Em 2014, a mineradora Triton Minerals anunciou a descoberta do maior depósito mundial de grafite na província de Cabo Delgado, que deve conter mais de 115,9 milhões de toneladas do minério. Desde então, o País assiste a um crescente interesse de empresas de todo o mundo em explorar este recurso, cujo valor industrial proporciona biliões de dólares em lucros à indústria de baterias eléctricas e promete ser um dos recursos mais procurados nos próximos anos. Moçambique tem muito a ganhar. Mas o que acontece, de facto, no terreno?
Há uma espécie de experiência negativa com que o País começa a aprender a lidar no que diz respeito à capacidade ou possibilidade de reter os benefícios da exploração de recursos valiosos para a indústria e que são aqui abundantes.
Comecemos pelo carvão que, até há uma década (dadas as reservas de dimensão global), era visto como a fonte de receita que traria equilíbrio às contas nacionais e com poder suficiente para fazer o País transitar de renda baixa para o grupo de países de rendimento médio. Embora o carvão ainda seja o recurso que garante a maior parte das receitas de exportação, acabou por não corresponder ao que se esperava em termos de capacidade de mobilização da indústria interna.
Hoje temos a grafite, minério que se está a projectar como o recurso do presente e do futuro. Contabilizadas as reservas de grafite em três projectos (dois na fase de exploração e um na fase de desenvolvimento) em Moçambique, apurou-se a existência de 121 646 000 toneladas, num total de aproximadamente 160 000 000 de toneladas em reservas existentes no mundo, o que representa cerca 80% das reservas globais já conhecidas. É um minério que dá muito dinheiro lá fora, mas de que pouco se ouve falar no País que o tem em abundância.
A crescente aplicação da grafite na produção de automóveis eléctricos levou ao rápido aumento da procura por este minério nos últimos anos. E a previsão é que o preço continue a aumentar
Como é que nos posicionamos estrategicamente neste sector? O que é que se está a pensar (se é que já se pensa) para transformar o chamado ‘chumbo negro’ numa oportunidade não só de ganhar receitas fiscais, mas de promoção do desenvolvimento que se esperou do carvão e que não veio? Vamos, antes, começar por tentar perceber o seguinte:
Quanto vale o mercado global da grafite?
Tudo começa na sua ampla aplicabilidade. O mercado da grafite é segmentado por tipo (grafite natural e grafite sintético), aplicação (eléctrodos, refractários, fundição e fundições, baterias, lubrificantes e outras aplicações) e indústria de usuário final (electrónica – uso no fabrico de computadores, por exemplo –, metalurgia, veículos e outras indústrias de usuários finais).
De acordo com a Fortune Business Insights – uma agência indiana que realiza estudos de mercado e serviços de consultoria para empresas globais, fornecendo previsões de mercado e recomendações para ajudá-las a melhor se posicionarem face à concorrência –, no seu relatório intitulado “Mercado da grafite 2021-2028”, este mercado valerá 25,70 mil milhões de dólares por ano durante este período, depois de uma queda de 1,23% em 2020 devido à pandemia do covid-19, para 13,60 mil milhões de dólares.
“A crescente demanda é baseada em factores como combinar metais e não metais, tornando a grafite perfeita para uma variada gama de aplicações industriais. É um óptimo condutor de electricidade e calor, estabilidade térmica incomparável e lubricidade. Isso é projectado para reforçar o crescimento do mercado de grafite num futuro previsível”, refere o documento.
Os países mais destacados na exploração industrial do minério incluem os mais desenvolvidos da Europa, Estados Unidos, China, Japão e Coreia do Sul. Outro estudo, o da Mordor Intelligence, refere que o mercado global de eléctrodos de grafite está projectado para atingir mais de 12 mil milhões de dólares anuais entre 2023 e 2028. Eléctrodos de grafite são amplamente utilizados em fornos de arco eléctrico e fornos de fusão em centrais siderúrgicas, fábricas de silício, entre outras.
Tudo isto mostra o quanto Moçambique pode ocupar um lugar importante no banquete dos maiores exploradores da grafite. Mas por enquanto vamos, sem surpresa, muito atrasados.
O que acontece no terreno?
Apesar da certeza de que novas minas de grafite no mundo serão fundamentais para atender à crescente demanda e combater um potencial défice de oferta, Moçambique não apresenta qualquer plano para começar a processar esta matéria-prima e vai exportando em bruto. Ganha apenas através dos impostos provenientes da extracção.
“O que temos de fazer é atrair os investimentos que possam vir a processar a grafite em produtos que possam ser posteriormente usados na indústria, como forma de adicionarmos valor localmente. Mas este é o desafio para o futuro”, admite Cândido Rangeiro, director nacional de Geologia e Minas no Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME).
Com efeito, Cândido Rangeiro defende a estipulação legal de uma quota de grafite que deve ser usada pela indústria transformadora local, de modo que qualquer investidor tenha garantias de acesso ao minério no caso de pretender processar em Moçambique para os diferentes fins. Desta forma, as empresas que exploram a grafite teriam uma obrigação legal de vender parte da produção à indústria local, ao invés de exportar na sua totalidade, como sucede actualmente.
Ganhamos pouco
O maior projecto de extracção de grafite do País está no distrito de Balama, província de Cabo Delgado, e é implementado pela Syrah Resources Limitada, uma empresa australiana, sediada em Melbourne e cotada na bolsa australiana ASX.
Esta empresa ganhou uma concessão mineira em Dezembro de 2013 válida por 25 anos, um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) em 2015 e uma licença para usar a água da barragem de Chipembe em 2017.
A licença ambiental para a construção e operação da mina de grafite foi obtida em Abril de 2015. Todo o reassentamento de agricultores locais na planta de processamento proposta foi concluído, segundo explica o director nacional de Geologia e Minas.
A construção da planta de processamento foi iniciada em 2016 e concluída no final de 2017. O programa de prospecção de pesquisa resultou na definição de reservas estimadas em 114 milhões de toneladas. O investimento total no projecto foi de 314 milhões de dólares e a produção projectada é de 165 mil toneladas de grafite por ano.
De 2018 a 2021, a mina de Balama produziu 340 mil toneladas de grafite, o que resultou em impostos de produção de pouco mais de 4,3 mil milhões de meticais.
A ambição da Syrah é de ser o principal fornecedor mundial de grafite de qualidade superior e de produtos de material anódico, e para isso tem Moçambicano como prioridade
A produção foi quase toda para a exportação, na medida em que Moçambique não tem indústria para processar grafite, sendo que o que é retido no País é considerado de material descartável por não apresentar a qualidade desejada pelos compradores.
A E&M sabe que o projecto de Balama assinou, em 2021, um acordo com a firma norte-americana Tesla, a maior companhia de automóveis eléctricos do mundo, para o fornecimento de grafite para produzir veículos eléctricos do futuro. “Isto é bom porque significa que a nossa grafite tem um mercado garantido, mas nós ganharíamos muito mais se esta adição de valor fosse feita aqui e exportássemos produtos acabados”, assume Cândido Rangeiro.
Entrada da Tesla também nos passa ao lado
A Tesla está a investir seriamente na obtenção da grafite e chegou a conseguir um acordo com vários fornecedores (incluindo a australiana Syrah, que explora a grafite de Moçambique) para levar a matéria-prima para uma fábrica em Vidalia, no Estado norte-americano de Louisiana.
Para assegurar disponibilidade de grafite nas suas intenções de investimento, a Tesla ganhou o direito de retirar a maior parte da expansão proposta da capacidade de produção de grafite natural em Vidalia a um preço fixo por um período inicial de quatro anos, a partir da obtenção de uma taxa de produção comercial sujeita à qualificação final. A Tesla tem também a opção de retirar volume adicional de grafite da Vidalia, sujeito à expansão da capacidade da Syrah.
A E&M entrou em contacto com a firma australiana e ficou a saber, através de uma comunicação feita por e-mail, que a Syrah está a avançar no compromisso comercial e técnico com outros clientes-alvo para desenvolver grafite nos EUA para a produção em massa e assegurar compromissos adicionais de compra a longo prazo.
A ambição da Syrah é de ser o principal fornecedor mundial de grafite de qualidade superior e de produtos de material anódico. A empresa quer trabalhar em estreita colaboração com os clientes e a cadeia de fornecimento para acrescentar valor nos mercados de baterias e industriais. Ou seja, se Moçambique criasse uma estrutura industrial para a utilização da grafite podia contar com investimentos da Syrah também nos projectos de produção.
Projecto de Ancuabe subaproveitado
O projecto da mina de grafite de Ancuabe, também em Cabo Delgado, detido pela empresa Gk Ancuabe Graphite Mine, já exportou 12 600 toneladas do minério para a Alemanha, vendidas ao custo de 900 euros por tonelada, entre 2017 e 2021, o equivalente a 11 340 000,00 euros.
O distrito de Ancuabe está localizado na parte sul da província de Cabo Delgado, a cerca de 100 km de Pemba, a cidade capital. Na mina de grafite, que é relativamente menor que a de Balama, foram investidos 13 milhões de euros.
A planta nesta mina tem capacidade para produzir apenas nove mil toneladas de grafite por ano, estando, neste momento, a explorar o minério a níveis muito abaixo da capacidade, pois a produção média anual situa-se nas 2,5 mil toneladas de grafite nos últimos cinco anos.
As reservas no início do projecto eram de 150 000 toneladas e no final de 2018 estavam na ordem das 146 268 toneladas. De acordo com dados da Direcção Nacional de Geologia e Minas, o valor de imposto canalizado para o Estado foi de pouco mais de 6,2 milhões de meticais.
O economista do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Yasfir Ibraimo, especialista em fiscalidade, entende que a falta de informação sobre a génese dos contratos firmados com a Gk Ancuabe Graphite Mine dificulta aferir se o valor arrecadado é justo ou não. “Mas, pelo histórico que se conhece da exploração do carvão, não me surpreenderia que até neste aspecto estivéssemos a perder quanto à exploração da grafite”, explicou.
O economista entende também que o maior benefício, entretanto, seria a transformação local da grafite, porque a sua cadeia seria capaz de quadruplicar a mão-de-obra na indústria e multiplicar consideravelmente as receitas da indústria nacional.
Mas como montar uma indústria a este nível?
A E&M ouviu o presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), Rogério Samo Gudo, que de forma breve esclareceu que o empresariado nacional precisaria de grandes incentivos para entrar e singrar nesta área, visto que não tem grande contacto com actividades desta natureza. Primeiro, teria de importar algum know how e maquinaria, que entende ser bastante cara.
Para o responsável, isto passaria por desenhar um plano que envolve o Governo e o sector financeiro para apoiar esta aposta de forma coordenada. Recomenda, entretanto, que se faça um estudo que conduza aos ingredientes necessários para avançar com esta intenção. Acredita, contudo, que o empresariado nacional tem e já demonstrou capacidade de empreender em iniciativas de grande dimensão, pelo que a transformação da grafite em Moçambique seria mais um projecto bem-sucedido se fosse bem preparado e concebido.
O futuro promete mais, mas há muito por se mudar
Moçambique possui, neste momento, 53 licenças de prospecção e pesquisa de grafite em vigor sendo 44 na província de Cabo Delgado, uma na província de Nampula, seis na província de Tete e duas na província do Niassa.
Em relação às concessões mineiras, o País possui 13 das quais 12 na província de Cabo Delagado e uma na província do Niassa.
O director nacional de Geologia e Minas, Cândido Rangeiro, explica que os projectos na fase de concessão estão, neste momento, a implantar a infra-estrutura de apoio à exploração, podendo, entre dois a três anos, iniciar a extracção e exportação do minério para o mercado internacional.
Em termos de ocorrência de grafite em Moçambique podemos mencionar as províncias de Cabo Delgado nos distritos de Balama, Ancuabe, Montepuez, Meluco, Macomia, Chiure e Namuno; província de Nampula no distrito de Monapo; província de Tete nos distritos de Marávia, Fingoe, Angónia e Tsangano; e a província do Niassa, no distrito de Nipepe.
Os projectos na fase de produção efectiva são o Twigg Mining And Exploration (Syrah Resources) e o GK Ancuabe Graphite Mine, cujas actividades foram afectadas tanto pelo covid-19 como pelos ataques terroristas. A produção de grafite recomeçou em Março depois de uma interrupção em 2020 causada pela pandemia que levou a uma redução de 65% da força de trabalho.
Entretanto, o certo é que as minas de grafite nunca foram atacadas pelos terroristas, mas algumas movimentações neste contexto fizeram com que os investidores reforçassem as medidas de segurança para evitar que os colaboradores fossem emboscados.
O economista do IESE, Yasfir Ibraimo, sublinha que só o facto de se ter um mapa tão rico como o que Moçambique apresenta – mesmo que num contexto de poucos países com este recurso – não é capaz de, por si, produzir muita riqueza. Pelo contrário, tornará o País num cada vez maior centro de atenção de empresas que vão aproveitar melhor a grafite nacional. Há tudo por se mudar!
Alguns sobressaltos
No ano passado, a mina de Balama chegou a encerrar devido aos ataques terroristas próximo às minas onde está localizada. Mas, depois de contactos com as autoridades, a empresa decidiu regressar, em Outubro. A evacuação da mina tinha sido feita na sequência de alertas sobre insegurança em Namuno, a 50 quilómetros.
Outras empresas mineiras de grafite e rubis já tinham sido alvo de ataques, desde Junho de 2022, nos quais morreram pelo menos duas pessoas. Os ataques obrigaram a evacuar os locais de operação, devido ao alastrar dos rebeldes armados para sul da província.
Tropas do Ruanda e de países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) ajudaram as forças moçambicanas a retomar o controlo da zona dos projectos de gás, fazendo com que os rebeldes passassem a atacar em novos locais.
No caso da Syrah, as operações têm sofrido um ano conturbado. Em Junho, a cadeia logística já tinha sido suspensa temporariamente devido a ataques que se aproximaram da estrada por onde é escoada a grafite. Em Setembro, nova paragem foi provocada por causa de uma greve. Tirando estes incidentes, o trabalho deve ser no sentido de aproveitar no máximo o potencial que existe.
Texto Manuel Mandlaze • Fotografia Mariano Silva & D.R.