No caminho para as autárquicas em Moçambique, há uma questão antiga que volta ao debate: a fraca representatividade das mulheres. Entre os cabeças de lista já apresentados, as candidatas contam-se pelos dedos das mãos.
As mulheres constituem a maioria da população moçambicana, mas isso ainda não se reflete nos órgãos políticos.
Stela Zeca, cabeça de lista da FRELIMO às eleições autárquicas na Beira, acredita que está a contribuir para mudar este cenário:
"Ser mulher e ser candidata também estimula a maior participação. Isto dá o exemplo de que não é preciso ser homem para liderar", afirma.
"Já tivemos exemplos concretos dessa participação de mulheres que depois engaja as outras mulheres para que não se sintam retraídas e vão à luta, assumam responsabilidades e contribuam em pé de igualdade com as tarefas que os homens fazem", diz ainda.
Stela Zeca, cabeça de lista da FRELIMO às eleições autárquicas na BeiraFoto: Privat
No campo político oposto, a mesma opinião: Lúcia Afate é a cabeça de lista da RENAMO às autárquicas em Mossuril e acredita que a sua candidatura pode fazer a diferença:
"Acredito, sim, que pode impactar a representatividade nas eleições locais. Apesar de sermos poucas mulheres a concorrer nestas eleições, só o facto de cá estarmos para alterar as estatísticas que outrora eram totalmente desfavoráveis às mulheres já mostra que o cenário político nacional está a sofrer uma alteração e que a paridade é algo que veio para ficar e elevar a disputa na esfera pública nacional", assevera.
História como fator excludente
Para Stela Zeca, a história pode explicar a fraca presença das mulheres nos lugares de decisão. Mas a candidata da FRELIMO quer ter um papel na mudança.
"Tendo em conta a nossa história, a alfabetização e a escolarização deram prioridade aos homens, não só aqui, mas no mundo. A mulher não se sentiu encorajada para aproveitar as oportunidades que existem. É uma grande responsabilidade para mim como candidata, porque, além de ser gestora, tenho de ser uma ativista pelos direitos das mulheres", comenta.
"Tenho de lutar para que se sintam mais encorajadas e possam contribuir para as decisões", refere ainda.
No entanto, o caminho ainda é longo para a igualdade de género na política moçambicana, alerta o analista político Eduardo Chiziane.
"É um sistema eleitoral em que o lugar da mulher ainda terá de ser conquistado e não se vai conquistar do dia para a noite", adverte.
"É preciso procurar compreender, interpretar e entender porque é que as coisas estão assim. E depois propor medidas de mitigação e saída numa evolução sustentável em direção à mudança", sugere.
Eduardo Chiziane diz que é preciso fazer um enquadramento histórico e comparativo com os países vizinhos, para ir além da simples crítica à fraca representatividade das mulheres no cenário político moçambicano.
Ao mesmo tempo, propõe a realização de um inquérito às mulheres do país, para saber se a questão as preocupa: "Também é preciso ver as crenças: como é que a mulher se vê a participar na atividade política, num processo eleitoral, se considera que é a sua vocação fazer isso?", questiona.
"Tenho o receio de as próprias mulheres estarem confortáveis com isso e ser uma leitura mais exógena do que endógena. Não entenderem isto como uma prioridade", opina.
A situação, segundo o analista, também se explica por fatores socioculturais e crenças, com os papéis políticos tradicionalmente reservados aos homens. E "reflete a ideia de que o país não está a fazer muitos progressos no alinhamento com as convenções internacionais sobre o equilíbrio de género".
Estratégias deixam as mulheres de fora
As próprias estratégias partidárias para alcançar a vitória a 11 de outubro poderão explicar, em parte, porque é que as escolhas dos cabeças de lista não recaem sobre as mulheres.
"Antevê-se uma disputa muito cerrada, porque pode-se perceber que o eleitorado vai participar utilizando o seu voto como um voto sancionatório por conta da situação da nossa economia e outros problemas que o país enfrenta. Então, ninguém vai apresentar numa situação dessas um candidato que apenas responde a padrões de princípios internacionais", sublinhou.
Por isso, o analista frisa a importância de fortalecer a educação em geral e a formação em cidadania e assuntos políticos para mudar a representação da mulher na política, a médio e longo prazo. Mas, para o futuro próximo, a cabeça de lista da RENAMO a Mossuril, Lúcia Afate, deixa um apelo simples: "Que sejam eleições livres, transparentes e justas".
DW – 27.07.2023