Eles chegaram pobres do exílio e do norte. Começaram por roer o cofre, a fortuna que os colonos portugueses deixaram.
Roeram aquilo a que chamavam lojas do povo, roeram as peixarias do povo, os supermercados do povo.
Os ratos roeram tudo.
Roeram as cooperativas de consumo, as barbearias do povo.
Roeram as antigas empresas estatizadas.
Roeram as fábricas de calçados nacionais, roeram as fábricas de bebidas ou refrigerantes nacionais.
Roeram às moageiras.
Roeram as padarias do povo.
Os ratos nacionais de colarinho e luvas brancas roeram as lojas interfrancas, roeram o grosso do património nacional que diziam ser do povo.
Roeram o grosso do parque industrial intervencionado pelo Estado, depois da independência.
Roeram o que de melhor havia: fábricas de curtumes, as empresas avícolas.
Roeram empresas ferro-portuárias.
Os ratos nacionais vestidos de cordeiros não têm dó nem piedade. Roeram o país até ao osso, mostram a nossa face de ruína, em 1996. Como se não bastasse, apresentaram a factura de seis mil milhões de dólares, não de lucro em favor do Estado, mas de dívida externa, metade da qual a favor da dívida aos países do ocidente e instituições financeiras (FMI e Banco Mundial), outra metade à antiga união soviética, pela obra da guerra civil que nos ofereceram.
Os ratos afogaram o país na pobreza e dizem que os cidadãos lhes devem pela empreitada com que nos roem e ao país. Mas os mesmos ratos que roeram e roem tudo não pararam com a odisseia, com as suas investidas roeram a banca (BCM e Banco Austral), não para pagar a dívida externa, mas para acrescerem o lucro e a riqueza, pois se julgam eleitos e legíveis para roeram tudo que se lhes depara à frente, pela participação na luta anti-colonial.
Mas os ratos não se satisfazendo nunca, com gula que lhe precipita, vão buscar o dinheiro às algumas empresas estatais convertidas em públicas.
Os nossos gloriosos ratos nacionais o que têm é o apetite. Têm estômagos e bolsos sem fundos.
Roeram as indústrias têxteis e de malha.
Roeram as fábricas de confecções de vestuários.
Roeram as fábricas de lacticínios, onde se produzia o presunto e o queijo. Roeram as empresas que produziam o chá, roeram as sociedades produtoras de copra, margarina, roeram os palmares da Zambézia.
Os nossos ratos vestidos de fatos de heróis e apóstolos do combate à pobreza trouxeram a caricatura do que somos como país: cinquenta e quatro por centos dos vinte milhões de moçambicanos na pobreza. Do índice de pobreza de quinze por cento em 1980, os nossos ratos impulsionaram a utopia da revolução que nos levou à indigência.
Ainda assim os nossos ratos espalham a mentira de que hoje a nossa vida é melhor. Mesmo com o facto de estarmos entre os cinco países mais pobres do mundo, os ratos papagueiam que levamos uma vida melhor de todos os tempos. Os nossos ratos roeram uma das mais prósperas companhias de aviação estatizadas, a TTA, na sua insaciez.
Roeram as empresas algodoeiras e de condutores eléctricos. Tornaram-se patrões de tudo o que açambarcaram ao Estado, na sua conversa fiada de patriotismo e nacionalismo. Roeram as antigas empresas estatizadas de transportes terrestres e o respectivo património, enquanto papagueavam o socialismo enquanto se auto-proclamavam contra o capitalismo e a burguesia. Roeram e roem tudo. Roeram as empresas de madeiras para fundarem as suas, roeram as empresas de caju para fazer de seus edifícios armazéns. Roeram as empresas dos correios e telecomunicações. Roeram as agências de despacho e navegação, para serem os patrões. Roeram e roem o país, deixando-o totalmente ruído e quase sem ossos, quase sem pele de tanto ruído que está e ainda assim lhe vão até à medula. Expurgaram o país até o pus.
Os roedores, na sua escalada depredadora, roeram tudo que havia nos quartéis.
Roeram as armas que lá havia. Venderam-nas e alugam-nas ao crime organizado com a sua conivência. Os roedores extirparamas cápsulas e o mercúrio do material de guerra, para alimentarem o contrabando que governa a nossa economia.
Para dissipar provas puseram os paióis de Maputo e Beira a arderem.
Os ratos deixam as suas impressões digitais em tudo que roem e saqueiam do erário público depauperado e paupérrimo. Nas mortes que causam entre os filhos do povo, orgulham-se de serem guardiões do Estado e da paz.
Os ratos não dissimulam a sua inspiração revolucionária, progressista. Os ratos, que se converteram hoje em endocolonialistas, os nossos colonos de pele escura como a nossa.
Agora que os ratos roeram tudo e o abscesso rebentou, querem controlar o país, querem controlar o cheiro incontrolável que se espalhou por todos os cantos.
Os ratos instalaram-se em todas as instituições do Estado, pois não podem viver sem o saco azul do erário público.
São os mesmos que na dualidade com que roem, estão empenhados em roer a lei da liberdade de imprensa.
Os nossos ratos acreditam que na eternidade. Os nossos ratos não acreditam na efemeridade. Sofisticam a ciência da rataria que tecnicamente dominam. Acumulam habilidades e podem exportar conhecimentos.
Os ratos que mataram Carlos Cardoso, Siba-siba, Macuácua, juízes, procuradores, são os mesmos que roeram a justiça que não funciona, roem as leis que só funciona para as suas vítimas. Os ratos agem como ovelhas ranhosas, na sua sede de vingança.
Os ratos estão na corrida renhida dos recursos minerais.
A profissão mesmo dos moçambicanos é esperar. Portanto, quem pára a praga de ratos que roe o país?
Adelino Timóteo – 20.02.2022