O aumento da produtividade na agricultura no último meio século deixou de fora o continente africano. Estendê-lo à região teria um impacto extraordinário na pobreza e no clima
A população mundial foi 158% maior em 2021 do que em 1961. Não só mais do que duplicaram as bocas a alimentar, como essas bocas se alimentaram mais e melhor, permitindo um grande declínio na pobreza e na fome. Por isso, a produção de cereais teve de aumentar ainda mais do que a população. Assim foi, com um aumento de 250%.
Alguns pensadores nos anos 60 avisaram que os recursos da Terra são finitos. Só seria possível alimentar os 7,9 mil milhões de humanos que temos hoje se destruíssemos as florestas para plantar mais terrenos e com isso causássemos uma catástrofe ambiental inconcebível. Muitos concluíram que só impedindo o crescimento da população seria possível a nossa sobrevivência e tornou-se popular defender campanhas de esterilização nalguns países onde a fertilidade era mais alta, ou apoiar a política de Deng Xiaoping de um filho por família. Hoje, 60 anos depois, é claro como água que este ponto de vista estava errado.
Não só a produção aumentou como, de acordo com os dados da “Our World in Data”, a terra usada no cultivo de cereais só cresceu 14%. Simplesmente, a produtividade agrícola (medida por tonelada produzida por hectare cultivado) aumentou 207% desde 1961. Usámos máquinas, inovações na irrigação e nos fertilizantes, construímos barragens, modificámos sementes, e com isso alimentámos 4,8 mil milhões de humanos a mais, melhor do que sempre.
Este fenómeno não foi exclusivo dos cereais. No arroz, a produtividade aumentou 253% nestes 60 anos. Somos 219% mais produtivos a plantar bananas, e 170% melhores a plantar batatas. Ou seja, em praticamente todos os principais cultivos somos capazes de produzir tanto ou mais por hectare e por pessoa que precisa de comer como fazíamos há 60 anos atrás. Neste momento usamos 1,07 mil milhões de hectares na agricultura no mundo. Não fossem estas inovações na agricultura, seria preciso antes cultivar 2,82 mil milhões de hectares, o pesadelo dos ambientalistas dos anos 60 que felizmente não se concretizou. Bill Gates ou Steve Jobs são, merecidamente, alguns dos heróis dos tempos modernos pelas suas invenções que mudaram o mundo para o melhor. Os cientistas que permitiram os avanços na medicina moderna, e os políticos e servidores públicos que aplicaram campanhas de saúde pública reduziram a mortalidade infantil e aumentaram o precioso tempo que estamos vivos. Mas outros heróis menos celebrados são os produtores, investigadores, engenheiros agrónomos, e agricultores que compõem o “complexo agroalimentar” que conseguiu com a mesma terra produzir muito mais e alimentar milhares de milhões de pessoas.
Os agricultores do complexo agroalimentar que alimentaram milhares de milhões são heróis a celebrar
Convém também não aceitar este progresso de forma cega. Alguns dos novos fertilizantes revelaram-se nocivos para a saúde. As modificações genéticas das sementes têm consequências que ainda estamos a avaliar. O cultivo intensivo de solos tem efeitos ambientais que estão a pôr pressão sobre os ecossistemas. Por sua vez, para todos estes problemas, também há inovações importantes e progresso extraordinário todos os dias. A lição da história é que a grande corrida da população não é com os recursos finitos da Terra mas antes com a ingenuidade e capacidade de inovação dos humanos. Ele também tem limites, e soluços e asneiras, pelo que o progresso não é certo.
Olhar para os dados da agricultura por país revela outra lição importante. Começando pelo trigo, não será surpresa que em França em 2021 cada hectare produzisse 6,9 toneladas, enquanto que em Portugal eram só 2,4 toneladas. Recuando a 1961, os franceses também só produziam 2,4 toneladas por hectare; mas nessa altura os portugueses limitavam-se a 0,65 toneladas. Mais interessante é que em média entre 1961 e 65, a produtividade em Angola e Espanha era aproximadamente a mesma e cerca de um quarto maior do que era em Portugal ou no Brasil. Agora, entre 2016 e 201, a produtividade em Angola é praticamente a mesma que há 60 anos, enquanto que nos outros três países, ela é aproximadamente 4 vezes maior. Isto não se aplica apenas ao trigo (que Angola produz pouco). Noutras colheitas em que a produção angolana é mais substancial, como os feijões ou as batatas, a conclusão é semelhante: imenso progresso no Brasil, Portugal e Espanha, e estagnação em Angola. Isto também não é um problema específico de Angola: o aumento da produtividade também não está presente na maioria dos países na africana subsaariana.
Há pelo menos duas hipóteses para explicar estes factos. Talvez a maioria das inovações tecnológicas na agricultura tenham sido direcionadas para as condições naturais do mundo excluindo África. Se assim for, temos de redirecionar os esforços dos agricultores para a região. Ou talvez sejam as instituições políticas, sociais, e económicas da região que não lhe permitem adotar estas inovações, e nesse caso é preciso pensar como remover essas barreiras. Seja como for, é difícil não olhar para o progresso no resto do mundo nos últimos 60 anos sem ver o potencial para termos ainda mais progresso nos próximos 60 anos usando melhor a terra arável em África. Se assim for, podemos reduzir de forma significativa a terra cultivada e mesmo assim alimentar todos. Dedicando esta terra à reflorestação, e não só, podemos corrigir as transformações climáticas.
EXPRESSO(Lisboa) – 21.07.2023