Antigos trabalhadores moçambicanos na extinta RDA insistem que a Alemanha tem responsabilidade sobre o pagamento de descontos efetuados durante o seu trabalho naquele país.
Mais de 20 mil moçambicanos trabalharam na antiga Alemanha do Leste (RDA). Na altura, auferiam apenas uma parte do seu salário, com a promessa de que o resto seria pago depois de regressarem à Moçambique, mas isso nunca aconteceu. Os "madgermanes", como são conhecidos em Moçambique, reclamam, há mais três décadas, o pagamento do que descontaram durante o trabalho na extinta República Democrática da Alemanha.
Na última terça-feira (05.12), durante uma visita a Moçambique, Katja Keul, ministra de Estado nos Negócios Estrangeiros da Alemanha disse que o seu país não reconhece qualquer dívida pendente com os "madgermanes". O Executivo alemão insiste que fez todos os pagamentos devidos ao Governo moçambicano.
Mas Sérgio Daniel Sitoi, um dos antigos trabalhadores da antiga Alemanha de Leste, não concorda com a posição alemã e diz que o patrão dos "madgermanes" é a Alemanha, que tem responsabilidades morais neste assunto.
DW África: Como avalia este posicionamento da Alemanha face ao assunto dos madgermanes?
Sérgio Daniel Sitoi (SDS): Está errado o que ela disse, porque nós sentimos que o Governo da Alemanha tem uma dívida connosco, sim. O Governo da Alemanha diz que nos pagou a dívida, mas nós não chegamos a receber nada, nadinha mesmo. Eu acho que eles pagaram a dívida para connosco à revelia dos "madgermanes". Os ditos "madgermanes" que somos nós aqui e nós não recebemos nada e muitos colegas já faleceram, atravessaram dificuldades e não tiveram dinheiro para ir ao hospital.
DW África: Daqui para diante, o que é que vai acontecer?
SDS: O que vai acontecer é que nós vamos continuar com as manifestações. Vamos fazer de tudo para que esse caso seja resolvido. Nós trabalhamos para o Governo da Alemanha, não trabalhamos para o Governo de Moçambique. O nosso patrão era o governo da Alemanha e nós não recebemos nada do nosso patrão, que é o Governo da Alemanha.
DW África: A Ministra explicou que todos os pagamentos anteriores a Moçambique relacionados com os "madgermanes", estavam em conformidade com os termos acordados entre os dois países, ou seja, será responsabilidade de Moçambique pagar, uma vez que agora a Alemanha diz que não tem nenhuma dívida com os trabalhadores da extinta República Democrática Alemã?
SDS: O que pode ter acontecido até que nós acreditamos na palavra do Governo alemão, porque nós não estamos a ver o Governo da Alemanha a mentir. O Governo de Moçambique até pode ter recebido o dinheiro e não nos deu nada. Ficamos a saber que o Governo da Alemanha pagou 300 milhões de dólares à razão de 20 mil dólares para cada "madgermane".
DW África: Os "madgermanes" continuam a marchar quase todas as semanas na capital moçambicana, Maputo. Como tem sido a vossa relação com o Estado moçambicano?
SDS: Governo de Moçambique não nos reconhece, muito pelo contrário, tem um ódio para connosco e não sei porquê. E a Alemanha tinha de ver isso porque o nosso patrão é a Alemanha não Moçambique. O nosso passado afeta o nosso presente e o nosso presente afeta o nosso futuro.Se a Alemanha não pensar em nós, vai ficar muito complicado. Agora a Alemanha continua a apoiar o Governo de Moçambique. Na verdade, aquele dinheiro que a Alemanha apoia ao Governo Moçambique vai para os bolsos dos governantes e a Alemanha está ciente disso. Mas continua a apoiar esse Governo e nós, os lesados, não somos vistos. Alemanha esqueceu-se de nós. Nós trabalhamos naquele país de uma outra maneira, fizemos uma parte da economia da extinta RDA, então que sejamos lembrados também, que se fizesse algo por nós, pode não ser aqueles valores que merecíamos, mas alguma coisa deve ser feita.
DW África: Embora tenha negado a existência de alguma dívida, a responsável alemã, que está de visita a Moçambique disse que o seu país irá fornecer apoio social aos "madgermanes", nomeadamente no reencontro entre os pais e as crianças que nasceram na Alemanha. O que é que tem a dizer sobre isso?
SDS: Sim, isso é muito bom. Eu apoio e agradeço porque esse apoio é muito importante.
DW – 07.12.2023