Analista diz que críticas de destacados membros da FRELIMO provam que falta espaço para debater ideias no seio da formação política. Partido no poder nega crise interna.
A cada dia que passa surgem mais vozes que contestam a atual direção da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder em Moçambique. As críticas no seio da formação política evidenciam que não há espaço para o debate interno, dizem os analistas que acompanham o dia-a-dia do partido liderado pelo chefe de Estado, Filipe Nyusi.
Numa carta aberta divulgada esta terça-feira (07.11), Graça Machel, destacada dirigente da FRELIMO, criticou o rumo que o partido tomou ultimamente, afirmando que a formação política deve "reconhecer honestamente as derrotas" e "pedir desculpas ao povo", considerando que a organização foi "assaltada por um grupo minoritário".
A carta de Graça Machel, viúva do primeiro Presidente de Moçambique independente e membro sénior da FRELIMO, surge depois de pronunciamentos de Samora Machel Júnior, Teodato Hunguana, Teodoro Waty, Mulweli Ribeiro, Brazão Mazula entre outros membros influentes da FRELIMO.
FRELIMO nega crise e reitera vitória
Entretanto, a FRELIMO negou que esteja a enfrentar uma crise interna, reagindo à missiva de Graça Machel.
"A nossa perspetiva [para as eleições gerais de 11 de outubro] era ganhar em todas 65 autarquias. Não conseguimos 65, conseguimos 64. É difícil dizer que estamos em crise com uma vitória como esta", declarou Ludimila Maguni, porta-voz do partido, citada pelo canal privado STV.
Ainda assim, o analista Aunício da Silva entende que as sucessivas reações de destacados membros do partido evidenciam a falta de diálogo na FRELIMO.
Aunício da Silva: "A linguagem popular já diz que, tanto a governação tanto o partido no poder têm estado a serem capturados por pessoas com interesses alheios àquilo que são os projetos e programas do partido."Foto: Sitoi Lutxeque/DW
DW África: Como interpreta estes pronunciamentos de Graça Machel, importante figura da FRELIMO?
Aunício a Silva (AS): Significa que em algum momento Graça Machel está chateada, está angustiada com o que está a acontecer dentro da sua família [partido FRELIMO] e precisa de encontrar mecanismos para que a família volte a reencontrar-se e volte a defender os propósitos da sua criação.
DW África: Na sua carta, Graça Machel fala de infiltrados na FRELIMO que, supostamente, seriam responsáveis pela "erosão e desvirtuamento" do partido. A quem estará a referir-se?
AS: Eu acho que são aqueles que não deixam o estado funcionar como deve ser. Portanto, estamos num momento em que o país regista situações graves de raptos que não estão a ser esclarecidos, entendendo que temos uma polícia e serviços de inteligência e segurança que deveriam dar resposta a isso.
Os alicerces para a afirmação da democracia moçambicana também estão a ser abalados exatamente por pessoas que não deixam que a vontade do povo que é expressa nas urnas em momentos eleitorais se afirme, com a observância cíclica de fraudes eleitorais e queixas subsequentes dos membros de partidos da oposição sobre o roubo dos seus votos e, consequentemente a perda de governação em certos pontos e a perda de mandatos em determinadas assembleias municipais.
Portanto, Graça Machel entende que há pessoas que têm estado a alimentar a fraude dentro do sistema eleitoral a favor do partido FRELIMO e isso não lhe agrada. Entende que deve haver justiça eleitoral quando há pleitos desta natureza. Por isso, chama a atenção a esses [membros] e nós não podemos indicá-los apontando o dedo, se a mãe os protege e não diz quem são essas pessoas, não as chama pelos nomes. A linguagem popular já diz que, tanto a governação tanto o partido no poder têm estado a ser capturados por pessoas com interesses alheios àquilo que são os projetos e programas do partido.
DW África: Esta carta surge dias depois de mais um pronunciamento de Samora Machel Júnior em que criticou, por exemplo, a atuação da Polícia da República de Moçambique durante as eleições e também chamou a atenção da FRELIMO. Ou seja, é uma sucessão de cartas que estão a surgir neste momento em que se aguarda o pronunciamento final do Conselho Constitucional. O próprio partido está perante uma crise?
AS: É de fato uma crise. Significa que os membros não estão a encontrar espaço suficiente para dialogarem entre si para resolverem os problemas dentro do seu partido e agora começam a transbordar para hasta pública para lavarem as suas diferenças e salvaguardarem a imagem do partido.
Também podemos entender isso como uma perspetiva de chamar atenção ao Conselho Constitucional, [de dizer] que o material eleitoral, os resultados que lhe chegaram, não são de todo como chegaram. As reclamações que têm estado a surgir são de facto verdadeiras sobre a fraude eleitoral. Então, é preciso tentar salvaguardar a imagem do partido FRELIMO por via dessa instância que é a última no exercício eleitoral em Moçambique.
LUSA – 08.11.2023