EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (147)
À hora que lhe escrevo esta carta, Presidente, Manuel Chang era esperado no tribunal de Brooklyn, Nova Iorque, às 15h:30 locais (21h:30 em Moçambique), para a audiência de formalização da acusação.
Não sei, ontem, como é que terminou a tal audiência porque, como se pode depreender, já era noite aqui em Maputo e era, também, a hora do fecho deste jornal. O Presidente chegou a vê-lo ao longo desses quase cinco anos que ele esteve detido em Joanesburgo?
Eu vi-lhe naquelas suas raras aparições no Kempton Magistrate Court, em Kempton Park. Não era o mesmo Chang! Tinha definhado tanto que as suas roupas pareciam que o vestiam a ele. De que era Manuel Chang só percebia quando chamavam o seu nome no tribunal e ele levantava-se. Não fosse isso, eu ia pensar que se tratava de um farrapo qualquer, um quase humano que o tribunal estava ali a julgar-lhe olha que eu o conheci no tempo das vacas gordas!
Há um episódio curioso: decorria, provavelmente, o ano de 2006, se a memoria não me atraiçoa- também não vou para novo. Tive que ir ao seu encontro, no Ministério das Finanças, em consequência de um escândalo de corrupção que eu, na qualidade de jornalista, havia descoberto no Centro de Processamento de Dados (CPD).
O director, um senhor chamado Orlando Comé, era acusado pelos trabalhadores do CPD de roubo de dinheiro da instituição. Lembro-me que eles tinham qualquer coisa como seis meses sem salários, mas o director passeava pelo mundo com a família, a gastar balúrdios.
E quando fui ter com ele, acabava de regressar de uma viagem, com a família, dos EUA!
A garagem do CPD andava cheia de carros da propriedade de Comé. Dentre as marcas que ali se encontravam, desfilava um Jaguar de se lhe tirar o chapéu - o meu colega fotografo até registou as imagens. Quando lhe perguntei com que dinheiro havia enchido aquela garagem- lembrando que o CPD não tinha dinheiro para salários-, ele embrulhou-me.
Acabei por ir desaguar no Ministério das Finanças porque o escândalo envolvia Manuel Chang, por conta de o seu ministério tutelar o CPD. Eu tinha o seu número de telemóvel. Liguei-lhe antes para marcar a reunião. No dia e hora combinados, dirigi-me ao Ministério das Finanças. Acompanhava-me o meu colega fotógrafo, de nome José Matlombe.
E Chang “fintou-nos”. Mandou dizer que não estava no ministério. E acabou por nos atender o secretário permanente de então. Expliquei-lhe ao que íamos, e ele deu respostas vagas- não estava propriamente dentro do assunto. Finda a conversa, despedimo-nos com um aperto de mão e um sorriso forçado- de ambos os lados.
Antes de chegarmos ao Djambu, o meu telefone tocou: era Manuel Chang. Pedia para que eu voltasse naquele momento ao ministério porque ele acabara de chegar. Assim procedi. Chegado lá, coloquei-lhe as cartas que eu tinha na manga. Embrulhou-me. Embrulhou-me. Apelou para que eu fosse patriota e no fim não disse nada de concreto.
Foi nesse dia que eu percebi que ele haveria, um dia, de ser arguido em qualquer caso, antes mesmo de o ser. Esforçou-se muito para se defender e defender o então director do CPD, mas este, publicada a reportagem, mais tarde acabou sendo preso, julgado e condenado.
E é isso que Manuel está a fazer actualmente: defender –se e defender os seus camaradas. Eu não acredito que ele estivesse sozinho no calote.
O senhor acredita, Presidente?
Há pessoas, bem posicionadas, que também molharam o bico. Embora eu suspeite de algumas pessoas, gostava que, o esperado julgamento de Chang, clarificasse quem são esses indivíduos.
O senhor não quer isso, Presidente?
Ficávamos a saber quem, afinal, esventrou a pátria. Dizem que são indivíduos bem posicionados no partido e no Governo. O Presidente não desconfia de ninguém? Deve ser difícil revelar os nomes não é?
Mas bom: para quem esperou quase cinco anos, não custa nada esperar até Outubro. Se não houver adiamentos, Outubro será o mês de julgamento do senhor Chang. E até lá, os camaradas de três relações sexuais por semana vão reduzir para nada.
DN – 14.07.2023