Meu caro, conterrâneo e concidadão Gustavo Mavie, eu gostaria que me dissesse onde, em que partes deste território esteve a viver entre 1977 a 1992, para podermos falar a mesma coisa.
Eu, desde 1983 andei pelas províncias de Sofala, Manica, Maputo, Gaza e Inhambane, em zonas de guerra e não nas cidades. Estava ao serviço do Estado.
Não nutro simpatias com a Renamo mas factos são factos. Ela não cometeu atrocidades sozinha. Eu acho e é um facto que ela foi a responsável pela maior parte de atrocidades cometidas durante aquela sangrenta guerra mas eu vi, com os meus olhos, atrocidades cometidas por quem estava ou deveria proteger o povo, no caso, a tropa do governo.
Por razões éticas, não vou escrever o nome daquele comandante militar que o vi a usar as narinas de um velho como cinzeiro. O velho era daquelas pessoas que vivia nas zonas de guerra, refugiado no mato como milhares de moçambicanos e, no dia que foi capturado pela tropa, algires na Maternidade de Chongola, em Inharrime e foi trazido à vila de Inharrime acusado de ser Madjuba ou Madjiba ou seja, colaborador do inimigo.
O comandante em causa T. creio que continua vivo algures na Maxixe ou Inhambane e, se tiver morrido, a morte só lhe pode ter encontradonuma destas cidades, onde fixou residênciaapósa guerra. Já disse que não vou mencionar o nome dele, para o bem dele ou da família dele.
Noutra ocasião e local, no interior de Inharrime eu e outros, tivemos de reunir com o comandante da tropa para protestar os assassinatos de pessoas que eram recuperadas das zonas de guerra. Cobrarmos que fossem enterrar os cadáveres e, dissemos ainda que não havia necessidade de trazerem pessoas do mato(Guambene, Mejoote, Nhapadiane e outroa) para virem matar aos olhos de todos nós. Só não arrolo os nomes de algumas das pessoas que viveram comigo esses episódios para não falar em nome de terceiros.
Como bem disse, nada tira o mérito de a Renamo ter sido a maior responsável pelas atrocidades cometidas durante a guerra dos 16 anos mas nada tira o mérito a uma prostituta que decide casar e firmar família.
Sobre empregos ou desemprego, meu caro Gustavo Mavie, drixe-me dizer que a nossa indústria do caju, que era uma das maiores do Mundo foi morta depois da guerra, ou melhor, nos gabinetes das cidades, sob ar-condicionados, por gente de fato e gravata.
Em Inhassune, Distrito de Panda, continuou a produzir-se algodão durante toda a guerra. O algodão era levado para uma empresa algodoeira que estava instalada na Vila-sede do Distrito de Jangamo, onde era descarroçado para depois ser exportado.
No maior parque industrial do país, a Matola, não conheço nenhuma daquelas indústrias que tenha sido paralisada pela guerra. O Parque Industrial da Matola morreu depois da guerra, às mãos da nossa ignorância. Depous da guerra, em Boane continuou a produzir-se citrinos para o consumo e para a exportação. Hoje, nessas mesmas zonas, foram erguidas quintas onde os nossos chefes levam as suas netas e bisnetas para sessões de orgias suxuais. Onde é que entra a guerra nesta nossa ignorância colectiva?
Foi pela guerra que a UFA deixou de produzir sapatilhas e botas militares? Recorda-se da mata-cobra? A Mabor deixou de fabricar pneus devido a guerra? A Bonsuino deixou de fabricar chouriço e derivados de carne devido a guerra? A Cometal-Mometal e Maquinag deixou de fabricar vagões e elevadores devido a guerra?
É a guerra que faz com que anualmente estejamos a construir e a reconstruir as mesmas estradas nas Cidades de Maputo e Matola, só para exemplificar?
Havia mais corrupção durante a guerra ou agora em paz e com as instituições a funcionar?
A ignorância dos jovens de que o meu conterrâneo Gustavo Mavie fala no seu texto, é um assunto actual e não produto da guerra.
Durante a guerra, os jovens cantavam como se de Catecismo se tratasse todas as datas históricas deste país, os jovens cantavam cada um dos nossos herois, principalmente Eduardo Mondlane, Josina Machel, Francisco Manyanga, entre outros.
Hoje, sem a guerra, há quem estuda na Escola Secundária Josina Machel ou Francisco Manyanga que não sabe quem foi Josina Machel ou Francisco Manyanga. Onde entra a guerra movida pela Renamo nisto tudo?
Meu caro Gustavo Mavie, como compatriota que é, é preciso admitir que muitos dos nossos actuais dirigentes actuam pior do que muitos colonizadores, eles arruinam a Educação do que muitos colonizadores o fizeram. Com a actual Educação, acha que nascem intelectuais como Eduardo Mondlane, Joaquim Chissano, Armando Guebuza entre outros?
Não é a guerra da Renamo que manda os professores venderem notas aos alunos, nem é ela que manda as alunas dormirem com professores em troca de passagens escolares.
Termino reiterando que vivi a guerra dos 16 anos, "bem vivida" na carne e não nos jornais ou nas cidades. Sei o que foi a Renamo e tive muitos familiares que sucumbiram as mãos da Renamo. A minha prima Recardina foi raptada em Magumbela para uma base da Renamo e de lá, nunca mais voltou. A minha tia Deolinda foi raptada, na hora de a tirarem a vida, cortaram-lhe a lingua com baioneta, só depois a esmagaram a cabeça não se sabe com que instrumento. Tive uma aluna de nome Maria Luisa Gilberto que foi raptada pela Renamo e não mais voltou mas, quase 30 anos após o AGP, é desculpa de mau pagador continuarmos a estragar o nosso país a despeito da guerra que terminou em 1992.
Já agora, meu caro Gustavo Mavie, gostaria de fazer um passeio pelas estradas das Cidades de Maputo e Matola para podermos conversar melhor sobre elas.
Quem está a negar o desenvolvimento do país, somos nós. São as nossas lideranças que, a troco de alguns saldos nas suas contas, entram no projecto de aruinar o país de forma dolosa.
Só para lhe recordar, o Urânio do Niger era vendido a 80 cêntimos do dólar à Europa e, a mesma Europa compra o mesmo Urânio a 200 dólares ao Canadá. Em Moçambique não teremos situações similares?
Damião Cumbana