Por Edwin Hounnou
A paz que o povo quer não se resume, apenas, no silêncio das armas, nem nos acalorados abraços dos políticos nem se confina nos papéis assinados sob o olhar de mirones chegados de terras distantes.
O povo quer a paz que lhe permite ver o nascer e o pôr do sol sem perturbações, sem ter que fugir para se escapar das balas ou ter medo de accionar minas plantadas nas estradas, caminhos ou nas suas machambas. Quer paz para trabalhar nas suas machambas, os seus meninos irem à escola aprender o abc da vida, jogar a bola e o polícia-ladrão.
O povo quer a paz para as crianças contarem as estrelas do céu e admiraram o brilho da lua enquanto ouvem, à volta da lareira estonteantes e mirabolantes estórias antigas contadas pelos mais velhos. Uma paz fruto da justiça política, social e económica que nos escorrega entre as mãos e incertezas do futuro. A paz para sonhar, crescer e brincar. Para andarmos pelas nossas estradas sem barreiras nem fronteiras que nos dividem, humilham e nos envergonham.
Essa paz que o povo quer não é produto de acordos. Ela resulta da civilização e no entendimento de que todos nós somos cidadãos do mesmo país e nação. Somos cobertos pela mesma bandeira e entre nós não existem castas nem grupos privilegiados por qualquer motivo, seja étnico, pertença política, rácica, crença religiosa ou local de proveniência. A pertença a um partido político não deve conferir benefícios especiais ou que seja a razão para ser desprezado ou discriminado.
A paz que o povo deseja chama-se ensino de qualidade, saúde de qualidade e estradas de qualidade e praticáveis em toda a extensão do território. Um povo que estuda em escolas precárias e encurvadas ao chão, não pode estar em paz nem pode ser livre. Um país com hospitais desprovidos de fármacos e sem material médico-cirúrgico essencial para curar as enfermidades, não pode ser livre nem pode ter paz. O povo precisa sentir-se dono país e não um eterno forasteiro. O povo não pode assistir a caravana a passar.
A paz que vivemos está ameaçada. Está doente. A sua cura não passa só pelo bafo do processo do DDR (Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração) dos ex-guerrilheiros da Renamo. Precisa de muito mais que duas chapas de zinco, um kit de sementes, enxada, catana e um machado para iniciar uma "nova vida" de camponês.
A mudança de mentalidade é fundamental. A igualdade de oportunidades nos domínios politico, económico e social é decisiva para acalmar a alma e sentimento de exclusão.
Nenhuma sociedade pode ser construída assente na injustiça, na discriminação, perseguição política, étnica ou racial.
Uma sociedade feita com base em pressupostos injustos é um edifício feito na areia e na direcção dos ventos. É claro que não vai suportar os abalos sísmicos nem aos ventos fortes que soprarem. Vai desabar e cairá. Estamos a edificar a paz há 48 anos e ela não resiste às intempéries políticas por estar erguida sobre alicerces de exclusão. A injustiça é uma pandemia que apoquenta a sociedade.
Não há nenhum feiticeiro de fora quem vem ateando fogo à nossa paz. O feiticeiro está entre nós. O feitiço que nos trama consiste na maneira não transparente como se gere a coisa pública. Como os processos eleitorais são conduzidos produzem confusões.
O STAE (Secretariado Técnico de Administração Eleitoral) e a CNE (Comissão Nacional de Eleições) são uma fonte permanente de problemas que "lixam" o país ao ponto de tornar as eleições um barril de pólvora que explode e destroça o país, todas as vezes.
No mundo democrático, uma eleição é momento que o cidadão castiga ou recompensa ao governo por feito coisas boas ou por não ter nada ou pouco. Entre nós, uma eleição é tempo para o chico-esperto assaltar o poder. Os valores democráticos estão invertidos. O povo não decide nada. Quem decide são os órgãos eleitorais e a polícia. São eleições para o povo encher a vista. São para tornar legais as trapaças, os enchimentos, as burlas através da violência policial, é especialista em amedrontar e bater em opositores do regime.
As nossas eleições são uma farsa para se parecer democrático e, em consequência desse malabarismo, receber aplausos e apoios do Ocidente, sedento dos nossos recursos. O Ocidente quer o feiticeiro conhecido, capaz de lhe assegurar o livre fluxo do nosso gás, das nossas madeiras, areias pesadas, tantalite, rubis, ouro, grafite, etc.
As nossas eleições não servem para nada. As eleições de 11 de Outubro demonstrarão o quanto andamos longe dos padrões aceitáveis de uma democracia para servir o povo.
A exibição de violência que se viu, no dia 20 de Agosto, na Praça do Município da Beira, serve de antecâmara dos momentos difíceis que o povo vai viver um pouco por todos municípios, com grande ênfase na Cidade da Beira. Já lançaram o aviso de que há pessoas predispostas a dar a vida para recuperar a Beira. Foi dado o sinal de que as coisas não serão nada fáceis.
Os que se pretendem que sejam tomados como heróis da pátria por terem recuperado a Beira, para se predispõem a dar as suas vidas por motivos mais nobres da nação moçambicana como a inclusão, alternância, fim da corrupção que os beirenses não aceitarão deixar a Beira por meia cantiga mal cantada.
Desafiamos ao Presidente da República, seja ele quem for, agora é Filipe Nyusi, para iniciar a separação de poderes porque a democracia tem que começar com a redução dos poderes investidos na pessoa do chefe de estado que nomeia e destitui todos os demais membros dos poderes da Justiça e Legislativo. Isso é mau para a democracia.
Não haverá democracia nem paz enquanto o Presidente da República se confundir com Luís XIV, rei da Franca, com excesso de poderes.
A Frelimo tem que deixar de ser um partido dominante do Estado e da sociedade. A fronteira que separa a Frelimo do Estado é nula. A Frelimo é Estado. O Estado é a Frelimo. Até eles canta a bom som que quem não é da Frelimo, o problema é dele. É verdade que o problema é mesmo dele, acrescentamos nós. A discriminação por não ser da Frelimo continua a vingar nas instituições publicas. É um insulto ao povo.
VISÃO ABERTA – 19.09.2023