É um livro que está a causar várias inquietações aos entendidos na matéria e “investigadores puros” do mediatizado escândalo em Moçambique. Em causa estão as revelações de Jean Boustani que em 2021 havia avançado que iria publicar um livro sobre os contornos do escândalo que abalou o País nos últimos anos.
No livro, Boustani revela que a Privinvest por regra não adianta taxas a intermediários para desbloquear um arquivo, para eliminar qualquer risco de suborno. “Pagamos depois, quando estiver assinado. Neste caso, não estávamos a falar de um contrato normal, mas sim de um casamento entre a Privinvest e Moçambique. Edifícios tiveram que ser construídos e equipamentos instalados”, explica Boustani.
Segundo revela Jean Boustani, “convidei o governo de Moçambique a visitar Abu Dhabi e a Alemanha para visitar os nossos locais de construção. Tinha confiança nas nossas capacidades, os moçambicanos tinham que ver do que éramos capazes. A organização foi bastante complicada, mas em dezembro de 2011, uma delegação veio a Kiel, na Alemanha. O filho do Presidente, Armando Ndambi Guebuza, esteve na viagem, bem como António do Rosário, chefe da inteligência económica, e Teófilo Nhangumele. Acho que eles ficaram impressionados. A certa altura, surgiu uma questão legítima: quem, além da Privinvest, poderia fornecer esta oferta global, incluindo navios, radares, sedes? Os meus colegas alemães, com total transparência disseram que era a americana Raytheon. Como o grupo norte-americano tinha instalações na Alemanha, a Privinvest organizou uma visita para os moçambicanos.”
Boustani conta que na reunião que teve com o então Presidente da República Armando Guebuza, abordou sobre a questão de pagamentos aos envolvidos no projecto, mas este disse-lhe: “Senhor Boustani, estamos a falar de um grande projecto estratégico. A minha resposta é simples: ninguém, nem eu nem qualquer outro funcionário moçambicano, está autorizado a receber um cêntimo para avançar como deveria. Se alguém te pedir dinheiro, recuse e venha falar comigo. Duas horas depois dessa reunião, a administração me ligou, o processo começou a ser resolvido.”
“Finalmente, no dia 18 de janeiro de 2013, foi assinado o contrato da ProIndicus, relativo à vigilância da zona económica exclusiva. Finalmente estávamos começando a trabalhar. A ProIndicus era uma empresa controlada 50% pelo Ministério da Defesa e 50% pelos serviços de inteligência. Iskandar Safa veio a Moçambique no mesmo mês em que conheceu o Presidente. Guebuza avisou Iskandar Safa que iria pedir às autoridades dos Emirados um parecer oficial sobre a Privinvest. Foi durante este encontro que nasceu a ideia de uma visita do Presidente Guebuza às nossas instalações em Cherbourg, Constructions Méchaniques de Normandie. Para ele, foi também uma oportunidade para relançar a sua relação com a França, que tem fronteira com Moçambique, uma vez que as Ilhas Dispersas, que ficam no Canal de Moçambique, pertencem à França. Duas semanas depois, em 25 de fevereiro, foi assinado o contrato de empréstimo entre a ProIndicus e o Crédit Suisse (…)”, explica Boustani.
Já no quinto capítulo, Jean Boustani desmente a narrativa de que as dívidas eram ocultas, tendo dito o seguinte: “ao contrário do que o FMI alegaria mais tarde, não havia dívida oculta e, portanto, não foi a ‘descoberta’ de um buraco de 2 mil milhões de USD que empurrou Moçambique para o incumprimento. As instituições internacionais, os bancos privados e os investidores que subscreveram a dívida moçambicana sempre foram informados dos projectos conjuntos do governo e da Privinvest.”
Boustani conta que “para piorar a situação, factores políticos internos complicaram um pouco mais as coisas. Em outubro de 2014, os moçambicanos votaram nas eleições legislativas e presidenciais. A Frelimo, o partido no poder desde a independência, venceu ambas as eleições, mas a Renamo estava a fazer grandes progressos. O seu líder histórico, Afonso Dhlakama, recebeu 37% dos votos (contra 16% em 2009). O partido obteve 89 assentos na assembleia, mais 38 do que na legislatura anterior (…) além disso, o novo presidente, Filipe Nyusi, comprometeu-se a afastar o seu antecessor, Armando Guebuza. O acordo implícito entre os dois homens era que Guebuza renunciaria à presidência em favor de Nyusi, até então Ministro da Defesa, para assumir a liderança do partido (…) mas, houve subitamente uma espécie de golpe de Estado e o Presidente Guebuza foi afastado da liderança do partido. A partir daquele momento em diante, infelizmente, tudo relacionado com Guebuza complicou-se, incluindo os contratos com a Privinvest assinados sob a sua presidência.”
“A administração fez uma campanha dissimulada de sabotagem contra os projectos, o que considero vergonhoso, pois eram contratos para um país e não para uma pessoa, para Moçambique e não para Guebuza”, diz Boustani.
De acordo com Boustani, “o Presidente Nyusi procurou uma forma de aliviar este fardo. Ele conversou sobre isso com a Privinvest, Credit Suisse e o banco VTB. Adriano Maleiane, Ministro das Finanças de Moçambique, nomeado Primeiro-ministro de Moçambique em 2022, conheceu a Palomar, a nossa subsidiária financeira. Procurava uma solução para reestruturar as dívidas da ProIndicus e da Ematum. Tudo isso foi feito de forma transparente. Houve discussões, telefonemas, e-mails e memorandos sobre essas dívidas, que mais tarde teriam sido ocultadas. É logo após a reestruturação da dívida que começa a mentira. O Ministro das Finanças, Adriano Maleiane, assinou assim um acordo de reescalonamento, um ‘prospecto de eurobonds’, em linguagem técnica, que cobre toda a dívida de Moçambique, incluindo a da MAM e da ProIndicus. Os bancos VTB e Crédit Suisse estão informados, obviamente. Posteriormente, em março de 2022, Adriano Maleiane tornou-se Primeiro-ministro de Moçambique, o que não impediu que o governo continuasse a afirmar que a dívida estava escondida! Mas qual?”
Contudo, Jean Boustani entende que houve sabotagem interna do “grande projecto” desenhado pela administração do Presidente Guebuza que se inspirava nas mudanças profundas do Príncipe dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e a acção maléfica dos grandes players globais controlados pela administração americana que não viu com bons olhos os avanços que o então País mais pobre do mundo estava a dar.
INTEGRITY - 28.05.2024
PS: Leia na integra aqui: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2024/05/a-armadilha-assuntos-africanos-quem-nunca-deveria-ter-falado-testemunha-porjean-boustani-e-erwan-sez.html