Moçambique não terá eleições distritais em 2024 porque, entre outras razões, falta dinheiro, segundo o Presidente Filipe Nyusi. Analistas duvidam que seja mesmo assim.
Está decidido. Em 2024, não haverá eleições distritais em Moçambique. A notícia do adiamento foi comunicada à nação pelo chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, na sexta-feira passada.
Entre vários fatores, Filipe Nyusi apontou a falta de capacidades financeiras para suportar os custos de funcionamento das instituições: "A análise económica e financeira demonstra claramente que o país não está ainda preparado para conseguir receitas internas para financiar o funcionamento do Estado no atual estágio de descentralização provincial", justificou Filipe Nyusi.
Mas para o porta-voz do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Ismael Nhacucue, este argumento é falacioso, porque, no seu entender, "o Presidente nunca apresentou com clareza qual é esse esforço de despesa adicional".
"Ninguém sabe qual o gasto financeiro que estas novas estruturas vão ter no funcionalismo público. Porque o administrador distrital já está lá com toda a sua máquina administrativa a funcionar através do orçamento do Estado", explica o porta-voz do segundo maior partido da oposição moçambique.
Duplicação de funções
Nhacucue desconfia que o Executivo teme o custo das distritais porque gostaria também de introduzir um representante do Estado nos distritos e toda a sua máquina. Isso poderia, de facto, criar um peso enorme nas contas públicas.
"Porque é que nós temos de ter um representante do Estado na província e no distrito? Qual é o impacto financeiro que estas estruturas têm na administração pública?", questiona Ismael Nhacucue.
Para a jornalista e defensora dos direitos humanos, Fátima Mimbire, o argumento financeiro para adiar as eleições distritais não convence por si só. "Será falso e hipócrita adiar as eleições distritais por razões financeiras e manter as eleições provinciais no modelo atual em que a descentralização está a ser implementada", afirma.
Dércio Alfazema, diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), concorda que a duplicação de instituições - à semelhança do que acontece atualmente nas províncias, com as figuras do governador eleito e do secretário de Estado - seria um empecilho para as contas públicas.
Aprofundar o modelo de descentralização
É por isso que Alfazema recomenda o aprofundamento da discussão sobre o modelo de descentralização que Moçambique deve adotar, nomeadamente "a questão da estratégia de planificação de desenvolvimento do país e ordenamento territorial".
"Precisamos de debater e aprofundar com algum rigor o nosso modelo de descentralização e até a nossa Constituição, em geral", avalia Alfazema.
Fátima Mimbire sugere que se aproveite a revisão da Constituição, proposta na semana passada pelo chefe de Estado para acomodar o adiamento das eleições distritais, e se faça mais mudanças, incluindo "a supressão das secretarias de Estado provinciais, porque isto torna insustentável a descentralização em Moçambique".
A ativista acrescenta que o ideal seria transformar todos os distritos em autarquias.
O analista Dércio Alfazema frisa, por outro lado, que é preciso esclarecer os espaços de arrecadação de receitas ao nível local.
"Não existe um alinhamento sobre onde é que estas entidades vão buscar recursos ou impostos, porque os impostos ao nível provincial são quase todos canalizados para os municípios e para o governo central", nota o diretor de programas do IMD.
Mas para isso, acreditam os críticos, é preciso vontade política.
DW – 29.06.2023