Dialogando
Por: João Craveirinha
E-mail: [email protected]
AMICUS PLATO, SED MAGIS AMICA VERITAS
(Estimo Platão, mas estimo ainda mais a verdade)
Desde o lançamento do livro de Barnabé Lucas Ncomo em 2004 que o cronista desta coluna tem recebido inúmeras mensagens a pedirem um comentário. Insistência essa, por saberem da presença de João Craveirinha em alguns desses últimos momentos históricos de 1967 a 1976, com um intervalo de Junho 1972 a Julho 1974, em Zâmbia, Tanzânia e Quénia, referidos no livro.
É quebrado o silêncio. Mas, escrever sobre o livro é uma tarefa um pouco ingrata por conhecer de relance o Barnabé Ncomo que tem o mérito de ter colocado a “descoberto” um período conturbado da Luta de Libertação Moçambicana, ainda que numa embrulhada de elementos. No entanto, os meus temores se concretizaram –, do livro se ter transformado num panfleto contra a essência da própria Independência em si mesma, por todos aqueles que até hoje estão contra a legitimidade de ter sido conduzida pela FRELIMO (não a herdeira no Poder), mas a Frente de Libertação de Moçambique.
Conjecturar hoje que haveria outra via é extemporâneo.
O colonialismo Português era reticente a qualquer tipo de Independência e ainda hoje tem os seus herdeiros em Moçambique, em Portugal e na diáspora Portuguesa.
Evidentemente que um dia quando se escrever sobre a via político – militar do Comandante FILIPE MAGAIA, talvez aí, sim, o processo tivesse sido outro e mais regiões Moçambicanas teriam sido atingidas pela guerrilha.
Todos os processos políticos da História das Nações tem os seus lados obscuros e violentos. Lamentavelmente é assim. Caso o Reverendo Uria Timóteo Simango, tivesse obtido o Poder, a situação seria igual, com outra face somente. A moeda é sempre a mesma.
Mas sem dúvida, Uria Simango, foi um Nacionalista Africano que regou com o seu sangue de Mártir a Independência Moçambicana e há que honrar esse legado sem o desvirtuar com os falsos defensores, de HOJE, da Liberdade do negro – africano. Nessa época, essas vozes pró Uria Simango de hoje, se o encontrassem na guerrilha anti-colonial (“o terrorista” Uria Simango), tê-lo-iam fuzilado depois de o torturar pois a convicção Nacionalista era muita em Uria Simango. Não cederia ao colonialismo Português. Uria Simango, protestante envangélico, provinha da escola do Nacionalismo Negro Rodesiano (Zimbabué) e Sul-Africano do “BLACK MAJORITY RULE” (governo da maioria negra). Raízes profundas de Uria Simango no anti-apartheid da Rodésia e da África do Sul. Apartheid que os imigrantes Portugueses nesses Países e os de Moçambique, na sua maioria, pactuaram e apoiaram. O “moto” – slogan “ Juntos Venceremos” era o da santa aliança entre o Portugal colonial (Angola e Moçambique) e a Rodésia e África do Sul (bóer -africaner). As respectivas 3 bandeiras entrelaçadas (1957 / 1974), simbolicamente, e o projecto da Hidroeléctrica de “Cabora” Bassa, faziam parte dessa
aliança, para a Hegemonia Branca na África Austral. (Cahora).
Esses, hoje, são os que mais choram lágrimas de crocodilo com o livro de Barnabé Ncomo.
O cronista desta coluna, para escrever estas linhas, teve de ter o distanciamento necessário psicológico, não misturando os factos das suas vivências magoadas na própria FRELIMO, no cativeiro, na sua tortura psicológica e física, “ouvindo e sentindo solidariamente” também, a tortura em grupo dos outros. Em particular a do Rev. Uria Simango, próximo do cronista desta coluna, nesses momentos, em Nachingueia, 1975. Em 1976, o martírio continuaria em Mitelela ex- Nova Viseu.
(CONTINUA na próxima segunda-feira 28 e termina na terça-feira 29 Março)
O AUTARCA – 23.03.2005
Dialogando
Por: João Craveirinha
E-mail: [email protected]
CRÍTICA LITERÁRIA ● CRÍTICA LITERÁRIA
EXÓRDIO(2)
Foi – nos possível “consultar”, o livro de Barnabé Ncomo, citado em epígrafe, 1ª edição, graças ao empréstimo do mecunha “malantro”, Fernando Gil do “saite” Macua. Livro – oferta, autografado pelo autor B. Ncomo, dedicado a F. Gil, português natural de Nampula (ilha).
Grosso modo e infelizmente, o livro, não tem um estilo definido de narrativa literária. De amiúde, envereda por um tipo de escrita Histórica mais credível e contraditoriamente noutros casos, sem enquadramento sintagmático, cita fontes duvidosas por partirem de opositores à Independência dos “Pretos” – espinha atravessada na garganta de muitos pró-coloniais, saudosistas do Império perdido. Presume-se que a intenção de B. Ncomo não seja essa. Talvez, a falta de distanciamento “étnico-cultural” e de perspectiva Histórica, lhe tenham impedido separar o milho do capim. Todavia, esse aspecto não lhe retira o mérito de pioneirismo, nesta senda pelo levantar do “véu”, de um determinado período da nossa História “apócrifa” ou maldita. As fontes devem se cruzar para avaliação e contextualidade.
APROFUNDAMENTO : Etno-História Moçambicana
A falta do ensino da etno – História nas Universidades Moçambicanas é uma falha gritante que pode criar confusão na actualidade em relação ao inter relacionamento e consanguinidade étnica no passado. O próprio Reverendo URIA SIMANGO tem avoengas (avós) Rongas iMpfumos vindas do SUL. A Mãe era uma iMpfumo por ser TIVANE – em linhagem directa NHONDZOMA do Rei inLharuti iMpfumo (inHLARUTI). “Regressado” da Suazilândia no século XVII / XVIII (1600 / 1700) da região de Psatine (inHlati inkulo), fixa-se com seus filhos – iMpfumo “iMpfumo”, Polana, Massinga e TIVANE (uá in’Tiwane). Após a morte do pai, guerras inter – clânicas provocariam uma diáspora entre os príncipes – irmãos. iMpfumo sai vencedor e fixa-se na Matola (dos iMpfumos maTsolo mais tarde). Uá iMpfumo, governaria toda a região da actual caMpfumo / cidade Maputo, limitando com a caTEMBE, moAMBA, maHOTA e maRRACUENE. Massinga migra com seu clã para Inhambane. Polana fixa-se exactamente onde está o Hotel com o seu nome, numa área da Escola Comercial, Ponta Vermelha – Sommerschield / campo de Golfe à Costa do Sol. TIVANE uáMpfumo migra para Gaza. Muitos grupos da região a partir de 1820 seriam integrados no exército inGuni (dos grandes), com a “invasão” de Sochangana – descendente dos Tembes. Entra por maPutso (o verdadeiro), vindo de Pongola (Zulolândia). Seus antepassados teriam saído em 1500, da Ponta Malongano – êMalanguene (caTembe), se fixando na cordilheira dos Libombos. Os TIVANES assim como muitos outros seriam absorvidos e integrados nos regimentos inGunis, do futuro Imperador de Gaza (Sochangana). São levados para Manica e Sofala, em particular entre Mussapa ao Buzi. Não é por acaso que os chefes ou tinDuna de maior confiança de Gungunhana eram os velhos muTAZABANO e SIMANGO já inDaos. Uma das suas tarefas, era a de controlar maGuiguana de maCôssine, antigo submetido – cozinheiro e criado de seu pai umuZila. Os primeiros “maChangana” foram os vaNdao submetidos a Sochangana (Soh – CHANGANA). Muitos anos depois (c. Abril 1889), Gungunhana, o neto, retira-se de Mossurize (e de Udengo onde está o túmulo do Pai). INVADE O SUL DO SAVE com cerca de 100 mil vaNdao, famílias, guerreiros do tempo do pai e gado, com apoio dos portugueses. Massacrariam pelo caminho os pacíficos agricultores e artistas vaLengue (chopes), rumo ao “khokholo” de Mandjacaze (Mand – lha; inKazi), derrotando Binguane Mondlane (Mond-lhane). A origem do nome inDao teria a ver segundo a tradição oral, com a chegada dos novos conquistadores inGunis fugidos de Tchaca Zulo, em 1818 / 20. Um deles, Zuan-guen-daba, ao chegar a uma povoação Shona em Manica, teria dito espetando uma lança no chão : …”iNDAO la mina”…é minha terra…outra tradição diz que iNxaba – inQaba, também fugido de Tchaca, recebido pelas mulheres de uma povoação Shona, de joelhos, batendo palmas, o teriam saudado: …”iNDAO-ú-ê Baba”…seja bem-vindo Pai…
As invasões inGunis na primeira vintena do século XIX, reforçariam o processo de mestiçagem inter étnica. Não nos esqueçamos que os Muchangas (muHLANGA), Mandjazes (Mandlaze), Djalalas(Dlalala), Djacamas (Dlakhama), inGonhamos (inGonyamo), Machavas, Guenhas, Ncomos, Mugabes e muitos outros, hoje assumindo-se como iNDAO / shona, terão a sua origem entre os inGunis ou Zulos a SUL. Um dos chefes de Tchaca Zulo era muHLANGA (Muchanga). Mais tarde se fixariam na região Shona, em Mussapa, nos princípios do século XIX. Em Harare encontram-se iMpfumos (hoje aculturados de shonas). A guerra da RENAMO contra a FRELIMO, finalizaria essa mestiçagem étnica, FORÇADA, em Moçambique. (Conclui na próxima Crónica).
CORREIO DA MANHÃ(Maputo) - 28.03.2005
João Craveirinha
email: [email protected]
CONCLUSÃO – Duas Fontes não paradigmáticas
Em relação ao livro de Barnabé Ncomo e sem pretender fazermos um juízo que possa ser mal interpretado deixaríamos no entanto reparos sobre duas das fontes apesar do merecido mérito de “relatos” da época, pecando no entanto, pela intenção óbvia subjacente: Tratam-se das referências à participação do intitulado grupo Português dos DEMOCRATAS de Moçambique, citado na página 209 do Livro Moçambique – Sete de Setembro – Memórias da Revolução, escrito em Dezembro de 1976, no Rio de Janeiro – Brasil, por Clotilde Mesquitela. A autora, esposa do deputado Gonçalo Mesquitela da A.N. (de Oliveira Salazar) é Mãe dos irmãos Mesquitelas, fundadores em 1974, de uma organização para-militar portuguesa, ultra nacionalista e colonial –, Dragões da Morte. Segundo seu Boletim Informativo nº 1 esta “organização clandestina” no preâmbulo, 1º, visava -…”pôr termo às conversações com a FRELIMO, nem que tenhamos que começar a fazer TERROSISMO URBANO, para fazer calar os inconscientes que dão vivas à FRELIMO.”…Este grupo “dizia” ter …”20. 500 homens armados de todas as raças e credos espalhados por todo o Moçambique”…in Moçambique 7 de Setembro, página 246, Mesquitela, Clotilde.
O referido livro, faz uma referência incorrecta (entre outras), mencionando na página 104, linha 5 e 6, imputando ao cronista desta coluna, actos nunca praticados pelo mesmo. Refere-se a eventos pouco antes da ocupação da RCM – Rádio Clube de Moçambique que passamos a citar: - …”Recebemos a indicação de que Stélio e Zito Craveirinha e Isaías Tembe, agitadores da Frelimo, andam a distribuir G-3 no «caniço». E, em consequência disso, já tinham dado entrada na morgue do Hospital Miguel Bombarda três corpos de negros. Ao obtermos a confirmação do Hospital, soubemos mais, através de um enfermeiro que, perfeitamente desorientado, nos disse: «Entraram três mortos, mas dois não passavam de brancos com a cabeça rapada e pintados de preto». Identificados um pouco depois, viemos a saber serem de dois universitários que se tinham infiltrado, para tentar provocações, na intenção de levantar a zona do «caniço» contra a população branca, e que os próprios pretos tinham liquidado!”…e mais adiante: …”As buzinas não paravam, o hino era cantado com a mesma fé e desejo de um Moçambique Livre e Português”… Na altura destes eventos o cronista desta coluna aguardava “julgamento” em Tanzânia na FRELIMO. E só teria havido uma G-3 nas mãos do Isaías (dos pesos e halteres). Nem a sabia manejá-la devidamente. Tinha “capturado” a um elemento anti – Frelimo madeirense de um grupo vindo da África do SUL (?!), que se havia introduzido na Mafalala – “ 1ª zona libertada” de LM. Mas isso é outro assunto. Era este cenário que Uria Simango iria encontrar em Lourenço Marques e ingenuamente acreditaria poder fazer “manobras de pressão” à FRELIMO numa partilha de Poder com elementos portugueses anti – Independência. À partida tudo se conjugaria para um fracasso político do COREMO a que aderira. Os portugueses coloniais não estavam interessados em o apoiar rumo a uma Independência mas utilizando-o a um estilo UDI – Independência unilateral à Ian Smith da Rodésia (na altura), mas vinculados a Portugal. Uria Simango ao se aperceber do beco sem saída em que se envolvera recua para Malauí(Malawi), onde o inguaze – Presidente Hasting Kamuzu Banda sela seu destino entregando-o à Frelimo.
Outro “pequeno” reparo ao livro de Ncomo é o da incorrecção da importância havida no papel do dito grupo de DEMOCRATAS Portugueses (MDM), nas conversações com o MFA versus FRELIMO, conducentes à Independência. In página 288 nota 431em rodapé. O processo inicial directo de contactos com o MFA e a FRELIMO, foi efectuado pelo grupo dos antigos presos políticos da FRELIMO tendo por porta-voz o Poeta José Craveirinha. Não é somente por ser um Poeta de renome que se encontra no Panteão dos Heróis mas este detalhe terá pesado muito. O Marechal Costa Gomes e o MFA não tinham autoridade política sobre José Craveirinha e seus camaradas da FRELIMO, antigos companheiros de prisão.
À posterior surgiria o “Movimento dos Democratas de Moçambique”, mas de Portugueses, a que Mário da Graça Fernandes fez parte. Aliás, Mário da Graça Machungo (Mahlungo?). Um dia contamos o resto.
Ao que nos levou o livro – URIA SIMANGO – Um homem, uma causa. Em boa hora, graças ao empenho e pesquisa de Barnabé Ncomo. Só quem trabalha se expõe. Que estas linhas sejam um pequeno contributo e estímulo para mais trabalhos seus neste campo difícil e “perigoso” da investigação da História recente, numa busca incessante de aperfeiçoamento do rigor da verdade. Um muito obrigado pelo privilégio de termos relido este livro polémico, mas necessário aos estudiosos e ao cidadão Moçambicano “cego” e carente de suas Raízes e Identidade. (in Jornal O AUTARCA da Beira) – FIM. 29.03.2005
In http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/03/uria_simango_um_2.html
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