Por Alexandre Chiure
Ordens Superiores, não te conheço, mas estás a surpreender-me com algumas das tuas imposições. Mandas em tudo e em nada. Nas instituições públicas, na polícia, etc. Têm muito medo de ti em todo o lado. Alguns funcionários e agentes de Estado não prestam declarações à comunicação social evocando ordens superiores. A polícia impede a realização de manifestações, ainda que pacíficas, em atropelo aos direitos constitucionais dos cidadãos, por ordens superiores. Mesmo quando não foste tu a ditar as regras, está lá o teu nome a servir de escudo para justificar actos ilegais.
Afinal, quem és tu, na verdade? Porque é que te escondes atrás das tuas ordens?
Há dias mandaste inviabilizar a manifestação alusiva à homenagem ao artista Azagaia. Pelo menos disseram-nos que foste tu que mandaste proceder dessa forma. No cumprimento das tuas ordens, a polícia não deixou que a marcha tivesse lugar. Bloqueou as estradas. Mobilizou cães. Lançou gás lacrimogénio e dispersou a multidão. Houve muito barulho em torno disso, incluindo condenações pela má actuação da polícia, algumas das quais oriundas do estrangeiro, mas tudo terminou tal como começou.
Ordens Superiores, andas muito nervoso nestes dias. A que se deve? Tens medo de quê? Assim vais cometer muitos erros. Irritas-te com coisas insignificantes. Que a pacata Escola Secundária de Massinga, em Inhambane, o diga. Numa manhã, ficou abarrotada de agentes do SERNIC, SISE e de dirigentes da educação aos níveis distrital e provincial. Tudo por causa de um teste de Português, cujo conteúdo era um artigo de opinião do professor Domingos, que versava sobre o provável terceiro mandato do presidente em exercício.
Ordens Superiores, perdoas-me, mas desta vez exageraste. Já agora, diz-me uma coisa. Podes abrir-te comigo: Qual é o perigo que representa aquele texto de opinião inserido na prova da Língua Portuguesa para a segurança do Estado moçambicano? Claro que nenhum. Então, porquê tanta preocupação?
Criou-se um aparato desnecessário em torno do assunto que só serviu para assustar a comunidade, em geral, e os alunos e os professores daquela escola, em particular. Para começar, não era um tema para mobilizar toda aquela polícia, muito menos o SERNIC e o SISE. Não se justificava o seu envolvimento, pois era algo meramente interno, inerente à Educação.
O professor Domingos, que não sabe até agora que crime cometeu, foi afastado da docência, como punição, e é hoje escriturário, vítima da tua prepotência, ilustre Ordens Superiores. É assim como se destroem quadros e se remetem à frustração.
Ordens Superiores, eu gostaria de te conhecer para te dizer de caras que estás a dar importância a futilidades. Estás a promover pessoas ao título de heróis populares, a exemplo de Azagaia e, agora, do professor Domingos, delegado de disciplina de Português na Escola Secundária de Massinga. Depois daquele incidente não voltou a ser o mesmo. Aos olhos da comunidade é um herói pela sua capacidade de mexer com o sistema. Ele ganhou asas por causa de ti. É bom que saibas disso.
Outra coisa: Acho descabido que te tenhas preocupado com um punho, feito de betão, atribuído ao Azagaia, por iniciativa de jovens do bairro Polana Caniço, quarteirão 42, simbolizando a palavra de ordem “Povo no Poder”. Mandaste para aquela comunidade tanta polícia, de entre agentes do SERNIC, SISE e de protecção. Os que se deixaram fotografar junto do punho esculpido foram obrigados a eliminar tudo dos seus telemóveis e o artefacto foi guarnecido até que, no dia seguinte, fosse removido com o recurso à picareta, martelos e outros objectos. Porquê tudo isso?
Ilustre Ordens Superiores, não achas ridículo mandares guarnecer um punho, soldado num pilar abandonado, não no sentido de o proteger para que ninguém o danifique, mas para evitar que as pessoas se deixem fotografar ao seu lado? Uma coisinha de nada ganhou um impacto nacional e internacional. Ordenaste a remoção e todo o mundo ficou a saber. Antes de tal espectáculo gratuito, era apenas do domínio dos residentes do bairro Polana Caniço, quarteirão 42.
Ilustre, se eu te perguntasse que ameaça representava o punho removido, em termos de segurança de Estado, terias muitas dificuldades de me responder ou pelo menos ficarias embaraçado porque, na verdade, não se justificava tanto investimento em meios humanos e materiais para uma bagatela daquelas. Quer dizer que a polícia perdeu tempo a tratar de algo sem nenhum significado. A missão da PRM é clara: garantir a Ordem e Segurança Pública. Em que contexto se enquadra o punho de Azagaia?
Se queres servir os interesses do país, orientas a polícia para coisas sérias que põem em causa, na verdade, a segurança do Estado, como investigar e descobrir quem são os mandantes dos raptos. Até hoje somente os executores é que se encontram presos e enfrentam a Justiça. Investigar porque é que os jovens aderem facilmente às fileiras dos terroristas em Cabo Delgado. Procurar saber quais são as suas reais motivações.
Envolve a polícia na perseguição de quadrilhas que aterrorizam as populações nos diferentes bairros. Bandidos que arrancam carteiras e cabelos postiços das mulheres. Em última análise, cinge-te à missão de garantir a segurança do cidadão. Aí sim, precisamos de ti, Ordens Superiores.
Não coloques, em nenhum momento, a polícia numa situação de confronto com a Lei. A sua actuação não deve, nunca, sobrepor-se aos direitos inalienáveis dos cidadãos. A marcha ou manifestação é um deles. Qualquer tentativa de reprimi-la é uma grosseira violação da Constituição da República.
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