Por Edwin Hounnou
Agora estão a acontecer, no nosso xadrez político, coisas nunca antes vistas, desde que o país começou a viver a democracia multipardária que teve o início em 1998. Nunca se tinha visto, por exemplo, dirigentes de outros partidos a juraram, de pés juntos, que vao arrancar um município e caso seja necessário dariam a sua vida para que a vontade de seus partidos seja cumprida. Desta vez, vimos com os nossos olhos e e ouvimos com os nossos ouvidos que, um dia, a terra vai comer. Isso nos deixa deveras preocupados e nos leva a concluir de que algo de muito grave vai acontecer.
Em nenhum outro momento, os órgãos eleitorais rejeitaram, de forma deliberada, o registo de eleitores por estes se situarem em municípios governados por "outros" que sejam considerados "inimigos e antipatriotas". Desta vez, isso aconteceu e todos foram testemunhas impassíveis.
Os autores desses actos macabros não foram chamados à razão nem sequer sancionados. Eles continuam impunes e ilesos como se nada de anormal tivesse feito ou mandado fazer de ilegal e criminoso. Ninguém sentiu arrepio nem nojo. O Ministério Público, o guardião da lei, fez de conta que nada viu nem ouviu.
Os órgãos eleitorais - CNE (Comissão Nacional de Eleições) e STAE (Secretariado Técnico de Administração Eleitoral) - que têm por obrigação legal de conduzir os processos eleitorais com transparência e equidade não dizem nada. Isso acontece devido à composição partidária desses órgãos, preenchidos, proporcionalmente, por partidários. Cada um dos membros destes órgãos luta para fazer valer os interesses do seu partido em detrimento dos do povo. Mesmo a presença de uma alta figura da igreja - um bispo - na CNE não garante o equilíbrio nem a transparência nem a equidade.
Não houve uma única palavra de condenação ou de repúdio quando surgem declarações de derramamento de sangue pela conquista da Beira. Ninguém apareceu a dizer que as eleições são momento de festa e não para derramar sangue. Não vimos uma palavra de condenação quando milhares de cidadãos ficaram privados do registo eleitoral, feito por indivíduos arregimentados ao partido no poder. Está a decorrer, neste momento, uma ferrenha campanha de recolha de cartões de eleitor nos municípios suspeitos de simpatias com a oposição e os órgãos eleitorais estão impávidos e serenos enquanto milhares de eleitores vão ficando sem seus cartões.
Ninguém, até agora, fez uma veemente denúncia contra este crime que adultera a vontade do povo. Todos estão em silêncio a julgar que seja um problema que diz respeito aos partidos políticos e não visa perturbar todo o processo eleitoral. Impedir, criminalmente, que os potenciais eleitores não sejam registados não é um problema que perturba o processo?
Recolher cartões de eleitores em troca de dinheiro, para que não possam votar, não é crime? Se sim, porquê a CNE e o STAE não se posicionam contra isso? Se ficam calados é por consentirem que isso seja algo normal.
Ameaçar a paz não é, somente, andar a dizer que "não admitir que a Frelimo use a polícia contra os nossos militantes", como diz o presidente da Renamo, Ossufo Momade, ou ainda "quem diz que entregamos todas as armas?". Existem mil e uma maneiras de pôr em causa a paz. Excluir do registo eleitoral é pôr em causa a paz.
Recolher cartões de eleitores para eleitores não possam votar é, também, pôr em causa a paz. Querer ficar com todos os municípios através de violência, enchimento de urnas com votos falsos é colocar a paz em plano inclinado. O comer sozinho, desde a independência, quer dizer, quem ganha uma eleição fica com tudo e quem perde, perde tudo, é colocar em causa a paz e a estabilidade.
A intolerância - não aceitar o outro por pensar diferente e a exclusão socioeconómica por pertencer a uma formação política diferente - é a forma suprema de pôr em causa a paz. A paz é a estabilidade não estão apenas em perigo quando homens armados reivindicam com as armas em punho. As atitudes que visam reduzir o outro é pôr a paz.
O país pertence a todos os moçambicanos independentemente da sua cor, origem étnica, filiação partidária, crença religiosa ou não, estrato social, todos são do mesmo país e devem gozar dos mesmos direitos e das mesmas oportunidades.
Moçambique não conhece uma paz efectiva por as autoridades não seguirem os princípios básicos de convivência. A paz constrói-se com actos e não através de decretos ou acordos.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 27.09.2023