Por Afonso Almeida Brandão
Depois da morte do jovem imperador, a 1 de Abril de 1922, fez este ano 102 anos, a viúva Zita, grávida e com sete filhos nos braços, faz as malas e segue para Espanha. É Afonso XIII quem lhe dá a mão, oferecendo-lhe asilo em Madrid. É no Escorial que acaba por nascer a ultima filha, Isabel, numa casa que já fora deles.
Daqui seguem para o país basco, onde a jovem imperatriz, que até ao dia da morte não mais tirou o luto, educa e prepara o filho primogénito para um eventual regresso ao trono.
Alguns anos mais tarde, a convite do Rei Leopoldo da Bélgica, fixam morada no Castelo de Steenokerzeel, perto de Bruxelas. O jovem arquiduque, junto com a irmã Adelaide, formou-se na Universidade Católica de Lovaina, em Ciências Políticas.
Depois de concluídos os estudos, segue para Berlim fazer pesquisa para a sua tese de doutoramento, que versava sobre “Os direitos do campesinato na Áustria”, uma espécie de reforma agrária “avant la lettre”.
Estamos em 1932, com Adolfo Hitler já muito perto do poder, o qual, tal como Herodes com Jesus, não perde tempo e imediatamente o convida para uma audiência.
Fora o filho do Kaiser Guilherme, uma estrela ascendente na hierarquia militar, quem intermediara esse encontro. O seu pai, a troco de ter abdicado, evitou o exílio e conseguiu manter intacta parte da fortuna. Exactamente o contrário do seu aliado austríaco que, não tendo abdicado, morreu na miséria.
O jovem arquiduque por duas vezes recusou a solicitada audiência, não por que tivesse medo de ser influenciado, mas tão simplesmente para não dar esse trunfo ao Führer, que seguramente faria desse encontro notícia de primeira página e um factor importante na sua máquina de propaganda.
Mas não resistiu a assistir a um comício do Führer, ao qual também compareceram um grupo de arruaceiros comunistas, com o propósito de desestabilizar a manifestação. No final foram eles os primeiros a levar Adolf Hitler em ombros.
Pouco tempo depois, a 30 de Janeiro de 1933, Hitler toma o poder e o jovem arquiduque, nessa altura com apenas 22 anos, regressa rapidamente a Bruxelas. Aí acaba o seu doutoramento “avec la plus grande distinction”.
Daí em diante, e até 1938, Hitler intensifica a pressão sobre a Áustria. O chanceler Dolfuss é assassinado em 1934, mas o golpe final falha. Sucede-lhe Kurt von Schuschnigg, igualmente antinazi que consegue resistir à besta nazi até ao fatídico dia 11 de Março de 1938, data em que os blindados de Goering atravessam a fronteira em Salzburgo.
O chanceler austríaco é alvejado na chancelaria e deixado três horas a agonizar até morrer; pouco depois, a 15 de Março, Hitler profere o famoso discurso no balcão do Hoffburg. A Áustria deixara de existir (o México foi o único país que levantou um protesto).
Poucos dias antes do Anschluss o valente arquiduque ainda endereça uma carta ao Chanceler Schuschnigg manifestando a sua disponibilidade para voltar. Proposta liminarmente recusada pelo chanceler, que lhe disse ser o arquiduque muito mais precioso no estrangeiro que na Áustria, onde seria imediatamente preso e executado. Anos mais tarde o arquiduque haveria de admitir que fora o dia mais triste de toda a sua vida.
A sua cabeça já fora colocada a prémio por Hitler, há vários anos, com ordens dadas a todos os militares para o abaterem sem mais delongas, onde quer que o vissem, naquilo que se chama em gíria militar “shoot on sight”.
Seguem-se os vergonhosos acordos de Munique e a invasão da Checoslováquia. Um ano mais tarde, a 1 de Setembro de 1939, com a invasão da Polónia, começa a II Guerra Mundial. Quando a Europa acordou, já foi tarde!
Alguns meses mais tarde Hitler invade a Bélgica e a família imperial escapa por um triz a um batalhão de paraquedistas que cerca o Castelo de Steenokerzeel. Foram avisados pelo Rei Leopoldo, 30 minutos antes do assalto, e mal tiveram tempo de fazer as malas.
Daí seguem para Paris, cidade deserta e abandonada, onde o arquiduque, segundo me relatou, ouvia os seus próprios passos. Os franceses estavam em fuga para o sul. Ele e o irmão andavam de embaixada em embaixada, procurando vistos para dezenas de passaportes que lhes haviam sido confiados.
Sobretudo judeus, desesperadamente necessitados de entrar na Península Ibérica, cujas fronteiras permaneciam abertas. Foi nessa altura que conheceu Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, o qual, só entre Maio e Junho de 1940, passou para cima de 30.000 vistos, segundo consta.
Foi também por esses dias que os jovens arquiduques entram no Jorge V em Paris para almoçar. O elegante hotel estava vazio, mas o “Maître”, que de imediato o reconheceu, foi buscar o Livro de Honra, que o jovem arquiduque assinou.
Alguns anos mais tarde, já depois de acabada a guerra, o arquiduque voltou ao mesmo local, encontrando o mesmo “Maître”, que mais uma vez foi buscar o mesmo livro. Qual não foi o seu espanto, quando ao folhear o livro, se deparou com a assinatura do General alemão que ocupa Paris, logo depois da sua.
Segue-se a vinda para Lisboa, nesse Verão de 1940. Poucos dias depois de chegar a Lisboa, o embaixador alemão liga para Salazar, dizendo-lhe que acabara de atravessar a fronteira um perigoso criminoso de guerra, exigindo, portanto, que fosse imediatamente entregue às autoridades alemãs.
Salazar liga para o arquiduque e diz-lhe apenas isto: “Por amor de Deus, meta-se já num avião porque a última coisa que eu quero é entregá-lo aos alemães”.
E assim, poucos dias depois está em Washington, frente a Roosevelt, a quem descreve a desesperada situação de dezenas e dezenas de judeus em fuga, instalados precariamente em hotéis na costa portuguesa, entre Setúbal e Figueira, à espera de um visto americano para poderem seguir viagem.
Resposta impiedosa do Presidente americano: “Let Hitler keep them, we already have enough jews over here!”.
Acto continuo mete-se num avião rumo à América Central, onde num espaço de 15 dias consegue vistos para todos. Não foi difícil, pois a grande maioria tinha formação académica e técnica, da qual todos esses países estavam sedentos.
Passa toda a II Guerra Mundial nos Estados Unidos e consegue evitar que a Áustria permaneça integrada na Alemanha, como pretendia a maçonaria internacional, já a pensar no pós-guerra.
Com o fim da guerra regressa à Europa e, em 1955, casa em Nancy com uma princesa alemã. Desse casamento nascem seis raparigas e dois rapazes, o mais velho, Karl, casa com a filha do milionário Tyssen. Fixa morada perto de Munique, na Villa Austrália, cujo nome muda rapidamente para Villa Áustria.
Só em 1964 é autorizado a entrar na Áustria, ele que tudo fizera para que esta não desaparecesse do mapa. Em 1980 entra para o Parlamento Europeu, como deputado independente pela CDU (não confundir com a nossa CDU).
Por volta de 1980 em plena crise dos mísseis “Pershing”, que os governos socialistas da Alemanha se recusavam a instalar na Europa Ocidental para fazer frente aos “SS” soviéticos, leva uma delegação de jovens deputados a visitar o cemitério da Normandia onde estão dezenas e dezenas de campas com soldados americanos tombados em solo europeu para nos garantir a liberdade, seguindo depois para Berlim, para completar a lição, frente ao muro de Berlim.
Fica cerca de 20 anos no Parlamento Europeu, onde manda colocar seis cadeiras vazias, que representavam precisamente os países que ficaram do lado de lá da fronteira da liberdade, dando-lhes deste modo a entender, que a Europa democrática não se esquecera deles. Em 20 anos não faltou a uma única sessão.
Pouco antes da queda do muro é convidado para assistir a uma convenção fantoche na Alemanha de Leste, no que ele considerou uma desesperada tentativa de polir a imagem no estrangeiro. Faz a viagem para leste e fica instalado num modesto hotel em Dresden. Aí chegado é informado que estava anunciada uma manifestação de jovens opositores ao regime. A manifestação era ilegal e a polícia fora autorizada a disparar.
Com manifesta indiferença pela sua segurança, resolve assistir e vem para a rua depois do jantar. Mete conversa com um grupo de opositores acabados de sair de uma das mais temíveis prisões da Alemanha de Leste. Quando lhes questiona pelas condições de detenção e pelos guardas maioritariamente russos, eles respondem que as condições nem eram assim tão más, nem os guardas tão cruéis. Com uma excepção. Um jovem oficial dos serviços secretos. De seu nome Vladimir Puttin, nessa altura estacionado na Alemanha de Leste. Desse, todos deram um sombrio testemunho.
O Arquiduque viveu até aos 99 anos. Morreu em Junho de 2011. Faz dentro de dias 13 anos que faleceu. A sua mulher morrera um ano antes e todos os dias ele perguntava por ela ao pequeno-almoço. Finalmente juntou-se-lhe. Paz à sua Alma de Eleição!