Por António Barros – Colaborador
Era amigo dos seus amigos. Fazia tudo por eles nem que fosse preciso tirar a camisa que usava, para emprestar. Se algum necessitasse ele era capaz de voltar para casa de tronco nu. Por ser amigo dos seus amigos, estava sempre pronto a defendêlos do que fosse.
No período da tarde, o percurso do machimbombo era: Namacurra, Minjalene, Furquia, Brigodo, Namucua, Copa Cabana e depois Feira Voabil que era a última paragem onde o autocarro dormia para sair no dia seguinte de manhã, por volta das seis horas. Invariavelmente, antes de arrumar o machimbombo no quintal de sua casa, enquanto os passageiros descarregavam os seus pertences, o motorista, Abarros, ia conversar com o comerciante Adamo Chamaune, seu compadre.
A principal actividade comercial na Feira Voabil era a compra de copra, que depois era vendida à Companhia do Boror, se a qualidade fosse boa, ou aos grandes comerciantes que revendiam às fábricas de óleo de copra e sabões. Uma delas era a Geralco em Quelimane e outra o Entreposto que tinha uma fábrica em Nampula. A Companhia do Boror quando comprava copra dos comerciantes, juntava a que ela própria produzia, e vendia nos mercados internacionais. De Porto Belo, demandavam para diversas partes do mundo, grandes navios com copra a granel ou em sacos de 100 quilogramas.
A Zambézia era o distrito de Moçambique colonial que mais exportava produtos para o mercado internacional, nomeadamente Chá, Copra, Sisal, Camarão, Pedras preciosas e semipreciosas, Madeira. Naquele tempo, 60% dos produtos estratégicos de exportação provinham da Zambézia. O distrito contribuía com 30% do BIP de Moçambique colonial. A sua fama de exportadora de produtos era tão grande que um poeta daquele tempo, cujo nome não nos vem à cabeça escreveu o seguinte:
No Gurué é cultivado e dali é exportado para os mercados mundiais,
Da palmeira é extraída e dali é ressequida para a comida temperar,
O sisal faz belas meias que as damas não acham feias e preferem sempre usar,
Da Zambézia estes produtos dão riqueza sem igual
E dão grande nome e fama
E dão grande nome e fama Ao nosso bom Portugal.
Mas voltando ao ABarros, invariavelmente parava na loja do seu compadre Adamo, que a actividade principal na sua loja, como a maioria dos comerciantes locais, era, a compra de copra às populações locais e a venda tecidos de diversos padrões e uma gama variada de géneros alimentícios. Nesse dia, como sempre, estacionou o machimbombo e quando chegou a loja do seu compadre amigo, repara que este discutia com um dos vendedores de copra, que não concordava com o peso, que diziam que o seu saco tinha. Porque dependendo do peso o vendedor levava para casa um certo valor em dinheiro e o resto em tecido e géneros alimentícios. A discussão estava para passar das palavras e quase que o comprador e o vendedor se esmurravam. O velho ABarros não acreditava no que estava a acontecer, olhou para o vendedor e o comprador, espantado, suspirou levemente e em voz alta diz:
- Compadre Adamo passa-me já o desmonta pneu para eu desmontar os maxilares desse thimbuine*. Porque o velho ABarros falou com tanta seriedade o vendedor acreditou que isso iria mesmo acontecer, parou de discutir, olhou para os lados atentamente, com um medo tremendo e “pernas para que te quero”. Regressou no dia seguinte, mais calmo para reclamar os seus pertences. *thimbuine – bandido em língua etchuabo
Jornal Makholo – 06.06.2023