dissonâncias graves entre o povo e o seu governo) está a suplantar a sua existência histórica. No cerne dos acontecimentos em torno do seu falecimento e da celebração da sua vida, está subjacente um debate ligado à busca da verdade e da justiça. Infelizmente a filosofia chega sempre tarde (...), ela aparece no tempo depois que a realidade completou o seu processo de formação (Hegel).
No processo de compreensão da condição histórica, as artes chegam primeiro: Homero antes de Platão, Langston Hughes antes de Alain Locke (Black Renaissance), Césaire antes de Hountondji ou Craveirinha antes de Castiano. Mas as artes incidem de maneira diferente na sociedade. Compreender Mia Couto, interpretar as obras de Mabunda ou as fotografias de Mauro Pinto é deveras mais difícil que entender a mensagem dos K10 ou do Wazimbo, que, aliás, não precisam de uma galeria de arte, de uma sala de teatro ou de uma biblioteca – com as suas línguagens herméticas para os não iniciados –; que ouvir e apreender a música que nos chega, nolens volens, das rádios nos bairros, barracas, chapas (a música convida-se aos nossos espaços interiores, sem pedir autorização). Talvez por isso a arte de musicar a vida desempenhe um papel fundamental na criação, questionamento e sedimentação das verdades nas sociedades (Heidegger, A Caminho da Linguagem); é como se a música carregasse sobre si uma função emocional, mas também política.
Leia tudo aqui Prelúdio pós mortem em (de) R(apper) maior — Severino Ngoenha