Senhor presidente devias, ontem, ter dedicado dois minutos para falar de Moçambique. Falaste de um outro país lindo, desenvolvido, no qual há um significante progresso no combate à corrupção e o número de pobres vai descendo como os preços dos produtos fora de prazo nos contentores dos nigerianos.
Podias ter falado, em dois minutos, de um Moçambique onde os mais pobres combatem o aquecimento global plantando árvores e os outros enriquecem suas famílias vendendo madeira e rubis. De um Moçambique feito de chefes que esperaram nos escritórios por ciclones para enriquecerem debaixo de relatórios e donativos.
O senhor presidente atraiçoou-nos ao falar de um país que não conhecemos. De um país no qual há consolidação da paz, há fábricas e há investimentos. Se calhar, senhor presidente, é por falta de luz em nossas casas que não conseguimos ver esse outro país que te ocupou ontem. Se calhar quando a energia da Cahora Bassa iluminar todas as nossas casas iremos abrir a televisão e ver esse outro Moçambique belo que apresentaste ontem.
Em dois minutos terias falado de um Moçambique onde jornalistas são caçados para serem enjaulados em caixões, de um Moçambique que consolida a democracia pirateando votos, de um Moçambique feito de tribunais que vestem a cueca do partido e por isso têm receio de serem totalmente transparentes para não vermos as suas vergonhas.
Falaste de um país que asfalta estradas todos os dias, de um país onde há água potável para todos, de um país que participa em eventos internacionais, de um país como bonitos programas de segurança alimentar, de saúde, de educação e de emprego. Podias, também, ter falado das famílias, em Cabo Delgado, que ontem eram servidas o pequeno-almoço por ONG’s internacionais enquanto falavas...
E não falaste de um Moçambique onde a PRM brinca de forma divertida ao “polícia e ladrão” com os raptores, de um Moçambique onde uma refeição por dia é mais aplaudida que a análise da macroeconomia, de um Moçambique que ergueu uma tenda para julgar as dívidas e hoje nem oferece um pedaço de tenda a quem não tem tecto.
Falaste de um país criou bases sólidas para crescer como um país competitivo, sustentável e inclusivo. E não falaste de um Moçambique feito pelo gasoso gás lacrimogéneo, de um Moçambique das eleições que devia ter parceria com agências funerárias para facilitar na recolha de gente inocente que é assassinada pela polícia nas ruas.
Em dois minutos, podias ter falado de um Moçambique dirigido pela força da PRM com auxílio dos seus cães e chambocos. De um Moçambique onde o crescimento económico mede-se pelo número de fatias que o pão aceita dar, de um Moçambique desvanecido que gastou dinheiro para construir um aeroporto em Gaza no qual, até hoje, só aterram pombos e enormes sombras de nuvens carregadas de bagagens de chuva.
Em dois minutos, podias ter falado de um Moçambique que todos os dias cai como a senhora que tropeçou à porta do parlamento. Mas, infelizmente, não tem a sorte de ser filmado.
Sérgio Raimundo - Militar