Por Edwin Hounnou
Quando se esperava que o Governo fosse um pouco mais lúcido no diferendo que o separa da Associação Médica de Moçambique, AMM, o público é surpreendido com declarações espalhafatosas do Governo que constituem um delírio colectivo. O que é um delírio? - O delírio é um estado de alteração mental que faz com que um indivíduo apresente uma visão distorcida da realidade, sendo que isso pode ser demonstrado de diferentes formas, por meio de uma confusão mental, de uma redução da consciência e até mesmo de alucinações, segundo a definição da Wikipédia.
O nosso país parece uma aeronave em pleno voo e quando os passageiros se apercebem que a tripulação está em delírio, o pânico toma conta dos passageiros que pode levar a queda da aeronave. É bom que que os moçambicanos se apercebam do caos em que o país foi jogado antes que seja demasiado tarde. Se Moçambique fosse uma empresa, há muito que teria fechado as portas.
O Governo está a perder ou já perdeu a noção de distinguir quando está a agir bem de quando está a atropelar o mais básico. O Governo não só está a jogar para a caixa de lixo as exigências legítimas da classe médica, mas também a derrubar o sistema de saúde dos moçambicanos de renda baixa, dos que não têm possibilidade de se socorrerem de fundos públicos para se tratarem em clínicas privadas lá fora, para onde, regularmente, se dirigem os governantes e a nova burguesia ligada ao partido no poder. O partido no poder é a maternidade onde são paridos os novos endinheirados de Moçambique devido às facilidades proporcionadas, em exclusivo, aos seus membros.
A passo que o Governo anda - sem nenhum compromisso nem preocupação e muito menos vocação para bem servir -, o povo ainda vai ter que sofrer ainda pior. O povo está abandonado à sua sorte porque os médicos estão descontentes e os graúdos estão-se nas tintas. Quando eles - gente do governo - ficam doentes vão para fora à procura de cuidados médicos subvencionados por fundos públicos. O povo não tem onde cair morto e está, descontente como o seu destino está sendo conduzido e o Governo remete-se, apenas, a fugir para frente.
Os problemas do povo só poderão ser resolvidos com a gente comprometida com os anseios da maioria e não com gente pirata que trabalha para o seu bolso. O comprometimento com a causa da maioria em nada se compara a um convite a uma festa ou a um jantar. A passos largos caminhamos para o caos. Se hoje nada for feito para corrigir o actual cenário, amanhã poderá ser tarde.
A postura do nosso Governo assemelha-se a de gente recrutada, às presas, nas esquinas deste martirizado país para integrar a administração. Quando a situação for incontrolável, ninguém vai dizer que a culpa seja dos médicos nem de outro profissional da saúde. Todos apontaremos o dedo acusador ao Governo que mais sabe ameaçar com expulsões, marcar falta aos grevistas, punições do que em resolver os problemas que apoquentam a sociedade.
A culpa é do Governo quando nos hospitais e centros de saúde faltam medicamentos, reagentes, álcool, compressas é outras coisas mais básicos que obstruem o normal funcionamento do sistema nacional de saúde. Não há nem haverá mais ninguém com quem partilhar as culpas que, no pre sente momento, nos apoquentam. A expulsão dos 80 médicos representa um erro histórico imperdoável.
Não duvidamos de que o Governo seja o responsável pela condução da administração pública, porém, aconselhamos ao povo para se opor ao caos. Não pretendemos ensinar seja a quem for que o Governo seja o Estado moçambicano. O gestor de uma empresa, de um supermercado ou mesmo de uma cantina não é o dono da empresa, supermercado ou da cantina. É um de palmatória o Governo assumir-se como sendo o Estado moçambicano. O Governo não é o Estado. O Governo é o gestor da coisa pública. São coisas que se aprendem na pré-primária e nós não temos a pretensão de ensinar o Pai-Nosso ao vigário.
Concordamos quando alguém disse que, enquanto os governantes e outros importantes decisórios não forem utentes dos hospitais e centros de saúde, a actual situação não vai melhorar. Eles não sabem quanto o povo sofre. Não fazem a mínima ideia de que as mães para serem assistidas dignidade no momento de partos, têm que levar, na ponta da capulana ou na pasta, dinheiro, para "massagear" a parteira.
O Governo e as elites do partido no poder não sabem disso porque eles se dirigem ao exterior para palitarem os dentes ou para se tratarem de uma gripe. Foi com pena que assistimos governantes a recomendarem que os médicos que não comparecerem ao serviço sejam marcadas faltas e o consequente desconto na folha salarial. Isso revela ausência de noção de administração e excesso de arrogância.
O Presidente da República ordenou que os salários das Forças de Defesa e Segurança, FDS, fossem disponibilizados em menos de 48 horas, após ter recebido uma carta. Filipe Nyusi ameaçou com duras sanções e avisou que não queria desculpas. Porquê essa dualidade de tratamento? As FDS têm armas, logo o tratamento é outro, a sua voz ecoa no Palácio da Ponta Vermelha. Enquanto os demais funcionários, como médicos, enfermeiros e professores não contam. Filipe Nyusi recomenda-os, na melhor hipótese, para irem beber água, e no pior cenário, correm o risco de serem pisados pela polícia, inalarem gás lacrimogêneo ou expulsos da Função Pública. O povo precisa, também, de empunhar armas para ser tratado com dignidade?
O Governo está desprovido de ideias novas. Já não tem a capacidade de dialogar. Já não parece aquele Nyusi que foi subir a montanha da Gorongosa, contra a corrente dos seus camaradas, para conversar com o líder da Renamo para pôr termo a guerra. Por onda anda o Nyusi aparentemente aberto ao diálogo? - Ficou apenas um corta-fitas. Um arrogante. Virou um homem que passa o tempo todo a passear de um lado para outro.
Ouvimos a denúncia de que há "ordens superiores" para abaterem o Presidente, o Vice-presidente e o Secretario-Geral da AMM. Se esta informação for verdadeira, significa que já atingimos o fim da linha.
VISÃO ABERTA – 22.08.2023