Por Afonso Almeida Brandão
A política anda morna. O país anda morno.
Discute-se o visual da Cristina, a morte da Sara Carreira, a derrota do Benfica e pouco mais. No plano internacional, trocámos a Ucrânia pela Palestina e todos opinam sobre o massacre de Israel ou a carnificina do Hamas. Por cá, já não há médicos, professores ou habitação a encher as páginas de jornal. Apenas e tão só o IUC dos pobres e a renúncia de António Costa às funções de Primeiro-Ministro e ao arrastamento de uns tantos “metralhas” implicados em “malabarismos” que só visto. E chega! Ao que parece, o orçamento que nos apresentaram até é bem simpático, muito mais que pipi, ao que parece, não fosse a maldita questão do IUC, que força a revolta popular e convoca manifestações nas redes sociais. Cheguei até a ler o comentário de um “analista político”, seja lá o que isso for, a dizer que este era o orçamento que a Direita gostaria de apresentar. Afinal, há humoristas na política e capazes de fazer piadas com muito nível. Não é humor negro —aliás, hoje em dia, em obediência ao politicamente correcto e por forma a não ferir uma data de susceptibilidades, julgo que a expressão correcta será humor africano (como se todos os africanos fossem de uma única cor) — é expressão de agenda. Ao referir que é um orçamento que a Direita gostaria de apresentar, mata pela raiz qualquer tentativa de contestação da Direita “pipi”, betinha, ou qualquer outra, se é que ela ainda existe. Por outro lado, cria uma barreira intransponível, já que a Esquerda está bem com a sua consciência e com as medidas que apresenta. Aliás, a esquerda está sempre bem com tudo, porque, em última instância a culpa será do Passos…
Em traços muito gerais, um Orçamento representa um plano do Estado relativamente à forma como vai distribuir a receita. Ou seja, quanto vai atribuir a cada um dos ministérios, quer a título de despesa, quer a título de investimento. Ora, como o dinheiro não cai do céu nem nasce nas árvores, essa despesa do Estado tem que ser compensada com receita. Uma vez mais, como o Estado não produz riqueza, a forma que encontrou de se financiar é indo ao bolso dos contribuintes. Directamente, naquilo que são os seus rendimentos ou fontes de receita, ou, indirectamente, naquilo que é o seu consumo. Como não há milagres, quanto mais subir a despesa, mais tem que subir a receita, ou seja, os contribuintes mais têm que pagar. Estando a roda há muito inventada, também é certo que os impostos indirectos geram uma fonte de receita muito maior. Desde logo porque o universo contributivo é substancialmente maior. Todos temos que comer, que nos deslocar, que ter água e luz e todos temos os nossos pequenos vícios. Por outro lado, nos impostos indirectos quase não existe fuga fiscal. Estando o sistema bem oleado, tudo o que é transaccionado paga imposto. Compras, pagas, ponto! Nos directos há questão dos escalões de rendimentos, das despesas pessoais suportadas por empresas, da ocultação de rendimentos, das deduções e dos paraísos fiscais, pelo que torna a sua cobrança mais difícil e obriga a uma máquina fiscal muito mais complexa. E, se nos indirectos a receita é imediata, ou quase, nos directos a mesma é diferida, ou, pelo menos, parte dela. E, por último, mas muito mais importante, os directos representam políticas fiscais exclusivas do Governo e os indirectos têm sempre uma paternidade desconhecida, aumentando por culpa das guerras, da escassez dos mercados, dos bancos centrais, das alterações climáticas, do gato da vizinha e, claro está, em última instância, do Passos.
Ou seja, cobra-se cada vez, sem que se consiga explicar porquê, mas andamos todos felizes porque, afinal, o Governo até é de esquerda e se não faz melhor é manifestamente porque não pode…
Dizia então eu que o Orçamento é muito mais que o IUC e que este apenas representa a face visível de uma cobrança voraz do Estado. Esquecem-se todas as outras porque se parte de um pressuposto errado: que o aumento do IUC em carros anteriores a 2007 vai incidir sobretudo sobre os mais pobres que não têm possibilidades de adquirir viaturas mais recentes. Puro logro: ao preço a que estão as portagens, os combustíveis, as inspecções obrigatórias, os parques e os mecânicos, nenhum pobre tem capacidade de ter um veículo próprio. Vamos ver qual a receita gerada com as trocas de viaturas e coimas aplicadas relativas a seguros, manutenções, inspecções que os proprietários deixarão de pagar em virtude da subida do IUC…
Ora, no OE o Estado prioriza os gastos em função das políticas de conveniência. Aumentar, de per se, o orçamento de um determinado ministério não é garantia de sucesso. Basta olharmos para a saúde que serve bem o paradigma. Gasta-se hoje (muito) mais e com piores resultados. Há que reformar, reformular e pensar numa lógica estratégica e não apenas economicista. Mas essa não é a vocação do PS e, menos ainda, deste PS onde minguam as mentes, falta visão e inexiste competência. O que importa é o aguentar-se à tona até ao próximo ciclo eleitoral, enchendo a boca de promessas, os bolsos de receita e distribuindo esmolas consoante as vozes ecoam e as sondagens exigem. Nessa senda, António Costa entendeu destinar 426,27 milhões de euros (sim, leu bem!) para promover a igualdade de género. Não tendo esta medida colhido especial repercussão nos órgãos de comunicação social, das duas uma: ou o valor e a priorização governamental são tão absurdos que o melhor é fazerem-se de mortos com receio de represálias sociais e governamentais; ou existe uma maioria LGBTQI+ que domina as redacções. Desconhecendo de qual se trata, faz-me imensa confusão que num país onde há gente a morar na rua, milhares de pessoas dependentes de ajuda para comer, reformados e pensionistas que não conseguem comprar medicamentos, não há médicos nas urgências, nem professores nas escolas, se destinem mais de 400 milhões de euros para promover acções, formações e subsidiar organizações relacionadas com a igualdade de género, a tolerância para comportamentos homossexuais, as disforias e afins.
Por outro lado, faz um certo sentido. Já que o Governo nos enraba a sangue frio, mais vale estarmos preparados para, educadamente, sabermos lidar com isso. Incomoda-me, porque sempre pensei que quando tivesse que ser (sim, há muito que me dei por vencido) fosse precedido de uns beijinhos no pescoço, um afagar de cabelo e umas festinhas nas costas. Erro meu. Foi à bruta e sem pedir licença, com Costa e Medina a garantirem-me que não doía e iam ser meiguinhos. Doeu e dói sempre que olho para o recibo de vencimento. E vai doer-me mais, da próxima vez que pagar o IUC.
Conformado e dorido, deixo uma sugestão: tirem os bancos dos autocarros. Por este caminho, não tardará, todos usaremos os transportes públicos. E nenhum de nós se vai poder sentar…
E enquanto isso vamos aguardar pela Demissão de António Costa e da sua condição de ter sido constituído Arguido em parceria com mais cinco “Metralhas” por razões que vão agora ser apuradas condignamente...■