Manuel Chang, que foi ministro das Finanças e que está agora detido e a aguardar julgamento nos Estados Unidos da América (EUA), mencionou pela 1ª vez o nome do actual Presidente da República, Filipe Nyusi, no escândalo das dividas ocultas.
Manuel Chang disse que assinou as garantias em cumprimento da sua responsabilidade enquanto ministro das Finanças em 2013-2014, e que isso foi “por instrução directa do então ministro da Defesa e actual Presidente de Moçambique, depois de terem sido tomadas todas as medidas governamentais adequadas para aprovar o programa” da contratação das dívidas.
A declaração de Manuel Chang consta num documento de 26 páginas apresentado ao Tribunal de Brooklyn, na sexta-feira passada, 18 de Agosto. O documento é aditamento consolidado ao requerimento feito por Manuel Chang, no dia 8 de junho do corrente ano, através do qual pede ao Tribunal para rejeitar o caso, com o fundamento de que o atraso no julgamento foi por culpa das autoridades norte-americanas e que isso violou o seu direito a um julgamento célere.
A defesa de Manuel Chang alega que o seu direito a um julgamento célere, segundo determina a sexta emenda da Constituição dos EUA, foi violado. O Tribunal de Eastern District, de Nova Iorque, aceitou o pedido dos advogados de Manuel Chang de uma audiência preliminar para analisar se o tempo em que Manuel Chang ficou detido na África do Sul no rocambolesco processo da sua extradição violou, ou não, o seu direito a um julgamento célere, segundo determina a Sexta Emenda da Constituição dos Estados da América.
A decisão foi tomada no dia 12 de Junho, segundo a notificação do Tribunal, a que o Canal de Moçambique teve acesso. Após o Tribunal ter aceitado marcar uma audiência para a discussão preliminar da violação do direito constitucional a um julgamento célere, o juiz deu oportunidade a Manuel Chang para melhorar e consolidar o seu requerimento.
Na consolidação Manuel Chang arrasta pela 1ª vez Filipe Nyusi para o processo, dizendo que é incompreensível que tenha estado todo este tempo preso, desde Dezembro de 2018, tendo já a Justiça norte-americana emitido um veredicto no caso relativo a Boustani, em que as acusações e circunstâncias são iguais.
“As acusações contra o Sr. Chang referem-se exclusivamente à prática do acto ministerial de assinatura de garantias de empréstimos de acordo com as directivas do actual presidente de Moçambique, há aproximadamente uma década, enquanto servia como ministro das Finanças de Moçambique”, lê-se no documento assinado por Adam Ford, advogado da “Ford O’Brien Landy LLP”, um dos escritórios de topo em Manhattan.
A menção do nome de Filipe Nyusi pela 1ª vez por Manuel Chang tem a ver com um documento relevante escrito pelo próprio Filipe Nyusi, na sua qualidade de ministro da Defesa, no auge dos debates sobre o projecto do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira (SIMP), em 2013.
No dia 14 de Janeiro de 2013, Filipe Nyusi enviou uma carta com a referência 205/GAB/MDN/2013 ao ministro das Finanças nessa altura, Manuel Chang, com o conhecimento do Director-Geral do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, em que informa que, das várias opções de financiamento, e feitas todas as diligências, a melhor opção encontrada era o “Credit Suisse”, e enviou inclusivamente, em anexo a essa carta, os termos do acordo entre o banco “Credit Suisse” e o Governo, sendo Filipe Nyusi parte integrante.
Transcreve-se, em seguida, na íntegra, o conteúdo da carta enviada por Filipe Nyusi a Manuel Chang, excluindo o cabeçalho.
“Excelência, Queira Excelência receber os meus melhores cumprimentos e a manifestação de apreço pela entrega abnegada da Vossa Excelência à Missão incumbida. No decurso do transacto ano de 2012 às Forças de Defesa e Seguranca concluíram o processo de pesquisa e selecção de um sistema de Monitoria e Protecção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), depois de terem analisado várias propostas de equipamento e soluções para lidar com as questões de protecção dos nossos recursos marinhos e das infraestruturas envolvidas nas actividades de exploração e prospecção petrolífera.
Entretanto a proposta escolhida comporta recursos financeiros que se situam acima das capacidades financeiras do Orçamento Geral do Estado (OGE) poder absorver. Como resultado, iniciou o outro processo de identificação de instituições financeiras internacionais que estariam interessadas em conceder créditos para financiar esta solução. Feitas todas as diligências identificou-se a Credit Suisse (CS) para realizar este desiderato. Após várias negociações com a CS, as partes chegaram a um entendimento, que se encontra consubstanciado nos termos do acordo (TA) em anexo a este documento.
Neste sentido, vimos pela presente submeter os Termos do Acordo e solicitar a Sua Excelência o Ministro das Finanças, na qualidade de representante do Governo da República de Moçambique, neste acto, a proceder à assinatura dos mesmos. Melhores cumprimentos, em nome das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique. O ministro da Defesa Nacional, Filipe Jacinto Nyusi.”
A carta seguiu para Manuel Chang, com Filipe Nyusi a remeter ao ministro das Finanças dessa época os termos do acordo a que a Defesa havia chegado com funcionários do “Credit Suisse”, que, depois, foram trabalhar para Iskandar Safa na gestão dos dinheiros.
Agora, em Brooklyn, Manuel Chang diz que não tem nada a ver com a acusação da conversão dos títulos e diz também que só cumpriu instruções na sua qualidade de ministro das Finanças.
“Chang é incompreensivelmente acusado – sem qualquer prova ou possível base factual – de que, ao envolver-se no acto ministerial de assinatura de garantias de empréstimos, conforme exigido em virtude da sua posição como Ministro das Finanças de Moçambique durante 2013/2014 – por instrução directa do então Ministro da Defesa e actual Presidente de Moçambique depois terem sido tomadas todas as medidas governamentais adequadas – que ele entrou numa conspiração na qual o Credit Suisse venderia títulos a investidores americanos em 2016, bem depois de ter deixado o cargo”, lê-se no documento.
A defesa de Manuel Chang rebusca o julgamento de Jean Boustani para comprovar que o ex-ministro das Finanças não faz parte da conversão dos títulos. “Houve um julgamento de 29 dias exactamente sobre essas questões e nem uma única evidência foi apresentada para sequer sugerir que foi teoricamente possível que, em 2013, o Sr. Chang tinha qualquer ideia ou possível envolvimento com qualquer venda de qualquer título a qualquer momento, por qualquer pessoa, pelo Credit Suisse, quatro anos depois. É claro que esse julgamento terminou com a absolvição total de Jean Boustani”, afirmam os advogados.
Governo dos Estados Unidos ausentou-se do caso na África do Sul
No seu pedido consolidado para a rejeição do caso, a defesa de Manuel Chang diz que não faz sentido manter a acusação quatro anos depois e que, aquando da disputa pela extradição na África do Sul, a Justiça norte-americana nunca sequer interveio, demonstrando falta de interesse pelo mesmo. “O Governo [norte-americano] optou intencionalmente por ausentar-se do processo de extradição, aparentemente tomando a decisão de que não valia a pena o seu tempo ou recursos para redigir uma única carta para obter a sua imediata extradição”, dizem os advogados.
Na opinião dos advogados, os EUA escolheram a África do Sul como foro para a prisão e extradição sabendo que o Departamento de Estado dos EUA vem alertando há anos que o sistema jurídico da África do Sul está superlotado, com cerca de um terço dos detidos aguardando a sua vez no tribunal. “No entanto, o Governo solicitou a prisão do Sr. Chang em 2018 na África do Sul, e depois decidiu não fazer mais nada. As escolhas do Governo têm consequências e, ao fazer essas escolhas, o Governo violou os direitos constitucionais do Sr. Chang.”
No documento, os advogados de Chang dizem que houve oito intervenientes na disputa pela extradição de Chang, entre os quais duas organizações não-governamentais (o FMO de Moçambique e a Fundação Helen Suzman, sediada na África do Sul) e a República de Moçambique. E desses oito, nem procuradores nem qualquer outra entidade do Governo Federal dos Estados Unidos eram partes no litígio, o que demonstra o desinteresse que tinham.
Recordam que, no dia 1 de Novembro de 2019, um tribunal sul-africano concluiu que o pedido de extradição feito por Moçambique era invalido e que “não havia escolha a fazer entre os EUA e Moçambique”. Segundo os advogados, essa decisão deveria ter levado à extradição imediata de Manuel Chang para os Estados Unidos.
“Mesmo face a esta decisão, o Governo ficou de braços cruzados, nunca apareceu no litígio e nunca tomou qualquer medida para garantir a sua imediata extradição”, dizem e acrescentaram que se o Governo [norte-americano] tivesse feito qualquer esforço para comparecer nesse caso, enviando uma carta ou realizando qualquer acção, o Governo sul-africano poderia ter entendido como sugerindo que o Governo queria realmente a extradição de Chang, e é provável que ele tivesse sido extraditado mais rapidamente.
“Mas o Governo não tomou qualquer medida.” Na opinião da defesa, é essa inércia que levou à rejeição de vários casos com fundamento na violação do direito a um julgamento célere. Segundo os advogados de Manuel Chang, a demora de mais de um ano – a contar da data da sua prisão – para que Manuel Chang fosse submetido a julgamento é prejudicial ao direito do arguido a um julgamento célere, o que favorece a rejeição da acusação.
Manuel Chang foi detido em Dezembro de 2018, mas ainda não foi julgado. Este atraso é de mais de um ano e é facilmente considerado prejudicial. A Sexta Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América garante o direito a um julgamento célere, e as burocracias internas do sistema são consideradas como elementos prejudiciais e fundamentais para extinção do processo. Assim, os tribunais desenvolveram um sistema processual em que há uma fase preliminar para avaliar as alegações de atraso no julgamento e de violação da Constituição.
Como uma questão preliminar, os tribunais analisam se o atraso entre a acusação e julgamento pode ser presumivelmente prejudicial. Um atraso de um ano é considerado prejudicial. Desde que o atraso seja presumivelmente prejudicial, os tribunais consideram quatro factores, designados “factores de Barker” (em referência a um caso precedente), para determinar se a rejeição da acusação é justificada, designadamente a duração do atraso; o motivo do atraso; a afirmação do réu sobre o direito a um julgamento rápido; o prejuízo para o réu.
Os advogados de Manuel Chang consideram que os quatro “factores Barker” estão verificados e pesam fortemente a favor da rejeição da acusação. No seu requerimento, Manuel Chang diz: “A acusação não pode alegar a complexidade do caso contra Chang justifica a demora [no julgamento], uma vez que foi possível realizar o julgamento de Boustani [o alegado co-conspirador com Manuel Chang] há mais de três anos”.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 23.08.2023