Adelto Gonçalves, escritor sem violon d´Ingres? (*)
Escritor e pesquisador brasileiro é homenageado por revista literária eletrônica em Portugal
Maria Estela Guedes (**)
A minha pergunta sobre a possível falta de um hobby vem de ver Adelto Gonçalves sempre ocupado. Ele é o único co-autor do Triplov cujos textos não tenho publicado na totalidade, porque me falta capacidade de trabalho igual à dele. É um intelectual atento, amigo dos seus colegas, em quem se revela claramente um espírito de missão: a de dar a língua portuguesa ao mundo, na sua forma escrita e nos seus tão diversos registos, visto que ele não se ocupa apenas do português do Brasil e do português de Portugal, mas ainda de registos praticados em outros países lusófonos. Ousa comentar estas variantes, e realmente é preciso coragem, não s& oacute; por serem muito diferentes, como por a diferença desembocar por vezes ou na fraca inteligibilidade dos textos ou em campos diplomática ou politicamente delicados.
Há autores que simplesmente resolvem os problemas garantindo que não existem diversos registos do português, não existe o português do Brasil e o português de Portugal, existe apenas uma língua portuguesa, bem escrita ou mal escrita. Não, lamento dizê-lo, e nem é por discordar, é porque os factos desmentem essa tese. Por muito que nos custe, e decerto Adelto Gonçalves concordará comigo, há variantes do português específicas das nacionalidades. Tomemos o exemplo lexical e só para Brasil e Portugal, deixando de lado outros países, fonética, morfologia e sintaxe, que envolvem maior complexidade: aquilo a que nós, portugueses, chama mos palavrões, oiço-o eu quotidianamente nos meios de comunicação brasileiros, donde o teor emocional do vocabulário se revela muito menos ou nada ofensivo.
O autor a quem prestamos tributo é então um leitor e analista incansável, não só de escritores em português como nas variantes do espanhol, ou seja, do castelhano, solto como o português pelas quatro partidas do mundo. As suas leituras são publicadas não só em diversos websites como jornais e revistas em suporte de papel, quer no Brasil quer noutros países, entre os quais anoto a Rússia. O seu ritmo de publicação é acelerado, donde muitos de nós, contemplados pelos seus ensaios de crítica literária, lhe ficamos profundamente gratos.
Se o maior volume de títulos corresponde a textos em que Adelto Gonçalves fala de nós, os seus outros, sobrar-lhe-á tempo para reparar relógios, pintar, frequentar aulas de dança, tocar violino, como Ingres? Não creio, a menos que goste de viajar. Viajar por esse mundo, e tenha a Espanha como preferência maior.
Adelto Gonçalves também escreve romance e obras de arcaboiço histórico. Acerca desta parte do seu currículo ocupam-se os autores do tributo que a Revista Triplov agora lhe presta, diversos e todos eles muito respeitadores do seu mérito, apontando isto para o alto nível das suas obras ficcionais, de investigação histórica e literária.
Nós, portugueses, ficamos naturalmente sensibilizados por duas das suas obras de investigação e análise literária incidirem num autor comum a portugueses e brasileiros, caso de Tomás António Gonzaga e, outro, radicalmente português, como Bocage. De quanto aventei encontrará o leitor fundamentos que lhe despertarão interesse pelo mais marcante co-autor do Triplov, caso não o conheça, o que é difícil, no meio intelectual ibero-americano.
Eis o seu currículo: Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justi&cced il;a em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (Livraria José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015), O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), Fernando Pessoa: a voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e Mariela morta, novelas (Ourinhos-SP, Editora Complemento, 1977), entre outros. E-mail: [email protected]
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(*) Texto publicado como editorial para o Tributo a Adelto Gonçalves, que pode ser lido na Revista Triplov, de Portugal (https://triplov.com/
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(**) Maria Estela Guedes é escritora, dramaturga, narradora, poeta e editora. É membro da Associação Portuguesa de Escritores (APE) e do Instituto São Tomás de Aquino. Foi membro do extinto Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL). Orientou várias coleções na editora Apenas Livros, de Lisboa. É membro também da Associação InComunidade, para a qual tem produzido programas de rádio. Dirige o site Triplov (www.triplov.com). É autora de mais de uma vintena de livros, entre os quais se destacam: Herberto Helder, poeta obscuro (1979), Eco, pedras rolantes (1983), Mário de Sá Carneiro (1 985), À sombra de Orpheu (1990), Carbonários – operação Salamandra (1998), A_maar_gato (2005), A boba, monólogo em três insônias e um despertador (2006), Tríptico a solo (2007), Chão de papel (2009), Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos em Portugal, A obra ao rubro de Heberto Helder (2011), e os mais recentes, publicados pela Editora Urutau, de Cotia-SP: Esta noite dormimos em Tânger e Conversas com Federico García Lorca. E-mail: [email protected]
NOTA: Igualmente junto a minha homenagem ao ilustre professor pela sua obra sobre TomaZ António Gonzaga em que a minha Ilha de Moçambique se encontra em destaque.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE