Por Alexandre Chiure
Caro amigo
Como tinha-te prometido na carta anterior, cá estou, de novo, a escrever estas linhas para ti. Disse-te que sempre que te desviasses do rumo, iria chamar-te atenção. Amizade é assim mesmo. Tu sabes como é. Às vezes não estamos com disposição de ouvir conselhos ou críticas, mas porque vêm do nosso melhor amigo, como eu, temos que ser um pouco pacientes.
Sei que andas muito nervoso nestes dias por causa destas coisas de eleições e a tua idade inspira muitos cuidados. 61 anos não é brincadeira. Tens que ser tratado com delicadeza para não piorar o teu estado de saúde que não anda bem, afectado por problemas relacionados com o TSU, atrasos sistemáticos no pagamento dos salários aos funcionários de Estado, custo de vida, desigualdades sociais, hospitais sem medicamentos, escolas sem carteiras e outros que te tiram sono.
Caríssimo amigo, não encontrei melhor momento para te endereçar esta nova carta que não seja este, pois o que te quero falar está ligado às sextas eleições autárquicas. Acompanhei que ganhaste. Como sabes, é tradição quando um dos nossos amigos é laureado, todos nós o saudarmos.
Era suposto o teu feito merecer felicitação, mas eu, particularmente, não te vou saudar. Sabes porque? É que estou assustado com a informação de que venceste em 64 dos 65 municípios em concurso. É possível granjeares simpatias em todos os municípios? Tem ideia do que isso significa, amigo Frelimo? Explica-me lá bem isso.
Amigo, sei que és bom, mas todos nós, teus amigos, sabemos que não andas bem em termos de imagem e popularidade por conta do país que não está bem. As populações estão insatisfeitas e há quem diga, mesmo, que os teus patrões já não te querem. Que estão cansados de ti. Eu é que não te vou abandonar. A nossa amizade, que vem desde 1975, não me permite fazer isso, mas estou muito preocupado contigo.
Aliás, não sei se já te apercebeste de que o voto depositado nas urnas a favor da Renamo é o de punição? Pois é. Alguns dos que votaram na “perdiz” nasceram e cresceram na Frelimo, mas não se identificam com a tua forma de ser e estar. E não são poucos. Atenção! É o voto da juventude sem emprego, habitação e oportunidades para fazer a sua vida porque estas giram à volta de elites políticas. Um cidadão comum, sem apelido sonante, não ganha concursos públicos.
Mas, já agora, digas-me, na qualidade de teu velho amigo, como foi possível ganhar em todos os municípios? Quer dizer, então, que, de repente, os quelimanenses deixaram de apostar em Manuel de Araújo e escolheram a ti? Significa que num piscar de olhos, Nampula deixou de ser bastião da Renamo e a sua nova paixão és tu? Amigo, desculpa, mas custa-me acreditar nessa história.
Amigão, quando há uma disputa renhida em municípios como Maputo, a capital do país, Matola, a principal zona industrial do país, Vilanculos e Massinga, no sul, onde, antes, a oposição não tinha expressão, tens que ficar preocupado com isso. Sabias que hoje em dia se torna perigoso circular, nas ruas de Maputo e não só, trajado de uma t-shirt da Frelimo, mas se for da Renamo, é ovacionado? Pois é. Num passado recente era ao contrário. Esse é o sinal de que as coisas mudaram muito e que algo não está bem contigo, amigo Frelimo.
Aliás, acompanhei, através de várias plataformas de comunicação, que a Renamo venceu as eleições em pelo menos 17 municípios, incluindo Maputo e Matola, e o MDM, na Beira e Dondo, este último reclamado por ti. A mesma informação dava conta que a Nova Democracia teria triunfado pelo menos em Gurue, um dos 64 municípios onde dizes que ganhaste.
Amigo, viste os números publicados pelo consórcio eleitoral Mais Integridade, que congrega sete organizações da sociedade civil, a exemplo da Sala da Paz, MISA Moçambique e outras? Fez uma contagem paralela, pelo menos na cidade de Maputo, e o resultado é que a Renamo teve 55 por cento dos votos e tu, 37 por cento. Sei que não concordas com esse apuramento. Tudo bem.
Caríssimo, eu já não sei o que dizer. Se devo acreditar em ti quando dizes que ganhaste tudo, menos a Beira, mesmo depois de um director distrital do STAE ter confessado à imprensa que recebeu de ti 500 mil meticais para viciar os resultados. A história que acompanhamos de um director do STAE que foi a um tribunal, em Maputo, com 43 editais, 42 dos quais falsos e com resultados a teu favor. Confesso que estou envergonhado. Disso tenho a certeza. Digas que isso tudo não corresponde à verdade. Digas por favor.
Bom, uma coisa é certa. Os números que foram divulgados por alguns canais de televisão, na noite do dia de votação, baseados nos editais tornados públicos a seguir à contagem dos votos, davam vitória folgada à Renamo em Maputo, Matola, Quelimane, Nampula, Chiure, Ilha de Moçambique, Nacala-Porto e noutros municípios. Todos nós, teus amigos, acompanhamos isso.
Aliás, mais tarde fiquei a saber que no caso concreto de Maputo, a “perdiz” teria ganho em cinco distritos municipais mais importantes da capital e tu, em dois, nomeadamente Katembe e Ka Nhaca. Só que, misteriosamente, no dia seguinte, tudo estava alterado. Confesso que até hoje estou incrédulo.
Amigo, diga uma coisa. O que foi aquilo de presidentes de algumas assembleias de voto se recusarem a assinar os editais e as actas no fim da contagem dos votos? Não foram dois ou três, mas muitos e isso causou muita estranheza. O pior é que disseram que estavam à espera de ordens superiores para o efeito que viriam de ti. É verdade isso?
Amigo, tenho uma admiração especial por ti. Tu sabes muito bem disso. Mas não conhecia esse teu lado de ganhar onde todos dizem que perdeste. Essa tua capacidade de transformar a derrota em vitória, como se transformam dificuldades em oportunidades.
Outra coisa. Como consegues comemorar vitória em municípios como Maputo, Matola e noutros com processos ainda a correr em tribunais e debaixo de manifestações populares de repúdio aos resultados eleitorais em curso? Em quê é que confias? Que contas fizeste que te dão um conforto? Bom, tu é que sabes. Vais em frente.
Às vezes fico a pensar que algumas das coisas que fazes têm a ver com a tua idade. É que há certas atitudes que tomamos quando atingimos a terceira idade, como tu, que são de descontar, mas ninguém me tira da cabeça que resultam, também, das más companhias que tens ultimamente. De indivíduos que não são bons amigos. Que não se importam de ameaçar, matar, intimidar, subornar ou corromper alguém para alcançar objectivos políticos. Esse é o resultado de teres abandonado os teus velhos e melhores amigos que pertencem a uma outra escola de fazer política em que o poder reside no povo.
A verdade é uma. Gostaria tanto de organizar uma festa contigo, para a tua consagração como vencedor nos 64 municípios, da grandeza da tua vitória em que te abraçaria. Saltitaria e algo mais, mas não encontro motivação para o efeito, sobretudo quando há insistentes denúncias de que tudo não passou de um golpe de editais.
Nós, teus amigos, estamos cheios de medo. Não sabemos o que será do país daqui para a frente com as ameaças de dirigentes da Renamo de que estão dispostos para tudo e mesmo para morrer.
A responsabilidade de credibilizar este processo eleitoral e as instituições públicas, corrigindo os erros cometidos e fazer justiça eleitoral cabe agora ao Conselho Constitucional. O futuro de todos nós dependerá da qualidade das decisões a saírem deste órgão. O nosso desejo é que o CC não entre no jogo dos políticos e delibere com base na lei e nos fundamentos e provas apresentados pelos queixosos. Sem pressão, intimidação ou interferências políticas. Caso contrário, teremos convulsões sociais que nunca mais acabarão. Guerras e guerrinhas sem sentido. (X)