Por Edwin Hounnou
Acompanhamos com um sentimento de júbilo o encerramento da última base militar da Renamo, em Vunduzi na província de Sofala, no dia 15 de Junho, porém, queremos alertar que a ausência de armas não significa garantia da paz e tranquilidade. Como dizia o Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressium que o "desenvolvimento é o novo nome da paz". O Papa Paulo VI não ensinava que a paz efectiva se resumia numa simples recolha de armas ou não se limitava a efusivos e prolongados abraços para impressionar, como alguns sectores da nossa sociedade pretendem dar e entender.
Podemos recolher todas armas possíveis para os armazéns dos quartéis, porém, a paz continuar sob ameaça. Armas podem-se encontrar sempre. É preciso resolver as causas dos conflitos que sempre nos levam à guerra.
Quando o acesso ao poder de estado é feito através de eleições não transparentes, não justas e, claramente, fraudulentas, está-se a lançar à terra a semente da discórdia e da guerra. Não basta encerrar as bases da Renamo para se dormir tranquilo a pensar que já não existem armas que possam perturbador o sono de quem tenha poder em suas mãos.
A paz é como uma semente que, para brotar e dar frutos, preciso oportunidades que o país oferece e, sobretudo, ninguém tem que pensar que foi destinado por algum ser supremo ou celestial para governar os outros a qualquer preço, como se viu agora com o censo eleitoral, intencional e evidentemente, fraudulento.
A paz é algo muito mais profundo do que se pode julgar. Paz é um facto em que se dá e, também, se recebe. Não resulta de um simples facto de recolha de armas e seguido de distribuição de um kit composto de enxada, catana, seis chapas de zinco, meio quilo de sementes de milho e abóbora. Paz é justiça, é saber respeitar a diferença. Enquanto fingimos que o país não pertence a todos, a paz será algo fraco que pode ser derrubado com um pequeno soprar de vento.
A paz tem que ser construída sobre uma base de uma enorme pedra para que não volte a ser beliscada e o sangue dos moçambicanos não venha a regar o solo. É preciso que a sombra da independência nacional de 25 de Junho de 1975 cubra a todos, sem exceção, e não só a alguns privilegiados.
Quando uns ficam com todo dinheiro e a maioria ficam com a mão cheia de pobreza, estaremos a semear a guerra e os conflitos sociais vão ficando ao rubro.
Temos que interiorizar bem fundo que o povo não tem outra pátria para além de Moçambique. Não têm para onde se refugiar quando as coisas ficarem pretas. A nossa experiência nos ensina que todos os conflitos sociais e as guerras são da mesma maternidade da injustiça. Foi assim a luta pela libertação nacional e a guerra pela democracia, foram produtos dz injustiça ainda que houvesse vozes que diziam ser a guerra dos "turras" e voltamos a ouvir falar da guerra dos "bandidos armados".
O sistema colonial implantou injustiça. O colonialismo era, por si só, uma acção de injustiça extrema. A supressão das liberdades individuais foi uma grande injustiça que o povo teve que se defender. Expulsar o colono para o substituir foi uma burla.
A corrupção é uma ameaça à paz porque concorre para impedir para que não haja desenvolvimento. Nenhum país pode ter paz efectiva quando o seu povo se encontra aposentado pela pobreza. Um país, com todas as potencialidades que possui, mas vive de importações de quase tudo desde batata, cebola, arroz, sapatos e a maioria do seu povo se veste de "xicalamidade" não pode ter paz porque está fora dos carris do desenvolvimento. Um país que se deu ao luxo de destruir o pouco que herdou do seu passado colonial, vaindo chocando com a cabeça na parede, não pode viver em paz porque não encontra o desenvolvimento a quem tem direito.
A paz e o desenvolvimento são dois binômios inseparáveis um do outro. São duas faces da mesma moeda. Não há paz sem desenvolvimento, assim como não há desenvolvimento sem paz. Enganam-se todos os que pensam de modo diferente.
Não há outra maneira de assegurar a paz e desenvolvimento. A paz não se assegura adquirindo armas nem recolhendo armas. A paz é o desenvolvimento consegue-se com a justiça, igualdade para todos e inclusão social. Não se pode esperar que haja paz quando os negócios do estado são abocanhados pelas mesmas pessoas. Nos corredores de desenvolvimento, nas minas de carvão, de ouro, na exploração de areias pesadas, grafites, rubis que se vendem a vários milhões de dólares nos mercados internacionais, estão as mesmas caras, as mesmas famílias. Não se pode esperar pela paz quando se semeia a discórdia. A mangueira dá mangas e a videira produz uvas. O contrário é um contra-senso. É contra a natureza. Não é possível.
As fraudes eleitorais, a exclusão, a ausência do desenvolvimento são factores que ameaçam a paz. O que ameaça a paz não são as armas que a Renamo ostentava. A garantia da paz e desenvolvimento não passa apenas pelo desarmamento da Renamo, mas pela integração integral dos cidadãos na economia nacional do país.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 28.06.2023