Para esta edição no espaço PENSAR MOÇAMBIQUE à "Integrity" convidou o académico Régio Conrado, Doutorado em Ciências Políticas e Egídio Vaz, licenciado em história e especialista em comunicação. Entre os pontos debatidos estão a situação actual do País, a Tabela Salarial Única (TSU), o terrorismo em Cabo Delgado, Eleições autárquicos e perspectivas para o País nos próximos tempos.
“O País está de volta, uma vez que o pior já passou, com o fim da Covid-19, onde a ansiedade das pessoas era maior, mas as mudanças climáticas são uma grande preocupação, conforme se verificou em 2019 com o Ciclone Idai que devastou a cidade da Beira e outros locais do País, deixando várias famílias de luto e o País em choque”, defendeu Egídio Vaz.
Para Egídio Vaz, o Ministério da Terra e Ambiente (MTA) não está muito empoderado, razão pela qual deve mudar de nome para Ministério do Ambiente e Mudanças Climáticas, uma vez que o Instituto Nacional de Gestão de Risco e Desastres é um simples mecânico, razão pela qual a responsabilidade sobre mudanças climáticas deve ser para um Ministério que não deve só falar, mas sim, buscar investimentos para que haja uma mudança adequada na prevenção das comunidades que vivem em regiões sensíveis e expostas às mudanças climáticas.
Egídio Vaz entende que deve haver uma distribuição orçamental adequada, ou seja, “um orçamento que seja sensível às mudanças climáticas” e que responda adequadamente às emergências climáticas que já provaram que vieram para ficar. De acordo com Vaz, os raptos e mudanças climáticas são os “maiores inimigos” do País neste momento, uma vez que enquanto um destrói e mata, o outro afugenta investimentos numa altura em que Moçambique tem tudo para dar certo!
Sobre a situação do País, o académico Régio Conrado entende que existem questões profundamente complexas que colocam em risco de implosão de vários problemas, uma vez que existem fissuras provocadas por um individualismo excessivo e a expropriação dos pobres pelos ricos, colocando Moçambique numa encruzilhada tenebrosa, uma vez que se verifica “desqualificação social e sentimentos de ódio”. Conrado afirmou que estamos diante de um “Estado semi-falhado, assaltado por gangues e com um nível de infiltração na máquina do Estado de grupos do crime organizado”.
“Isto é um problema sistémico. Uma vez que Moçambique já não é um projecto comum, marcado dirigentes arrogantes, gananciosos, organizados em grupelhos e que usam o sistema de manipulação para defender seus interesses”, argumentou Conrado.
De acordo com Régio Conrado, situações como a corrupção no Tribunal Administrativo revelam que a corrupção conseguiu se instalar exatamente numa “Instituição idónea”, mostrando que o Estado foi capturado e mesmo que haja vontade do Presidente Filipe Nyusi em combater o fenómeno, o facto é que a situação actual acaba demonstrando que o Presidente Nyusi não está em condições de reverter a actual situação.
Segundo Conrado, depois da independência em 1975, “a terra voltou a ser recolonizada e Moçambique precisa de uma segunda descolonização.”
TSU
Relativamente à Tabela Salarial Única (TSU), Egídio Vaz defende que o Governo comunicou mal. “A comunicação inicial feita pelo Dr. Adriano Maleiane foi clara.” Mas houve um acréscimo da mensagem, a promessa de aumento enquanto, o aumento é para alguns. Vaz diz que “houve incompetência do sector de tutela, em gerir a reforma e os problemas que se verificam na prática. As matemáticas foram mal feitas e também se verificou uma interpretação errada da Lei.”
“A TSU nunca foi para aumentar salários, mas sim estabelecer equilíbrios. Acabar com os subsídios e estabilizar os salários. Entretanto, a situação da comunicação era tão péssima que trouxe outros problemas”, rematou Egídio Vaz. Acrescentando, a fonte avançou que houve um interesse do governo em tirar um certo aproveitamento político da reforma.
“Não houve pressão nenhuma, mas sim, matemáticas mal feitas”, disse Egídio Vaz. Entretanto, sobre as consequências políticas devido às falhas registadas no processo de implementação da TSU, Vaz entende que “se estivéssemos num Estado populista muitos é que colocariam o lugar à disposição.”
Sobre o ponto, Régio Conrado diz tratar-se de um problema complexo que requer uma análise técnica e política, que antes da sua implementação deveria ir ao público, uma vez que é uma política pública reformista e que não deveria ser aplicada sem analisar a parte essencial da mesma. Para Conrado, sobre a TSU deve-se responsabilizar quem esteve em frente do processo, uma vez que tudo indica que alguns ministros foram encontrados de surpresa, razão pela qual, a responsabilidade política deve ser para os responsáveis imediatos e não para o Presidente da República porque este não tem a responsabilidade de entrar directamente no processo.
Outrossim, entende Conrado que “estamos num País profundamente anormal, onde temos corpos sociais não devidamente estruturados e que os movimentos sociais não se fazem sentir. Razão pela qual, entende Régio Conrado que “a oposição moçambicana se encontra em condições de morte cerebral, uma vez que a oposição é apenas um conjunto de corpos.”
ELEIÇÕES AUTÁRQUICA -2023 E AVALIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
Num outro desenvolvimento, relativamente às eleições autárquicas que se avizinham, a Frelimo é o único partido que demonstra uma certa idoneidade, uma vez que 25 anos depois, vem tentando articular os interesses das populações locais, devido o modelo de governação seguido pela Frelimo, que é basicamente o “resumo da sociedade moçambicana.”
No entanto, entre os municípios mais bem geridos, Conrado elegeu o Município de Chimoio, gerido por João Ferreira, que na óptica do entrevistado está a fazer uma excelente governação e mais idónea. Na senda, dos municípios devidamente geridos, Conrado atribuiu nota positiva ao município de Boane, que, pois, embora esteja rodeado de grandes municípios, o mesmo regista mudanças sociais objectivas em comparação aos outros edis, como é o caso de Calisto Cossa, que segundo Régio Conrado está a demonstrar falta de idoneidade governativa, desvio de fundos e uma governação desastrosa.
O outro município com uma governação negativa, conforme defende Régio Conrado é o município de Moatize, onde se regista “uma incompetência total”.
Já para Egídio Vaz, os processos eleitorais africanos estão cheios de ingerências, começando pela Lei eleitoral à independência dos órgãos gestores do processo. Segundo Egídio Vaz, “precisamos de chegar a um ponto onde Moçambique não pode pedir o apoio externo para financiar suas próprias eleições.”
Para Vaz, o processo de autarcização é oneroso, facto este que os municípios deveriam ter uma independência económica, entretanto, temos muitos municípios inviáveis e não parece que o quadro venha a mudar tanto. Relativamente, à avaliação que faz segundo os critérios do Desenvolvimento, Mudança e Idoneidade, Egídio Vaz elegeu como os melhores os municípios de Chimoio, Matola e Beira. Para Vaz, Calisto Cossa é um grande dirigente ao avaliar os desafios que o município da Matola tem, ou seja, um município que tem um País como São Tomé e Príncipe, dentro.
Segundo Egídio Vaz, “se Calisto Cossa se estivesse no Chimoio faria a mesma coisa que João Ferreira. Portanto, para Egídio Vaz, os piores municípios do País são os geridos pela Renamo, que na sua óptica são um “autêntico descalabro.”
TERRORISMO EM CABO DELGADO
Em relação ao combate ao terrorismo em Cabo Delgado, Egídio Vaz entende que “o terrorismo está totalmente debelado.” Entretanto, “Moçambique aprendeu bastante trabalhando com outras nações para combater o terror que desde 2017 persistia em Cabo Delgado, tendo ao longo do processo se verificado a evolução conceptual e operacional que permitiu o aniquilamento do inimigo”, este facto que demonstra que “o terrorismo foi derrotado claramente, pois embora haja um certo mal-estar social nos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia e outros.”
Egídio Vaz argumenta que “se o governo tivesse agido devidamente no início, talvez a situação não chegasse ao nível em que estava.” No entanto, Vaz defende que deve haver uma gestão das Forças militares presentes no terreno para evitar actos de subversão militar, o que irá manter Moçambique como um grande exemplo na coabitação de diferentes forças militares num Teatro Operacional.
Relativamente ao sucesso nas operações em Cabo Delgado, o grande arquitecto é o Almirante Joaquim Rivás Mangrasse, que após o ataque à Palma em 2021, mobilizou todos os ramos do Exército para bater duro o inimigo e reconquistar as áreas tomadas pelos terroristas. Analisando sobre Cabo Delgado, o académico Régio Conrado avançou que “a situação em Cabo Delgado melhorou devido a intervenção do Ruanda, que depois de recuperar Mocímboa da Praia, vem mantendo um relativo controlo, pois embora, os problemas estruturais prevaleçam, com a situação das pessoas que saíram da pobreza e caíram na miséria.
Conrado entende que a ADIN ainda não começou a demonstrar qualquer trabalho de reconstrução de Cabo Delgado. Entretanto, Conrado defende que deve se travar a construção de mesquitas como cogumelos, porque caso o grupo terrorista conseguisse tomar Moçambique, todos os países da região cairiam e neste processo de combate ao terrorismo, a melhor decisão foi a de “não aceitarmos a intervenção dos EUA é que foi a coisa mais inteligente que fizemos nos últimos 30 anos, tomando em conta que desde 2001 para cá, o EUA nunca resolveu o problema. Na substância o EUA falhou no combate ao terrorismo, mas é útil do ponto de vista de comunicação externa.”
OS ACTUAIS “INIMIGOS INTERNOS” DE MOÇAMBIQUE
Sobre os grandes inimigos internos de Moçambique, para Régio Conrado, o que se regista actualmente é um descompromisso com País das elites políticas e económicas. O crescimento do antipatriotismo que está patente nas Instituições Públicas, com o aumento de casos de corrupção, uma situação que deixa o próprio Presidente da República, Filipe Nyusi, sem mecanismos para actuar, uma vez que é um cancro que se espalha por toda a elite política e económica do País.
Segundo Conrado “não há um projecto nacional de Moçambique, ou seja, o País está a caminhar sem bussola.” Para Egídio Vaz, um dos problemas mais gritantes do País cinge-se com o sector de educação, que na óptica do especialista em Comunicação, “precisamos de uma ambulância para o sector da educação, por este estar em coma induzida profunda.” Vaz diz que é imperioso começar do zero, na elaboração dos livros, nos exames nacionais, nas reprovações em massa e na formação de professores.
De acordo com Egídio Vaz, o que está a acontecer no MINEDH é um acto de subversão dos valores do Estado, ou seja, estão a atacar a parte mais sensível da nossa soberania, a educação dos nossos filhos, razão pela qual, deve-se desmantelar o quartel enquanto é cedo, porque senão fazer-se já, as consequências já serão drásticas, mas para tal, é necessário que livro passe a ser produzido localmente e por consultores moçambicanos e devidamente monitorados pelo Estado!
N.B: Entrevista publicada na 3ª edição da Revista Integrity Magazine, no mês de Julho!
– Reflexões sobre Moçambique nas perspectivas do especialista em comunicação, Egídio Vaz e o Cientista Político e Jurista, Régio Conrado.
Por: Omardine Omar