Por Edwin Hounnou
Manuel Jorge Tomé (1952-2024) conhecido nos meandros de amigos e de gente próxima por Manecas Tomé (MT), o músico Ndapota, embora os nossos pais fossem já amigos de longa data, nós (ele e eu) nos conhecemos nos campos de futebol, em 1969. Eu na bancada e ele na baliza dos juniores da Textáfrica, em 1969.
Era um atleta talentoso que teve uma rápida passagem pelo Textáfrica, como guarda-redes da equipa júnior, na qual também jogava Ângelo Jerônimo que chegou a capitão da selecção nacional. MT partiu para outras lides, como continuar com os estudos no então Liceu Pero de Anaia, na Beira. Depois da Independência, MT chegou a ser director do Centro Educational de Amatongas, no âmbito das nacionalizações dos centros pertencentes às instituições religiosas.
Em todas as frentes em que foi colocado, MT sempre se caracterizou pela humildade, diálogo e sempre disponível a aprender novas coisas, diferente de muitos dos seus correligionários que tudo fazem para dar a entender que jjá sabem tudo e nada mais têm para aprender.
Uma antiga sua professora de História na Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane disse-me que MT era um estudante brilhante, humilde e muito organizado. Quando eu ouvi falar que MT era inteligente e humilde, não fiquei nada admirado, pois, aquela era a sua maneira de ser e de estar.
Gostaria de me concentrar num aspecto que acho muito interessante que o caracterizava. MT não se escondia para falar ou abraçar alguém que não era politicamente da "malta".
Em qualquer lugar onde fosse abordado, não chamava o seu interlocutor para um canto longe dos olhares para evitar que de entre os seus correligionários não duvidassem que MT conversava ou era próximo de pessoas politicamente "inconvenientes".
Ainda me recordo de tê-lo abordado, em várias circunstâncias, nos corredores do Parlamento, na Rádio Moçambique e em outros lugares. MT nunca se esquivou nem nunca se envergonhou pelo "desalinhamento" político do seu interlocutor. MT era sempre igual a si mesmo. Não sabia fingir para estar com quem quer que fosse.
Esteve sempre disponível tanto em Maputo, assim como em Chimoio, cidade da nossa origem comum, para abordarmos quaisquer questões e de qualquer índole. Não tolerava injustiças viessem de quem quer que fosse. Não sabia dizer que as coisas estão bem quando, na verdade, estivessem erradas.
Nunca cheguei a notar em MT a mudar de face. Nunca virou a cara ou se esforçou para falar, conversar ou abraçar pessoas de pensamento diferente.
Nunca se preocupou se ficava mal quando estivesse a saudar, conversar ou saudar alguém politicamente "desalinhado" com o seu partido.
MT era diferente de muitos políticos da nossa praça que, quando se cruzam connosco que sempre discordamos de alguma forma como são conduzidos os destinos do nosso país, fingem como se nunca nos conhecêssemos de nenhum lado.
António Jorge Tomé, um dos irmãos de MT, professor de Educação Física na Escola Secundária Samora Machel do Chimoio, professor de um dos meus sobrinhos, filho da minha irmã. A mãe do meu sobrinho, foi acidentada mortalmente, em 2001.
Para minha surpresa, António Tomé teve o cuidado de levar a turma do meu sobrinho à nossa casa para, em fila, apresentar os pêsames ao seu colega. Eu nunca tinha visto um gesto igual. O senhor Jorge Inácio Tomé (pai de MT) conseguiu transmitir aos filhos uma invejável educação. Vi nisso um gesto ímpar e raro não só nos dias de hoje assim como no passado.
MT e os irmãos beberam bons ensinamentos do pai, as boas maneiras e a humildade que os caracteriza. Um outro episódio que vale a pena contar é o relacionamento do senhor Jorge Tomé, quando era chefe do Matadouro Municipal do Chimoio, com o meu irmão, Jorge Maria Baptista (médico veterinário, falecido em 2010), que era superior hierárquico do senhor Tomé.
Entre eles (o senhor Tomé e o meu irmão Jorge) mantinham uma relação quase de pai para filho e de bons amigos. O senhor Jorge Tomé confidenciou ao meu irmão que gostaria que, quando morresse, a sua urna fosse à última morada na viatura do Jorge Baptista.
Quando chegou o momento, MT foi à nossa casa a fim de se certificar junto ao Jorge Baptista o que sabia da vontade do seu pai. Exactamente, aconteceu como o senhor Jorge Tomé havia pedido. O caixão com os seus restos mortais do senhor Jorge Tomé foram na viatura do seu "filho", chefe e amigo.
Esse acto demonstra a humildade e simpatia do lado do senhor Jorge Tomé. O senhor Jorge Tomé sabia que, pela posição política do seu filho não faltariam viaturas de luxo para levar o seu caixão, mas preferiu que fosse num Land Rover que, muitas vezes, fazia trabalhos de campo. O senhor Jorge Tomé era um depositário de amizade, boa educação e humildade.
Um amigo me contou que o seu sobrinho ia se casar com a filha do Dr. Manuel Franque (juiz do Conselho Constitucional pela Renamo) e o padrinho do noivo era o Dr. David Aloni, deputado da Assembleia da República pela Renamo e chefe do gabinete de Afonso Dhlakama, presidente da Renamo. Só isso fez "assustar" alguns dos convidados do lado da Frelimo qou optaram por gazetar à cerimônia do casamento e ao copo de água, com medo que fossem conotados como amigos da Renamo.
MT não se fez de rogado. Foi ao casamento, dançou e conviveu à vontade. Não pensou que pudesse ser confundido como próximo da Renamo ou que tivesse alguma simpatia com os "ex-bandidos armados", como a propaganda do regime chamava à Renamo. Esteve à vontade, do princípio até ao fim. Não deixou de ser da Frelimo e nada lhe fez pensar diferente. Continuou "camarada" e os da Renamo continuaram "ex-bandidos armados". Nada, absolutamente, mudou na vida dele.
Se todos conseguirmos alcançar o nível de tolerância que MT havia chegado, poderemos construir um país aprazível para todos. Poderemos ter grande nação onde todos se sentiriam donos e senhores do seu destino e não precisaríamos de nos atrelar a ninguém para a nossa luz brilhar. Estamos mal porque faltam indivíduos com a postura e abrangência de MT.
VISÃO ABERTA - 29.03.2024