Por: Roberto Tibana
* Fisiognomomia: “Suposta arte de conhecer o carácter humano pelas feições do rosto”
* Fisionomia: “1. Traços do rosto; feições; cara; semblante; 2. Aparência”
(Dicionário de Língua Portuguesa, Plural Editores/Porto Editora, 2015)
É evidente que a Frelimo e a RENAMO são irmãos siameses: quando nos finais dos anos 70 nasce a Frelimo comunista, também nasceu o Movimento de Resistência Nacional. E apesar das transmutações que se seguiram, por tudo o que vimos sabe-se que ambos partilham a mesma alma militarista e ditatorial. Hoje essa irmandade está personificada nos conluios entre as cúpulas das duas organizações, cujos líderes máximos se converteram em “donos” em vez de líderes das mesmas, e se coordenam sistematicamente para cada vez mais destruírem os alicerces infelizmente ainda frágeis de liberdades e democracia que custaram sangue de inocentes. O primeiro passo para isso tem sido a negação de qualquer democracia interna nas suas próprias organizações.
Hoje não se discutem opções de estratégias de desenvolvimento. Não se discutem os modelos institucionais mais adequados. Não se discutem as soluções dos problemas profundos da pobreza e desigualdade. Não se discute como vamos tirar a saúde e a educação do buraco fundo da má administração e falta de financiamento adequado. Não se discute sequer como melhor acabar com os conflitos internos e defender a soberania nacional.
Hoje o que se discute são personalidades, incluindo na base da sua fisionomia, fisiologia e qualidades afins ( é calmo, fala pausadamente, é humilde – como se a “humildade” daquele que subiu as montanhas de Gorongosa para ir ter com o adversário tivesse feito a diferença aos destinos da nação para além de neutralizar esse adversário e posteriormente co-optar a oposição).
Porquê? Porque há muito que essas organizações e lideranças perderam o foco nos problemas fundamentais do país. E também porque lhes convém que assim seja.
À Frelimo convém porque as suas políticas e práticas governativas falharam redondamente, e por isso quanto mais longe disso o debate se situar, melhor. À Renamo convém porque ela nunca teve políticas e práticas coerentes de oposição construtiva e alternativa de governação. A ambição da cúpula da Renamo tem sido conseguir ganhar para governar com as mesmas regras e práticas como a Frelimo. Foi por isso que em todas as negociações depois das que levaram aos acordos de Roma a Renamo nunca colocou na mesa de modo sério e convincente uma verdadeira reforma constitucional. E a maioria dos seus deputados na Assembleia da república se acocoraram aquelas posições somente como fonte de sobrevivência pessoal e familiar, evitando qualquer debate sério, eficaz e público com receio de que pudesse colocar as suas posições em sobrevivência em causa a partir mesmo de dentro do seu partido. Muitos até se alegrariam de serem cooptados pelo partido no poder como "sinal de inclusão".
E a desilusão e desespero dos moçambicanos tornou-se tão grande que facilmente as pessoas estão a deixar-se levar pela narrativa das mudanças por via de personalidades (uma narrativa admiravelmente alimentada mesmo por analistas de respeito nas televisões e redes sociais – quão eficaz tem sido a “máquina” ...).
Tomemos o caso da Frelimo depois (depois!) da sua decisão final atabalhoada na indicação do seu candidato presidencial. Todo o esforço está a ser feito para se fazer as pessoas acreditarem que com ele as coisas vão mudar. Mas isso é uma falácia. E que fique claro desde já que não se trata aqui de pôr em causa as suas qualidades pessoais e capacidades ou experiência governativa do putativo. Virei a isso mais adiante. O assunto aqui é que o problema que os moçambicanos têm é com a “máquina” da Frelimo e a maneira como ela tem conduzido os destinos da nação moçambicana.
A Frelimo é uma organização corrupta que promove a corrupção institucionalizada do Estado. A Frelimo é uma organização que se tornou antidemocrática que promove a ditadura em Moçambique. A Frelimo é uma organização cujas políticas e modo de governar se desviou há muito tempo daquilo que são os interesses nacionais e da maioria dos moçambicanos. A Frelimo é uma organização sectária que promove a exclusão de todos os que a ela não pertencem a não ser quando pretende cooptá-los e eles a isso acedem. E o grande problema é que o actual candidato da Frelimo a Persidente da República, como mebro da Frelimo não vai poder dirigir o Estado de outra maneira senão como a organização o tem vindo a fazer. Portanto, o foco não deve ser na pessoa do candidato.
Explico-me mais:
1) O actual candidato presidencial nem é membro da Comissão política da Frelimo, e só vai participar nela por inerência da sua condição de candidato e futuramente (se lá chegar) de presidente da República. O actual Presidente da Frelimo é dirigente da Comissão política, o órgão que dirige e aprova tudo em Moçambique (até a indicação para a nomeação de alguns diretores nacionais e dirigentes de empresas públicas). Mesmo que ele ganhe as eleições, o seu conselho de Ministros vai ter que ser aprovado pela Comissão Política da Frelimo, dirigida pelo actual presidente do partido e composta por todos aqueles que protagonizaram o espetáculo vergonhoso que assistimos nos últimos dias.
2) Os vícios da má governação da Frelimo estendem-se desde a esfera nacional até ao bairro e quarteirão. Seria preciso mudar tudo (em termos de mentalidade e modo de fazer as coisas) desde o topo até à base. Não sendo dirigente da máquina partidária da Frelimo, o putativo Presidente da República pela Frelimo não teria campo de manobra para fazer isso. E mesmo se (seguindo a prática anterior) ele viesse a tornar-se presidente da Frelimo, isso só pioraria a situação das suas amarras ao partido e não aos interesses da nação.
O problema não está no indivíduo, mas sim na organização e nas teias que construiu.
Assim, por muito competente, humilde e dedicado que ele seja, o actual candidato da Frelimo a Presidente da Republica não terá condições para governar com eficácia e foco no interesse nacional.
Por tudo isso, o mito das personalidades é outro com o qual se pretende adormecer a sociedade que devia ter acordado há muito tempo depois de se desmoronar o mito do homem que já disse ter todos os moçambicanos no seu coração.
Algumas garantias os moçambicanos teriam que ter de que o actual candidato da Frelimo a Presidente da República será um dirigente que a maioria dos moçambicanos querem (não somente o querido pelos militantes zelosos da Frelimo). Essas garantias existiriam nas seguintes condições:
1) Se a sua escolha como candidato tivesse resultado de um debate político dentro da Frelimo em que ele expusesse as suas ideias sobre o que ele acha e pretende da organização em nome da qual ele pretende governar o país, e se esse debate tivesse sido transparente tanto para os militantes da Frelimo como para a sociedade. Isso não aconteceu.
2) Se os estatutos da Frelimo garantissem que ele tivesse ou venha a ter alguma influência na reorientação do modo de ser e de agir da organização – o que não dão pois ele é um simples membro do Comité Central e o seu peso específico nas decisões da Frelimo formalmente termina aí, e quanto ao resto ele só cumpre missões, incluindo essa de ser candidato presidencial (de acordo com as declarações do próprio depois da sua indicação como candidato).
3) Se os estatutos da Frelimo garantissem que ele como Presidente da organização poderá agir verdadeiramente nos interesses da nação mesmo que estes fossem contra os interesses das oligarquias e das máfias dominantes do partido a que pertence – o que não será possível, pois ele terá que agir por instruções da Comissão Política que ele não dirige e da qual possivelmente só irá fazer parte por “inerência de funções” no Estado como fazem com o Primeiro Ministro e o/a Presidente da Assembleia da República.
4) Se ele tivesse um histórico publicamente conhecido de luta interna dentro do seu próprio partido que demonstre que ele é contra as más políticas e práticas e tem alternativas para combater práticas criminosas, antidemocráticas e mafiosas promovidas pela organização a que ele pertence, e que a sua ascensão a candidato presidencial significa o triunfo dessa linha que ele projectaria para a nação inteira. Pois para dirigir o país não basta ser uma “ilha de competência, honestidade, humildade... etc.), muito menos tendo em conta a maneira como a Frelimo funciona e dirige o Estado.
O último ponto (4) acima leva-me ao fim ao mesmo tempo que me remete ao título desta escrita: “ SE OS MOÇAMBICANOS TIVEREM QUE IR POR “GIGANTES” ... O VENÂNCIO MONDLAME OMBREIA MAIS DO QUE A FISIOGNOMOMIA E A FISIONOMIA SUGEREM”
Eu avalio que o Venâncio Mondlane da Renamo ombreia com com umas polegadas acima do candidato da Frelimo. Explico-me (e somente me limitarei a tres aspectos muito importantes embora haja mais):
- Contrariamente ao candidato da Frelimo, a chegar lá, o Venância Mondlane chegaria à candidatura para a Presidência da República depois de se ter forjado num confronto em que enfrentou o estabslishment conservador dentro do seu partido e vencido (melhor se convencido), tendo aceite correr todos os riscos inerentes à luta poética. Nisso, ele deu uma grande lição de cidadania, pois os desafios que ele levantou aos seus pares ultrapassam os limites do seu partido. O Venâncio Mondlane não somente lutou (e luta) pelos seus direitos dentro da Renamo, como lutou (e luta) pelos direitos dos seus colegas (mesmo daqueles que o vilipendeiam) e de toda a sociedade. Isto porque as violações estatutárias dos partidos são uma ilegalidade porque por lei os partidos políticos devem ser democráticos e a Constituição define os partidos políticos como uma das vias principais para os cidadãos exercerem os seus direitos democráticos. Por isso o Venâncio Mondlane daria confiança aos moçambicanos de que não iria pactuar com tendências ditatoriais ou corruptas, e que estaria disposto a transformar e modernizar o seu partido para que seja um verdadeiro instrumento de participação democrática e diversificada dos moçambicanos na decisão e gestão dos destinos da nação. Mesmo que ele não ganhasse a corrida a candidatura para presidente da Renamo (o que nem seria necessário e essencial para ser candidato a Presidente da República por aquele partido), a sua postura publicamente conhecida, contra todos os riscos pessoais, a priori garante aos moçambicanos que ele nunca ou muito dificilmente sucumbiria a pressões das forças conservadoras do seu partido no que respeita a matérias de interesse nacional.
- O Venâncio Mondlane, com a sua experiência de Deputado e registo de intervenções e actividades na Assembleia da República, ganhou conhecimento e experiência de como funciona um dos centros decisórios mais importantes no país, conhece os seus defeitos e as necessidade de reforma. Com um bom aconselhamento e uma boa iniciativa legislativa, ele pode propulsionar uma reforma constitucional há muito necessária no país, e fazê-lo com conhecmento de causa.
- O Venâncio Mondlane sabe que não é uma pessoa 100% perfeita e ao gosto de todos, e sabe que tal coisa não existe. A sua coragem de se expor publicamente tanto nas suas fraquezas como nos seus pontos fortes é a medida suprema de honestidade, e ruma em direção oposta aos que, seguindo as forma mais maquiavélicas de ascensão e exercício do poder são mantidos (ou sem matêm) debaixo do radar, escapando ao escrutínio público das suas ideias e visões, modo de ser e atitudes, para depois nos surpreenderem quando não teremos nenhuma maneira de alterar as escolhas fraudulentamente induzidas.
O que falta para a sociedade moçambicana ter o que deseja?
Na minha opinião faltam três coisas:
- Os moçambicanos deixarem de viver feitos cegos e ensurdecidos pelos mitos propalados pela Frelimo somente para sustentar e perpetuar as suas oligarquias;
- A Renamo enxergar que existe um interesse nacional supremo e que a sua existência e relevância nacional depende de uma tomada de uma decisão que prometa aos moçambicanos que a organização está a virar a página e a olhar para a frente e não para o passado.
- Os militantes da Renamo perderem a ilusão de que um dia chegariam ao poder sem colocar em causa e de maioria efectiva e assertiva as actuais regras de jogo, e de pensar que poderiam governar com as mesmas. Debalde. Somente uma minoria nos seio deles continuaria a beneficiar das benesses da Frelimo.
Se a Renamo: 1) colocar a pessoa certa (neste caso no meu ver o Venâncio Mondlane) como candidato Presidencial para as eleições de Outubro; 2) rapidamente formular e apresentar ao público um programa sucinto mas claro de governação do país que olhe para a frente e apresente soluções e não se limite a critica o passado e a diagnosticar o presente; e 3) imediatamente virar-se para massivamente organizar as bases para o controlo da máquina da fraude (uma batalha hercúlea mas não impossível de ganhar, sobretudo se souber fazer alianças dentro e fora de círculos partidários) ... se a Renamo enxergar e fizer isto, não sairia totalmente unida do seu Congresso (a Frelimo também saiu muito dividida do seu “pseudo-Congresso” deste fim de semana). Mas sairia certamente muito mais fortificada e capaz de fazer história venha Outubro 2024.
Eu já disse vaticinei que os moçambicanos não querem sair da frigideira para cair no fogo.
Na teoria de jogos, a dificuldade maior dos comparsas par salvar a pele ou minimizar a pena consiste em saber o que o outro na cela ao lado está a dizer aos policiais que lhes prenderam: está a confessar ou não? E se ele confessar e eu negar o que me espera?
Nesta analogia, a Renamo tem a vantagem de que o comparsa já falou e mentiu (a Frelimo continua a querer enganar o povo com um candidato meio anónimo empacotado na última hora). A Renamo pode "confessar", "arrepender-se", mostrar vontade de mundança e assim receber uma pena menor ou a soltura, venha outubro de 2024! O Venâncio Mondlane é a sua melhor cartada no último movimento nesta fase do campeonato. Num jogo de mestre a Renamo até poderia fazer isso de manera mais pacífica, o que lhe daria mais crédito.
São “civilizados” ou não?