Investigador do CIP acusa CNE de Moçambique de violar a lei ao validar os resultados eleitorais das autárquicas sem ter acesso a todos os editais das comissões distritais. Lázaro Mabunda diz que processo "foi sabotado".
"Há uma clara violação da lei eleitoral". É desta forma que o investigador Lázaro Mabunda, do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, reage ao facto de a Comissão Nacional de Eleições (CNE) ter validado os resultados das autárquicas de 11 de outubro sem ter acesso a todos os editais das comissões distritais.
O Conselho Constitucional pediu mais editais e atas à CNE, depois de a oposição reclamar irregularidades na votação. Mas esta quinta-feira (16.11) o órgão pediu mais tempo para entregar os documentos, alegando que o país "é vasto". A lei é clara: diz que a Comissão Eleitoral só pode validar os resultados com base nos editais.
Em entrevista à DW África, o investigador do CIP explicou o porquê deste atraso e garante que num "cenário normal" deveria "haver suspensões das pessoas que estão à frente das comissões distritais".
Investigador moçambicano acusa a CNE de violar a lei eleitoral Investigador moçambicano acusa a CNE de violar a lei eleitoral
"Há uma clara violação da lei eleitoral", diz à DW Lázaro MabundaFoto: Luciano da Conceição/DW
DW África: Porque acha que está a haver esta demora da parte da CNE?
Lázaro Mabunda (LM): A demora é porque o processo eleitoral foi muito desorganizado propositadamente pela própria Comissão Nacional de Eleições, composta por partidos políticos, maioritariamente por membros do partido FRELIMO.
Então, toda esta demora é porque todo o processo de votação foi sabotado, ou seja, houve falsificação de editais, de atas e isso está a dar muito trabalho ao Conselho Constitucional. Nunca o Conselho Constitucional, na história da democracia moçambicana, teve tanto trabalho assim, mesmo nas eleições gerais, de ter de analisar tantos processos de reclamação, de falsificação de editais como agora.
DW África: Portanto, segundo a lei, a CNE só deve validar os resultados eleitorais com base em editais. Estamos perante uma clara violação da Lei eleitoral em Moçambique?
LM: É uma clara violação da lei. Eu percebi a explicação do porta-voz daComissão Nacional de Eleições, na quinta-feira (16.11) a dizer que eles basearam- se em editais de apuramento intermédio que é feita a nível da província. Isso é verdade sim, há esse apuramento intermédio, mas também a própria Lei Eleitoral diz que o presidente da mesa de Assembleia de voto tem de comunicar os resultados à Comissão distrital de eleições, por via de edital, e a comissão distrital tem que, por via do mesmo edital, encaminhar esse resultado para a comissão provincial e assim sucessivamente. É esta a cadeia que deve ser seguida. Apesar de ser uma lei confusa, o que a lei não diz é se é o edital a partir da mesa que deve ser seguido ou se a partir da mesa deve-se emitir um outro edital que vai ser acompanhado por este edital da mesa.
O que o Conselho Constitucional está a fazer é pedir que esses editais das mesas sejam enviados para o Conselho Constitucional e a Comissão Nacional de Eleições não tem esse editais de mesa. Simplesmente recebeu os dados da comissão provincial de eleições e validou esses dados, como se fossem dados verdadeiros.
DW África: A CNE também alega, para justificar este pedido de extensão do prazo, que o território moçambicano é muito vasto. Acha que isto é uma alegação válida?
LM: Não. É muito vasto sim, mas em Nampula, por exemplo, os editais estão na comissão provincial e estão todos lá armazenados no STAE. Nampula tem três voos diários para Maputo. Aqui na cidade de Maputo não foi possível entregar dentro da hora, são alguns minutos para chegar à sede do STAE...
Percebe-se que mais de 70% dos [editais] que foram entregues são cópias, não são editais originais. E para onde é que foram os editais originais? Foram extraviados, é por isso que eles ficaram com cópias.
DW África: Perante tantas irregularidades, acha que há motivos legais para avançar com processos criminais e até anular estas eleições
LM: Num cenário normal de um Estado que funciona, que tem leis e as instituições funcionam, e não obedecem a comandos partidários, devia haver até suspensões das pessoas que estão à frente das comissões distritais.
Os tribunais mostraram [as irregularidades]. Os julgamentos que os tribunais fizeram, as estratégias dos tribunais, mostraram e até sugeriram que se abrissem processos-crime contra dirigentes desses órgãos, justamente porque há indícios fortes de ilícitos eleitorais.
Mas qual é o maior problema? É que as penalizações são muito encorajadoras, no sentido de que vale a pena cometer um crime eleitoral, porque as penas são muito brandas, muito brancas mesmo, e isso compensa.
DW – 17.11.2023