Por Afonso Almeida Brandão
Utilizando como fonte o Estatuto Remuneratório dos Deputados Portugueses para 2024, à Assembleia da República, aufere um salário bruto de 4.096,99 euros, deduzido de 204,85 Euros (redução a título excepcional de 5%), perfazendo um valor final ilíquido de 3.892,14 euros.
Tal representa 4,75 vezes mais do que o Salário Mínimo Nacional fixado para 2024, de 820 euros, e 2,7 vezes superior ao Salário Médio Nacional de 1.438,00 euros. Acrescem ainda abonos de tipo geral e específico que podem variar, sensivelmente e sempre por defeito, entre mais 5% e 20%, grosso modo entre 4.135,00 e 4.725,00 euros.
Utilizando o País vizinho (Espanha) como base comparativa, temos que o salário de um deputado português face ao de um deputado espanhol pode ser superior, mais ou menos equivalente ou apenas ligeiramente inferior, se bem que em Espanha o salário mínimo seja cerca 66% superior ao que é pago em Portugal.
Em Espanha, um deputado da Capital (Madrid) aufere sensivelmente 3.126,89 base + 958,75 de abonos = 4.085,00 euros total. Um deputado de outras províncias pode auferir 3.126,89 base + 2008,61 de abonos = 5.135,50 euros. O salário mínimo em Espanha em 2023 foi de 1.260,00 euros e o médio de 2.077 euros, pelo que os deputados daquele país auferem entre 3,2 e 4,08 vezes mais do que os trabalhadores com salário mínimo, e 1,97 a 2,47 mais quando feita comparação com o salário médio praticado.
Ou seja, o leque salarial dos deputados espanhóis face aos trabalhadores é inferior ao existente em Portugal. Num país mais rico, onde os salários dos cidadãos são mais elevados, os deputados espanhóis têm, comparativamente à média salarial do país, um salário mais frugal do que os deputados portugueses.
Concretizando outro exemplo, mais longínquo na geografia e na cultura nacional, na Suécia (os valores utilizados têm como base publicações de 2022) os deputados têm um salário na ordem das 67.000 coroas, equivalente a 5.960 euros mensais. Não existindo salário mínimo definido legalmente na Suécia, um trabalhador com um salário mais inferior pode receber 11.400 coroas, equivalente a 1.014,00 euros, e o salário médio pode variar entre 38.900 e 45.100 coroas, isto é, 3.462,00 euros e 4.014,00 euros. Tais números conduzem a que um deputado na Suécia possa ganhar mais 5,87 vezes do que o trabalhador com menor salário e entre 1,49 e 1,72 do que um trabalhador com um salário médio. Ou seja, na Suécia o leque salarial entre um deputado e um trabalhador com um salário médio é muito mais curto do que em Portugal (e também do que em Espanha).
E, por imperativos de síntese, passamos por cima de outras variáveis da vida dos deputados suecos marcada por uma vincada frugalidade, de que exemplificamos aqui apenas dois factos entre outras “curiosidades” que deveriam merecer a atenção dos deputados portugueses:
— Beneficiam de um passe apenas para utilização de transportes públicos;
— Os seus salários e benefícios não são determinados pelos próprios, mas sim por um comité totalmente independente dos grupos parlamentares.
Clarificada a realidade estatística, só nos resta classificar como uma enorme falta de vergonha e, até, eventualmente de ética, o que sucedeu recentemente na última sessão legislativa na Assembleia da República Portuguesa, antes da dissolução da mesma.
Apressadamente, e com uma união e unanimidade nada habituais naquele hemiciclo, os deputados de todas as bancadas aprovaram o alargamento das ajudas de custo a si próprios e aos vindouros, ou seja, legislaram em causa própria.
Como se já não bastassem, as ajudas de custo existentes por cada dia de presença em sessão plenária, de comissões ou outras reuniões convocadas pelo Presidente da Assembleia, a partir de 1 de Janeiro de 2025 e com rectroactivos a 1 de Agosto de 2023, os parlamentares portugueses vão também usufruir de ajudas de custo por presença em subcomissões, grupos de trabalho e reuniões realizadas pelos grupos parlamentares.
Está-se mesmo a ver que as agendas vão estar muito bem preenchidas, atendendo a que o valor em causa é de 70 euros dia para os deputados que vivem fora da área metropolitana de Lisboa e cerca de um terço daquele valor para os que vivem dentro daquela mesma área metropolitana.
Um Fartar Vilanagem!
A este propósito, lembremos que só agora um professor adquiriu a possibilidade de um apoio à renda de casa de 200 euros se leccionar em escolas num raio superior a 70 kms da sua residência base. Mas subsídios ou ajudas de custa para deslocações, nada!
A Assembleia da República assume-se como um país diferente dentro de outro país!
Alguém imagina as empresas do sector privado a pagar ajudas de custo aos seus funcionários por participarem em reuniões departamentais, grupos de trabalho internos ou eventos inter-empresariais?
Os deputados portugueses esqueceram, pois, as suas diferenças e quezílias, atento o benefício comum de que são alvo… por decisão própria.
À esquerda, o Livre, PCP e Bloco olvidaram facilmente o operariado e os grupos sociais desfavorecidos. O PAN valorizou desta feita o ser humano em detrimento do animal.
À direita, a IL despiu a farda liberal e o CHEGA foi atacado por súbita amnésia no que concerne ao seu discurso anti-sistema, diminuição substancial do número de deputados e redução de 12,5% do salário base dos deputados, proposta apresentada por este partido no início de 2020 e não aprovada. Do PS e PSD não «reza a história», pois têm sido “os glutões” do sistema desde sempre.
Mais uma vez, os Políticos Portugueses dão um péssimo exemplo à nossa Sociedade, justificando a cada vez maior desconfiança dos cidadãos face aos mesmos e o número sempre crescente de abstencionistas.
Não teria sido mais proveitoso que os Deputados tivessem aproveitado os últimos dias de funcionamento da Assembleia para discutirem e aprovarem medidas no sentido de facilitarem e normalizarem o voto dos portugueses emigrados, sabendo-se que nas últimas Legislativas de 2022 150.000 votos foram deitados para o lixo por desleixo organizativo?
Ou a quem não interessa que os Portugueses que fogem do País para sobreviver, especialmente o terço dos jovens qualificados, exerçam o seu direito de voto? Ou estamos enganados...?
Em S. Bento perdeu-se totalmente a vergonha!