Por Afonso Almeida Brandão
O desemprego, que continua a aumentar, é a maior causa da pobreza em Portugal. No entanto, tem sido o grande esquecido nos debates eleitorais.
Segundo os últimos dados disponibilizados pelo INE, que são os de 2022, estavam no limiar da pobreza 10% dos empregados, 15,4% dos reformados e 46,4% (os homens 48,5%) dos desempregados. E um grupo designado por “Outros inactivos” (31,2%) estava na mesma situação.
Apesar de o desemprego ser a causa principal da pobreza no nosso país, não tem merecido praticamente qualquer atenção nos debates eleitorais. É como se não existisse desemprego no país, como se não fosse o principal problema que enfrentam centenas de milhares de portugueses e famílias.
Por isso, não é demais trazer novamente para o espaço público a situação de centenas de milhares de portugueses que enfrentam uma situação muito difícil (a maioria está totalmente desprotegida na pobreza), com dados divulgados pelo INE em Janeiro deste ano que mostram a variação trimestral do emprego durante o ano de 2023, relativamente às principais categorias profissionais.
A análise dos dados INE permite tirar algumas conclusões importantes sobre a situação de insegurança actual dos trabalhadores empregados no nosso país, visível nos altos e baixos do emprego das diferentes categorias profissionais ao longo do ano de 2023, segundo o próprio INE.
Assim, em relação aos “especialistas de actividades intelectuais e científicas”, o número de trabalhadores aumentou entre o 4º trimestre de 2022 e 2º trimestre de 2023, mas a partir deste último trimestre observa-se uma diminuição contínua, de tal forma que no fim de 2023 o seu número é inferior ao do 4º trimestre de 2022.
A instabilidade trimestral, embora tendo como referências trimestres diferentes, regista-se também em relação às categorias profissionais “técnicos e profissões de nível intermédio” (o seu número aumenta até ao 3º trimestre de 2023 verificando-se no 4º trimestre uma redução abruta), aos trabalhadores de “serviços pessoais, de protecção e de segurança”, cujo número diminui entre o 3º e 4º trimestres de 2023. Em relação às restantes categorias também se verificam oscilações de trimestre para trimestre.
Os Números Oficiais Enganam
Existem em Portugal duas entidades oficiais que divulgam dados sobre o desemprego. São elas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que tem os “centros de emprego”, e o INE. Mas nenhuma delas divulga dados rigorosos sobre a dimensão do desemprego pelas seguintes razões.
O primeiro — o IEFP — apenas considera os desempregados que se inscrevem nos centros de emprego. E há muitos desempregados que não o fazem porque já concluíram que os centros de emprego conseguem colocar muito poucos empregados em ocupações com remunerações muito baixas, próximas do salário mínimo, ou mesmo apenas empregos em que os patrões querem pagar só o salário mínimo nacional.
A segunda entidade que divulga dados sobre o desemprego é o INE, com base num inquérito por amostragem que faz trimestralmente, mas no número de desempregados que divulga não considera os desempregados que no mês em que o fez inquérito não procuraram emprego. Por isso, os dados que divulga não correspondem ao verdadeiro número de desempregados. Todos os desempregados que não procuraram emprego é como não existissem para o INE. A linguagem fria dos dados oficiais mostra a falta de consistência dos dados sobre o desemprego divulgados mensalmente pelo IEFP e depois publicitados pela comunicação social.
Se somarmos o número de desempregados inscritos nos centros de emprego em 1/1/2023 (307.005) àqueles que se inscreveram nos 12 meses de 2023 (561.895) obtemos 868.900. Se retiramos a este total aqueles a quem os centros arranjaram trabalho (91.832) restam 776.968.
Mas o IEFP divulgou que no final do ano de 2023 apenas existiam inscritos nos centros de emprego 317.659. E é este o número que a comunicação social divulga sem contraditório, como se fosse o desemprego verdadeiro. A pergunta que se coloca, e que não é esclarecida, é a seguinte: o que aconteceu aos 459.309 desempregados que desapareceram dos ficheiros dos centros de emprego? A falta de consistência dos dados do IEFP é evidente. Vejamos agora os dados do INE.
No último trimestre de 2023, o número oficial de desempregados divulgado pelo INE foi de 354,6 mil (no 4º trimestre de 2022 eram 344,2 mil). No entanto, se somarmos a este número oficial de desempregados — 354,6 mil — os desempregados que o próprio INE diz que não considerou, pelo simples facto de não terem procurado emprego no período em que o instituto fez o inquérito — 104,4 mil —, o total de desempregados efectivos em Portugal já sobe para 459 mil no fim de 2023.
Para além destes ainda existiam 146,5 mil que faziam “biscates” para sobreviver, pois não conseguiam encontrar um emprego a tempo completo, e 31,3 mil que já procuravam emprego, mas que ainda não estavam disponíveis para começar a trabalhar (muitos deles deviam estar em processos de despedimento ou a procurar um novo emprego pelo facto daquele em que estavam o salário ser muito baixo — 10% dos empregados estão no limiar da pobreza segundo o próprio INE — ou tinham condições de trabalho não aceitáveis).
Ao todo, para empregar os termos do próprio INE, existiam 636,8 mil trabalhadores subutilizados que podiam criar riqueza, mas que não o fazem por estarem impossibilitados, porque não conseguem encontrar trabalho.
Em Dezembro de 2023, apenas 39,5% dos desempregados (do desemprego real) recebiam subsídio de desemprego. Nesse mesmo mês o subsídio médio mensal era apenas de 585 euros, próximo do limiar da pobreza. Com este reduzido apoio, a pobreza alastra no país. Os desempregados mereciam uma atenção maior nos debates eleitorais, pois são uma camada da população muito desprotegida e esquecida.
Em suma: a quem interessa esta situação? Alguém põe em dúvida o que aqui analisamos de forma fria e real?