Alguns profissionais da função pública foram às urnas com expectativas de receber horas extras, mas não viram a cor do dinheiro e polícias tiveram um mês e os militares nem uma quinhenta.
Depois de ter provado a sua gestão baseada em improvisos e a conta gotas, nas vésperas das eleições autárquicas, apercebendo-se do elevado nível de descontentamento no seio dos funcionários e Agentes do Estado (FAE), o Governo decidiu, mais uma vez, enganar os funcionários dos sectores que mais empregam no país nomeadamente a Educação, educação, saúde e Forças de Defesa e Segurança (FDS), prometendo pagar horas extras e retroactivos devidos desde o ano passado, contudo, tudo não passou, ao que parece, de um golpe eleitoralista.
Os polícias, que não viam a cor dos seus retroactivos desde o ano passado, receberam um valor correspondente a apenas um mês à boca das urnas, sorte que não coube aos militares que ainda não viram a cor do dinheiro. Os profissionais de saúde e da educação, que chegaram a esfregar as mãos, vivem momentos de agonia, pois o prometido pagamento das horas extras acumuladas nos exercícios de 2022 e 2023 não foram pagos e ninguém mais fala do assunto desde 11 de outubro.
Uma semana antes das eleições, os Funcionários e Agentes do Estado (FAE) foram bombardeados com um turbilhão de informação que reactivou as suas esperanças de poderem receberem os seus ordenados em atraso, retroactivos e horas extras que vem acumulando desde o ano passado.
A informação partilhada pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) e depois partilhada sectorialmente, caso a caso, pelas respectivas direcções das finanças e recursos humanos. Na polícia e forças armadas, o governo prometeu, finalmente, pagar os retroactivos referentes a quatro e dois meses de salários com base na Tabela Salarial Única (TSU).
No sector da educação e saúde, a promessa foi de pagamento das horas extras, tal como ilustra, a título de exemplo, uma nota do Gabinete do Inspector-geral de Finanças, datado de 02 de outubro, autorizando a “validação de dívidas de horas extras no sector de educação”.
“Em cumprimento de decisão superior, foi orientada a Inspecção-geral de Finanças de proceder a validação de horas extras no sector de Educação (ainda não validadas), relativas aos exercícios de 2022 e 2023, compreendendo todas as províncias do País, com início previsto para o dia 3 de outubro corrente”, referia a nota, que foi bem recebida pelos funcionários do sector da educação, que começaram, obviamente, a esfregar as mãos.
No entanto, tudo, ao que parece, “não passou de mais um golpe eleitoral”, pois passado mais de um mês as prometidas horas extras ainda não caíram nas contas dos profissionais da saúde e educação.
No sector castrense, enquanto a polícia, que foi usada para reprimir manifestantes, recebeu apenas um mês de retroactivos dos dois que são devidos, nas Forças Armadas a promessa até aqui não foi materializada, sob alegação de que se está ainda a excluir das listas funcionários da Academia Militar e ISEDEF, que receberam os quatro meses de retroactivos em dezembro.
A situação, que é encarada, sem reservas, como mais um golpe eleitoralista bem conseguido pelo governo nas vésperas das eleições, está a gerar um descontentamento generalizado no seio da função pública, com muitos funcionários a sentirem-se “enganados”, o que poderá resultar numa nova vaga de desistência e abandono do trabalho extraordinário por parte de professores e profissionais de saúde.
Quando anunciaram a validação dos retroactivos, tínhamos esperanças de podermos receber a partir do mês passado, contudo, caímos mais uma vez numa mentira vergonhosa do governo, que queria mais uma vez nos usar para as eleições. Fomos enganados e eu, particularmente, já não tenho esperança de receber e muitos colegas já estão a pensar em desistir”, desabafou. Quem também está desiludido é um agente das forças armadas que não se contenta com a justificação, aparentemente de gestão de tempo, de que os pagamentos dos retroactivos estão congelados por causa de um saneamento das listas para a retiradas de quadros da Academia Militar e do ISEDEF.
No HCM por exemplo os médicos voltarão a greve
Antes de 9 de novembro, data a partir da qual os médicos do Hospital Central de Maputo prometeram deixar de assistir pacientes em horários extras, aquela classe de profissionais de saúde decidiu antecipar a sua greve. Como tal, desde a segunda-feira da semana passada, 30 de outubro, os médicos e algum pessoal de apoio não presta atendimento aos pacientes depois do horário normal de expediente, deixando muitas vezes os pacientes à sua sorte. A situação chega mesmo a afectar os serviços de urgência, havendo relatos consistentes de pacientes, alguns dos quais com problemas graves, que tiveram de voltar para casa sem serem atendidos.
Refira-se que a direcção do hospital havia anunciado, a 21 de outubro, que recebeu uma carta dos profissionais, indicando que iriam deixar de fazer horas extras enquanto o governo não pagar o que deve. “De facto, recebemos uma carta dos médicos. Este é um problema que não vem de hoje e que tem sido discutido”, afirmou o director-geral do HCM, Mouzinho Saíde, em declarações ao canal público Televisão de Moçambique.
Desde março passado, algum canal jornalístico vem alertando que embora o Governo não queira assumir, o Estado está na banca rota, enfrentando uma crise de liquidez que faz com que não tenha capacidade de pagar salários de forma regular, a tal ponto de nalguns meses ser obrigado pagar uma parte dos FAE, enquanto espera para arrecadar impostos para pagar a outra parte. Em agosto, alguns funcionários só viram o salário no dia 10 do mês seguinte.
EVIDÊNCIAS – 07.11.2023