Em entrevista à DW África, Manuel de Araújo, membro da RENAMO, liga o silêncio da União Europeia perante a crise pós-eleitoral em Moçambique ao interesse no gás em Cabo Delgado.
Manuel de Araújo, destacado membro da RENAMO, o maior partido da oposição em Moçambique, diz que não tem dúvidas: o gás de Cabo Delgado silenciou a União Europeia (UE).
Até agora, os 27 não fizeram qualquer pronunciamento sobre as fraudes e violência no contexto das autárquicas de 11 de outubro em Moçambique.
A UE afirmou apenas, em comunicado, que está a acompanhar o caso "de perto", deixando entender que se deverá pronunciar só depois de 26 de outubro, altura em que deverão ser anunciados os resultados finais. UE sobre autárquicas "não surpreende"
Araújo também tece duras cíticas às equipas de observação europeia. A sua próxima paragem é o velho continente, mas por enquanto está nos EUA em busca de apoio no contexto da crise eleitoral.
DW África: Nesta batalha pós-eleitoral, a frente diplomática é uma das apostas da RENAMO. O que já conseguiu nos seus encontros com instituições norte-americanas?
Manuel de Araújo (MA): Em primeiro lugar, tínhamos objetivos bastante modestos. Primeiro, manter os vários atores informados sobre a gravidade da situação em Moçambique. Preveni-los sobre uma eventual erupção de violência pós-eleitoral que depois poderá degradar não só o ambiente de negócios, como também pode criar convulsões sociais e políticas que poderão alterar a ordem estabelecida. Portanto, Moçambique precisa de estabilidade para continuar a granjear a preferência dos investidores internacionais, mas também precisa de manter um ambiente pró-democracia para continuar a angariar recursos como aqueles que o Milleniumm Change Corporation disponibilizou para Moçambique, especialmente para a província da Zambézia. São mais de 500 milhões de dólares. E uma das condições básicas é que Moçambique respeite os preceitos democráticos. Portanto, estas eleições mostraram a todo o terreno que afinal de contas Moçambique não é assim tão democrático como deixava transparecer.
DW África: E qual foi a reação das instituições com que se reuniu?
MA: Viemos deixar o nosso informe, alertando a essas instituições que se nas eleições locais tivemos este tipo de 'gangsterismo' de Estado, onde os elementos tem um contrato com o STAE [Secretariado Técnico de Administração Eleitoral], falo dos funcionários do STAE, a Polícia e a própria Comissão Distrital de Eleições. Trabalharam todos num conluio para subverter a vontade popular, naquilo que eu chamo literalmente de um autêntico golpe de Estado. Portanto, as instituições internacionais devem estar atentas a este tipo de manobras. E nós não gostaríamos que acontecesse o que aconteceu neste processo. Quase não tivemos observadores internacionais para o processo de recenseamento, os poucos chegaram em cima da hora e saíram antes da proclamação dos resultados, atitude não apropriada. Nós precisamos de missões de médio e longo prazo que estejam no terreno a ponto de perceberem os desafios e aquilo que são as realidades no terreno. Algumas missões, como a portuguesa em Quelimane, abandonaram o terreno um dia depois das eleições, exatamente na altura em que se cometiam as várias irregularidades. Portanto, isso mostra a má preparação dos observadores, ou por desconhecimento ou então por falta de vontade.
DW África: A União Europeia não manifestou até agora nenhuma posição sobre os conflitos pós-eleitorais?
MA: Por um lado, podemos dizer que é estranho. Por outro, é normal porque, porque os países da UE estão a atravessar uma crise devido à guerra da Ucrânia. Esta guerra criou uma disrupção no mercado do gás e eles agora dependem muito do gás dos Estados Unidos da América. E este é um dos motivos pelos quais iremos começar pelos EUA e só depois vamos para a Europa, porque eles subordinam-se às vontades dos EUA e a crise energética veio acentuar essa dependência. Daí que este silêncio não nos surpreenda. A Europa tem interesse no gás de Moçambique e pode ter achado não ser oportuno pronunciar-se agora, porque poderia perigar os seus interesses comerciais. A maior parte dos embaixadores acreditados em Maputo parecem mais adidos comerciais do que embaixadores.
DW África: Então, estamos a dizer que o gás silenciou as vozes da União Europeia...
MA: Não tenho dúvidas. Achamos de muita coragem a atitude da embaixada dos EUA, que se pronunciou. Apesar de ter sido um pronunciamento muito ténue, podia ter sido mais contundente. Mas diplomacia é diplomacia e cada um sabe quais são os seus interesses. Nós sempre víamos o Ocidente como "beacon of hope" [chama da esperança], mas no últimos tempos têm-nos desiludido um pouco, uma vez que a própria democracia norte-americana está longe do que era.
DW África: Acha que a FRELIMO está consciente desta fragilidade da União Europeia e, por isso, terá abusado na fraude eleitoral este ano?
MA: Não tenho dúvidas.
DW África: Conta passar por Bruxelas nesta sua frente diplomática? Qual será a abordagem?
MA: Vou passar por vários países, mas neste momento não quero mencionar quais devido aos nossos adversários. O que lhe posso garantir é que a próxima etapa será a Europa e depois a América Latina.
DW – 23.11.2023