"Se usas armas contra o povo, já perdeste poder"
Frelimo de Filipe Nyusi poderá estar a conhecer os maiores índices de impopularidade da história, o que torna ainda mais curiosos os resultados eleitorais oficiais das VI Eleições Autárquicas, que atribuem vitória ao “vermelhão” em 64 das 65 autarquias do País. A direcção actual acumula desafectos não só da sociedade como de alguns dos mais sonantes “camaradas”. É o caso da família Machel, que em vários momentos não esconde a desilusão com o actual regime.
Recentemente, Samora Machel Júnior tomou as parangonas depois de criticar frontalmente, por um lado, a actuação da polícia em Chiúre (província de Cabo Delgado), onde terá assassinado quatro cidadãos, e, por outro, acções que, nas suas palavras, colocam em causa a lisura das eleições autárquicas de 11 de Outubro que, de acordo com as autoridades oficiais, resultaram na vitória da Frelimo em 64 das 65 autarquias do País, o que é fortemente contestado pela oposição.
O filho do primeiro Presidente de Moçambique independente condena acções supostamente levadas a cabo por alguns dos seus camaradas e que “vão na contramão dos valores fundamentais do nosso partido, do Estado de direito e da democracia”. Apela, por isso, a uma espécie de purificação de fileiras e defende trabalho incansável para que os valores do partido sejam “restaurados e protegidos”.
É o último, mas Samora Machel Júnior está longe de ser o único elemento da família Machel a manifestar desilusão face à actual situação do partido Frelimo e do País. Graça Machel, sua mãe, tem sido igualmente incisiva nas críticas ao regime liderado pela formação política de que é membro.
Uma das suas últimas aparições nesse registo deu-se em Abril do presente ano, em Maputo. Alguns dias depois de a Polícia da República de Moçambique reprimir com violência marchas pacíficas em homenagem ao falecido rapper Azagaia, a também activista instava os jovens a perderem o medo, que é, na sua opinião, a “maior barreira às liberdades”.
A viúva de Samora Machel recordou a célebre frase de tomada de posse de Filipe Nyusi, segundo a qual “o povo é o meu patrão”, antes de afirmar que “temos que lembrar a estes que nos oprimem que nós [o povo] somos o patrão”.
Todavia, a maior manifestação de indignação de Graça Machel com a “actual Frelimo” terá sido a retirada da sua candidatura a membro do Comité Central (CC), em 2022, num XII Congresso marcado pelo reforço do poder do presidente do partido, Filipe Nyusi, que ganhou com 100% de votos, estatística que, mesmo vinda de um partido habituado a “vitórias retumbantes e esmagadoras”, não deixa de impressionar.
Ao abdicar do CC, entendem os analistas, Graça Machel estava a dizer, num silêncio ruidoso, que não se quer misturar com os actuais timoneiros em cujos ideais, aparentemente, não se revê.
Os disparos da Josina
Aparentemente mais discreta que Graça Machel e “Samito”, Josina Machel tornou-se, nos últimos anos, numa das personalidades mais críticas ao regime do dia. Seus registos de discórdia e desilusão são, sobretudo, feitos nos “murais” das redes sociais, especialmente no X, antigo Twitter.
Vigilante, a activista que ostenta o nome da heroína que deu azo ao 07 de Abril recuperou, no último sábado, 28 de Outubro, as palavras do próprio pai sobre o uso da força por parte do Estado. “Quando pegas em armas que são para defender o povo e atiras contra esse mesmo povo, já perdeste o poder. É só uma questão de tempo”.
Pelo timing – um dia depois de a polícia alvejar manifestantes em Maputo, Nacala Porto e Nampula – a publicação de Josina Machel sabe à condenação a desproporcional actuação dos comandados de Bernardino Rafael, que, em Março, foram capazes de farejar “tentativa de golpe de Estado” numa simples homenagem.
Nessa altura, aliás, a activista foi mais cáustica, ao “atacar” Nyusi depois que este acusou a Sociedade Civil de querer derrubar a Frelimo.
“Este é um esforço contínuo e incansável para reprimir a sociedade civil em Moçambique. Que absurdo é esse? Muitos de nós somos membros da Frelimo e servimos ao povo contra quem você levantou armas no sábado [18 de Março, dia das marchas em homenagem ao Azagaia]”.
Tudo indica, portanto, que os membros da família Machel estarão pouco satisfeitos perante a possibilidade de o partido e o Estado que o pai ajudou a fundar estarem em vias de se afundar.
DOSSIERS&FACTOS – 30.10.2023