CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
No passado os cabritos comiam onde estavam amarrados, hoje os cabritos amarram-se onde podem comer. Nem a relva ruim escapa. Em suma: os cabritos são praticamente os mesmos, o pasto e o pastor é que são diferentes.
Conversa de viagem com alguns passageiros.
Estava em direcção à Ilha de Moçambique a convite de um velho amigo, quando, de repente, assustado pelo “enxame” de gente estacionada na boca do Património da Humanidade, indaguei: Muna (irmão na língua macua) Iampita, a que se deve a razão de toda esta vozearia na antecâmara do Património Humanidade se não estamos em ‘tempo de abastecimento’ ou de `cooperativas de consumo`?
Mas você muna pá, caramba, esqueceu que o grande problema da Ilha de Moçambique, além da cirurgia que fazem a sangue frio do seu património histórico e cultural, é a falta de água potável? Esta gente luta por uma gota de água potável, a mesma que todos os dias vai beijar o Índico, mas que serviria, também, quando bem aproveitada, para matar a sede e suprir às necessidades básicas destas populações. Isto é bem à nossa maneira moçambicana, as nossas riquezas nunca são verdadeiramente nossas, são sempre dos outros, ripostei.
Pensei que o meu amigo não se lembrasse da auto-avaliação que o poeta Armando Guebuza fez na Câmara dos deputados há pouco menos de 1 mês, e pelo próprio há menos de 15 dias também na Assembleia da República, no pretérito ano de 2011, rematando de seguida o seguinte: Muna, este deve ter caído de páraquedas, não consegue enxergar os reais problemas do povo, vê a realidade dramática do povo moçambicano em cor-de-rosa. Este, meu caro amigo, come sozinho e comerá sempre, até acabar os únicos dentes que lhe restarem na boca povoada de paleio verbal e falsas demagogias. Nenhum do mundo é cabalmente filantrópico a ponto de dar o que não tem, recordei ao meu interlocutor que respondeu com um murmúrio de difícil compreensão.
Como em muitas circunstâncias na vida, quando os factos vencem os argumentos, não há que gastar o latim em defesa da honra vencida. A melhor coisa a fazer, nestas circunstâncias, é congelar os argumentos contrários, solidarizando-se com a dor alheia. Não há maneira, contra factos não há argumentos, diz a filosofal grega. Então foi quando me calei, mas por pouco tempo, até visitar a parte insular da Ilha de Moçambique (com especial interesse para a fortaleza de São Sebastião e a Nossa Senhora do Baluarte) cuja corcunda caminha para o poente da hecatombe.
Não quis acreditar – como ainda não acredito – que este Governo onde desfilam nomes de sonantes de antigos combatentes da Luta de Libertação Nacional, alguns dos quais venero a ciência, que derrubaram o colonialismo português, não sejam capazes hoje de derrubar a guerra contra a destruição de um dos mais belos patrimónios do país e da humanidade em geral.
Eis uma pergunta para pensar: Até que ponto, caros leitores, a ganância pelo poder desvirtua um governante? Dá para pensar que países como Cabo- Verde e Japão, ilhas vulcânicas, têm como principal fonte de riqueza nacionais o património cultural, ao contrário do nosso país que a natureza abençoou com quase todas as potencialidades naturais. No nosso país, por incrível que pareça, o património cultural (salvo casos em que tal património é baluarte da história do partido no poder) é renegado ao último plano. Porquê? O tempo que é o maior professor explicará.
Sei que os meus textos são lidos em vários quadrantes do mundo (ainda bem que assim é), por isso peço condescendência ao amigo leitor, para que, no lugar de descrever a desgraça que se impõe sobre a Ilha de Moçambique, seja-me permitido a seguinte confissão extraída de uma lavra minha que não espero vir a publicar, por estas palavras: Ilha de Moçambique: O passado e o presente estão de mãos dadas.
A faixa e a placa que dizem “bemvindo ao futuro” há muito foram inauguradas. A sua gente é de uma magnitude de alma, a sua cultura é uma universidade de valores. Cada palmo de terra ensina-nos o que fomos, o que somos e o que queremos ser. A Ilha de Moçambique é um compêndio da natureza, sem igual, é também a maternidade do nome dado ao país: Moçambique. É este o meu paraíso, é aqui o meu lugar. Por ela, terra maravilhosa e de valentes homens, estou perdido e rendido de amor.
Em quase todos os períodos da nossa gesta, o destino de Moçambique passou por aqui. A nossa grandeza como país jamais será reconhecida no tribunal da consciência dos homens, mormente daqueles que velaram, velam e velarão pelo espólio do nosso passado comum, se não colocarmos a Ilha de Moçambique no pódio que verdadeiramente merece, o pódio dos mais belos monumentos de que a natureza, mãe em perfeito casamento com a inteligência humana, a construiu.
Estar na Ilha de Moçambique é uma sensação única e ímpar, porque o seu clima, a sua paisagem e a sua gente, repito, são um aconchego de alma.
Gostaria de concluir esta crónica citando o ínclito Professor José Hermano Saraiva O património não são só ruínas, não são só gravuras nos rochedos, são os rochedos. A paisagem uma vez destruída, nunca mais será reencontrada. E o meu apelo é este: salvem a Ilha de Moçambique para que Moçambique seja salvo da pobreza absoluta. Oxalá que este meu apelo encontre ouvidos em quem deveria, efectivamente, fiscalizar o progresso da Ilha de Moçambique e do país em geral.
‘Kochikuro’ (Obrigado).
PS: No fecho da crónica, na noite da passagem de ano, recebi uma sms de Quelimane informando-me da morte do amigo Dionísio Quelhas. Naquele momento o mundo parecia estar a acabar, não fosse o rápido consolo que recebi de alguns amigos que, vendo-me em soluços, abriram as comportas da alma e remataram a seguinte pedra filosófica A cólera de Deus ninguém consegue parar. Para morrer, basta viver. A última vez que falei com o Dr. Dionísio Quelhas foi para me enviar a pública carta contra a gestão da presidência do partido MDM, enfatizando a seguinte nota “Amigo Chaleca, temos problemas graves no MDM”. Aqui fica a minha homenagem e o meu profundo passamento à família enlutada.
WAMPHULA FAX – 13.01.2012