Por Alexandre Chiure
Caros ilustres, sintam-se cumprimentados.
Como devem imaginar, eu já ouvi falar de vocês e das vossas ameaças muitas vezes. Sei que andam por aqui. Vivem connosco. Sois moçambicanos de nacionalidade originária. Sei também que gostam de ameaçar aqueles que têm ideias próprias e pensamento diferente. Pela vossa coragem e tendo em conta as vossas novas vítimas, dá para concluir que não são pessoas quaisquer.
Quando mandam mexer até com figuras emblemáticas da Frelimo como Graça Machel e Samora Machel Júnior, coisa rara entre nós, e com Gabriel Júnior, deputado da AR pela bancada da maioria, é de arrepiar o cabelo. Apesar de não vos conhecer, resolvi dirigir-vos esta carta e espero que chegue às vossas mãos em perfeitas condições.
Permitam-me, em primeiro lugar, saber quem são vocês? Qual é a vossa agenda? A quem é que estão a servir? Ao país é que não. Para começar essa vossa atitude é cobarde. Um atentado contra a democracia e liberdades individuais. Um crime contra os direitos humanos que todos juram defender.
Todos nós conhecemos muito bem essa vossa táctica, pois não é de hoje. Tem barbas brancas. Estamos consciente do tipo de vítimas e dos momentos férteis em que as vossas ordens são executadas para silenciar as vossas vítimas.
Ameaçaste o jornalista Carlos Cardoso quando em vida numa altura em que se encontrava a investigar o escândalo financeiro do ex-BCM envolvendo 14 milhões de dólares. Teimoso que era, não quis se calar e terminou crivado de balas na Avenida Mártires da Machava.
Calou-se a sua vez, mas, como deves ter percebido, no seu lugar nasceram outros Carlos Cardosos mais críticos do que a própria crítica. Mais agressivos do que a própria agressividade. Mais ousado do que a própria ousadia, sem medo de morrer como era Carlos Cardoso pai e a lutar para que tenhamos um país melhor, livre de corrupção, compadrio, nepotismo, amiguismo e daqueles que transformaram o país em sua propriedade privada.
Mandaram ameaçar Siba-Siba Macuacua porque queria denunciar figuras que defraudaram o Banco Austral. Não vergou e acabou jogado pelas escadas. A seguir à sua morte, nasceram muitos Siba-Sibas Macuacuas, mais atrevidos do que o seu próprio atrevimento. Corajosos do que a própria coragem.
As denuncias que Siba-Siba pai não fez, estão a ser feitas nos dias de hoje pelos Siba-Sibas filhos e o resultado são detenções, julgamentos e condenações à prisão de figuras de nomenclatura política e governamental. Quem diria que um dia um antigo ministro pudesse ser preso? Que agentes do SISE defraudassem o Estado moçambicano ao invés de o defender? Pois é. As coisas mudaram.
Mandaram, várias vezes, ameaçar Gilles Cistac porque defendia o que depois do seu assassinato se tornou numa realidade: a descentralização do poder, permitindo que os governadores provinciais e os administradores de distrito fossem eleitos. O académico foi morto a sangue frio em pela Avenida Eduardo Mondlane. Com o seu desaparecimento físico nasceram e multiplicaram-se outros Gilles Cistac, destemidos, firmes e contundentes na sua forma de pensar.
Deram ordens para que fossem ameaçados a activista Fátima Nimbire, o académico Adriano Nuvunga pela sua verticalidade e frontalidade na abordagem de assuntos candentes da vida do país. Não cederam. Continuam os mesmos de sempre, críticos e interventivos. Estes já têm muitos continuadores espalhados por alguns canais de televisão privados como STV, TV Sucesso cujo dono, Gabriel Júnior, é a nova vítima das vossas façanhas. Até quando vão mandar ameaçar pessoas? Já repararam que cada vez em que tentas silenciar uma certa voz, tantas outras picantes fazem-se soar? Já viste que sempre que uma vida é sacrificada, nascem tantas outras com o pensamento similar para dar continuidade à luta?
Hoje, temos estado a acompanhar, um pouco por todo o país, milhares de Carlos Cardosos, Siba-Sibas Macuacuas, Gilles Cistac, Fátimas Nimbires, Adrianos Nuvungas e Cia a marcharem pelas ruas em reivindicação aos seus votos que, na sua óptica, foram roubados. Não são membros, nem simpatizantes da Renamo ou de qualquer outro partido político. São elementos da população que exigem que seja feita a justiça eleitoral em que quem ganhou, ganhou. Quem perdeu, perdeu. Alguns deles são jovens que não se importam de entregar o seu peito às balas pela causa da maioria.
Caro(s) mandante(s) de ameaças de morte
Como podes ver, tens, agora, muito trabalho. Terás de ameaçar todos estes, um por um, para pararem de marchar. Vais conseguir isso. Será muito difícil. Até porque tentaram. Dezenas de jovens foram presos pela polícia, mas porque não cometeram crime nenhum, o tribunal mandou soltar e são vistos como heróis populares.
Caríssimos mandantes. No lugar de mandarem ameaçar cidadãos inocentes e trabalhadores, deviam atacar funcionários do Ministério da Economia e Finanças que, numa atitude irresponsável, resolveram pura e simplesmente não pagar as pensões já em si exíguas a pouco mais de 15 mil reservistas desde Dezembro do ano passado.
Esses, sim, devem ser ameaçados severamente e os responsáveis, demitidos, para aprenderem que não se deve brincar com coisas sérias, o que passa pela nomeação de uma comissão de inquérito para averiguar o assunto, apurar as responsabilidades. Isso seria interessante, não acham? Estes homens que são relegados para o terceiro plano defenderam a pátria. Merecem respeito e consideração. São pais de famílias e têm contas a pagar.
Se querem servir ao país, então ameaçam à polícia para deixar de prender cidadãos que estão no gozo dos seus direitos constitucionais, participando em manifestações para reivindicar a verdade eleitoral. É este conjunto de coisas que no fim do dia recai sobre a figura do Presidente da República, na qualidade de pai da nação, tornando-a impopular. Quando ele é vaiado em Nacala-Velha e ignorado pela população em Machaze, Manica, significa que alguma coisa não está bem. Essas atitudes transmitem a mensagem de que há uma insatisfação popular. Os culpados são os que roubaram os votos da população. São os que aceitaram ser subornados com 500 mil meticais para viciar os resultados eleitorais e fazer ganhar os que perderam em jogo jogado. (X)