Mais uma vez, a actuação da Polícia em situações de revolta popular voltou a causar vítimas mortais. Desta vez a tragédia ocorreu na cidade de Nacala-Porto, onde quatro jovens foram atingidos mortalmente por balas disparadas por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) que tentavam conter a fúria dos residentes do bairro Quissimajulo.
Segundo escreve o jornal Notícias, edição de segunda-feira, 15 de Maio, a crença popular de que doenças como cólera e diarreias são propagadas pelas autoridades locais, incluindo responsáveis do bairro, esteve na origem dos tumultos. Tudo começou quando três crianças da mesma família morreram vítimas de diarreias e vómitos, situação que levou os pais e vizinhos a concluírem que os responsáveis do bairro, nomeadamente o secretário e os líderes comunitários, haviam espalhado a doença para matar pessoas.
A crença desencadeou túmulos e, segundo contou o chefe de quarteirão 15, Gustavo Pilale, pelo menos 20 casas de líderes comunitários foram destruídas por populares. A Polícia foi chamada a intervir para conter os ânimos dos populares que estavam a vandalizar o centro de saúde local, o posto policial e as residências dos responsáveis do bairro, incluindo líderes comunitários.
E a Polícia, mais uma vez, usou armas de guerra para conter a revolta popular e quatro pessoas foram atingidas. O chefe de quarteirão 15 do bairro Quissimajulo explicou que não foi possível socorrer os jovens alvejados para o hospital uma vez que os manifestantes abriram covas profundas na estrada para impedir a entrada e saída de viatura das autoridades do bairro.
Assim, os quatro acabaram perdendo a vida no local onde foram atingidos por balas disparadas pela Polícia.
Devido à situação de insegurança que se instalou em Quissimajulo, os profissionais da saúde abandonaram centro de saúde local e alguns membros da PRM puseram-se em fuga.
O recenseamento eleitoral foi interrompido, aguardando-se pela restauração da ordem e tranquilidade públicas.
Tumultos motivados por crenças populares relacionadas com a eclosão e propagação de cólera são recorrentes no centro e norte de Moçambique, sobretudo nas províncias de Nampula e Zambézia. Isso reflecte, em parte, a fraca sensibilização das pessoas sobre o surto de doenças epidêmicas em determinados períodos de ano.
Enquanto as autoridades de saúde não reforçarem a educação cívica e sensibilização das pessoas, a crença segundo a qual doenças como cólera são propagadas por responsáveis locais vai continuar no imaginário social, reforçando a falta de confiança nas instituições do Estado.
Mas mais grave ainda é a forma como a Polícia actua para conter os ânimos da população. Regra geral, os agentes usam armas de guerra para dispersar as pessoas, o que acaba sempre em assassinatos.
E o Estado nunca assume a responsabilidade civil pelos actos praticados pelos seus agentes, indemnizando os familiares das vítimas mortais. O argumento recorrente de que as pessoas foram atingidas por balas perdidas não procede, pois os agentes estão treinados a conter revoltas de massas e a usar meios e força proporcionais à situação do momento.
Já no distrito de Vilankulo, em Inhambane, pessoas até aqui desconhecidas assassinaram, na semana passada, um idoso descrito como sendo muito influente no povoado de Choloane. Segundo a Rádio Moçambique (RM) , emissora pública, os criminosos ataram os membros inferiores e superiores da vítima e, com recurso a objectos contundentes, torturaram-no fisicamente. Acto contínuo, amarraram a vítima numa viatura e arrastaram-na até perder a vida, ao mesmo tempo que filmavam o cenário, que posteriormente colocaram a circular nas redes sociais.
16.05.2023