Macomia, 28 de Junho de 2023. A manhã já está ensolarada, com nuvens dispersas no horizonte. JS (sigla de nome fictício), um médico formado na Faculdade de Medicina da UEM (Universidade Eduardo Mondlane), contorce-se de febre no seu beliche encrustado num canto da camarata reservada ao pessoal médico que serve o Comando do Teatro Operacional Norte (TON), que luta contra o terrorismo em Cabo Delgado.
Na tarde anterior, um teste de malária foi-lhe administrado coercivamente por ordens de Francisco Maurício Assane, Brigadeiro do exército (Forças Armadas de Defesa de Moçambique). O teste deu negativo. “Só pode ser um falso negativo”, conjecturou o médico para seus botões, em surdina.
No meio daquela manhã, já sem o orvalho que borbulhava sobre as folhas da madrugada, no meio das dores e entre um piscar de olhos, ele vislumbrou cinco militares no seu encalço, sisudos, de boca hirta. Arrastaram-no sem conversa para o pátio central do quartel de Macomia.
Cá fora, dezenas de militares enfileirados assistem à cena. JS tenta soltar-se, espreguiça-se em vão. Num lugar central da improvisada formatura, com palanque montado para o generalato do exército governamental, JS é estendido de barriga sobre a areia.
Quatro soldados grandalhões (contraste com o protótipo físico da tropa moçambicana) seguram-nos pelas extremidades dos membros, impedindo-o movimentos.
No chão frio de Junho em Macomia, JS inicia uma longa viagem por entre os carreiros espinhosos da dor, suas nádegas estremecendo aos solavancos. Pah! Pah! Pah!....Do palanque soltam-se gargalhadas. Uma voz de homem inicia a numeração aritmética das chambocadas, dos cassetetes penetrando abundantemente nas nádegas do médico.
Pah! Pahhhaaaa! JS geme, grita, chora!
Pahhhaaaaaa!
Ele suplica, grita, mas todos fazem ouvidos de mercador. Lá no longe, um tiro é disparado solitariamente. Aqui, à sua volta, ele sente a presença em plateia de todo o quartel chamado para assistir a um médico sendo chamboqueado em pleno Teatro Operacional Norte, não sob as ordens de Bonomade Machude Omar, o líder dos terroristas, mas por um Brigadeiro das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.