Lemos com bastante interesse a Reflexão Hurra! 25 de Junho de Severino Ngoenha publicada aqui: https://www.cartamz.com/index.php/sociedade/item/16942-hurra-o-25-de-junho-escreve-severino-ngoenha
Valeu a intenção, apesar da ingenuidade filosófica que caracteriza esse artigo.
Filosofia não enche barriga. Existe fosso enorme entre a filosofia e a realidade, principalmente em Moçambique ou África. Moralismos filosóficos escritos pelo Doutor não levam a nada. Todos conhecemos os desafios deste país e os bois que nos fizeram regressar ao colonialismo e aos tempos do esclavagismo tem nomes e chifres bem grandes: o que nos falta é a coragem os enfrentar.
O Senhor Doutor deve estar a viver num mundo filosófico e imaginário para entender que não precisamos de reflectir sobre tempos passados da escravatura ou colonialismos, mas reflectir sobre os tempos actuais (hoje!) onde um bandozinho de javalis vendeu e tão rapidamente as conquistas da independência e dos valentes compatriotas que lutaram por séculos contra a dominação e subjugação estrangeira. A euforia da independência foi sol de pouca dura, em menos de cinco anos da independência o povo já estava nas garras de outros leões e a viver outros infernos até hoje que escrevemos. Foi como sair de um forno para o outro, o enxofre e a devoradora chama é a mesma. De que nos valeu? Nada? E pior hoje colonizados e subjugados pelos nossos próprios compatriotas. As nossas próprias mães pariram novos colonos para infernizar os seus próprios irmãos.
Por isso o nosso caro Filosofo, em vez de vir a público lançar oceanos de sonhos ou conceptualizar mares de rosas, devia vir com sugestões sobre como podemos sair desse marasmo. Por exemplo, como se garante tal Unidade Nacional com a fome e desproporção na distribuição de riquezas neste empobrecido país? Com a miséria e desemprego que afecta a maioria dos moçambicanos governados por um punhado de gente que tem tudo, desde os empregos, habitações, educação e saúde no estrangeiro, incluindo impérios imobiliários no estrangeiro? Desde os Dubais, Nelspruits, CapeTowns, etc? Como e donde se começa a implementação do tal sonho ou delírio de Unidade Nacional?
A questão da dependência que alega pelos FMI, Banco Mundial e Doadores o ilustre deve não saber que esses países e seus actuais aliados que perderam territórios em Africa pela descolonização, já muito antes de começarem a ceder territórios em Africa entraram no Plano B para continuarem a pilhar africa doutra forma ou de forma remota ou a distância, visto que deixaram de estar fisicamente em Africa com o advento das independências e descolonizações. Esses países ocidentais não entregaram os territórios aos africanos de bandeja (os brancos não eh tao burro assim como seus contra-partes), entregaram sabendo com iriam voltar de outras formas e camuflagens para continuarem a pilhar.
E eles sabiam que isso seria muito fácil de se conseguir. Se repararmos para trás na história (a verdadeira história, sem censuras), quem vendia os escravos no tempo da escravatura? Quem caçava escravos no interior e os levavam para a costa para serem vendidos nos grandes navios negreiros? Eram os próprios africanos (os reis, chefes tribais/ locais, etc.) que em coluio com os brancos, vendiam os seus próprios irmãos a custa de boa vida (armas, roupas, vinho, quinquilharias para as suas esposas e protecção, pois claro, eles também tinham medo da pólvora).
É o mesmo que acontece hoje. A quem beneficiam as concessões de recursos minerais, petróleo e gás, dadas aos países estrangeiros? Essas concessões beneficiam aos mesmos javalis rentistas onde lhes interessa encherem os bolsos com comissões e outros benesses a custa dos recursos e riquezas do povo, dinheiro esse para esbanjarem com as suas famílias e financiar a perpetuação da actual máquina repreensiva e neocolonizadora.
Como falar de Unidade Nacional numa democracia de faz-de-contas e podre? Num contexto de restrição e negação dos mais básicos direitos humanos? No tempo colonial até podíamos engolir a seco sabendo que a barbárie vinha de pessoas de outras raças. Hoje quem nos nega os mais básicos direitos humanos (alimentação, saúde, educação, empregos, etc.,) são os mesmos indivíduos que chamaríamos de nossos irmãos. Hoje o colono, mais perigoso e severo é da nossa própria raça, eh nosso vizinho nos grandes muros de Berlim que separam a nossa miséria e das suas vidas abastadas e da sua máquina de repreensão.
Como se fica em pé e livre caro Doutor, sem eleições livres e justas? Com processos eleitorais teatrais e que antes de iniciar a votação já se conhece o vencedor. Hoje em plena celebração da independência nacional temos já dois presidentes da República, os dois pululando por aí e torrar dinheiros públicos a tentar se promoverem. Onde já se viu? Com que dinheiro, viaturas, habitação, meios o tal futuro presidente (sim futuro presidente) porque já ganhou as eleições, as eleições não se ganham nas urnas, há um quadri-pé que garante vitórias eleitorais retumbantes – CSCP, aka CNE, STAE, a Polícia e o Conselho Constitucional que está aí para carimbar tudo e depois exigirem regalias vitalícias – num jogo de toma lá – dá cá. Que Unidade Nacional eh possível nesse estado das coisas?
Que independência celebramos hoje? Existe algo para o povo a celebrar? Dizem que em 10 Anos de turismo de alguém, os pobres aumentaram para casa dos 65% e como sempre, números oficiais eh para desconfiar. Quando o desonesto governante africano diz 8 é porque é 80 ou quando diz 80 é melhor escrevem 8, a proporção dos pobres deve ser muito maior que os oficiais e admitidos 65%. Isso se vê a olho nu, nem precisamos do INE ou Estudos, o tal INE sempre batido pelo STAE que consegue muito mais eleitores nos bastiões do que os números reais, num irreal mundo de alucinações. Em democracias esfarrapadas, o STAE produz estatísticas mais fiáveis que o INE, óbvio, segundo eles, os comedores de votos.
Os “libertadores” tem tudo e todas as razoes para celebrarem o dia da independência, como se fossem os únicos nas trincheiras, esquecendo os movimentos estudantis, trabalhadores, os movimentos religiosos (sobretudo as Igrejas Protestantes), etc. Sem saber que 10 anos de Luta não teriam sido suficientes para desenraizar o colonialismo que os tais “libertadores” trataram de reimplantar em menos de 5 anos da independência e instalarem um desgoverno que reina até hoje escrevemos estas linhas.
Em África precisamos de outro tipo de filosofia ou a filosofia como a conhecemos devia servir causas muito mais nobres a favor deste belo e escravizado povo. Precisamos de filosofia de acção. Filosofia de pessoas com fome e na miséria, que estão no fundo dos infernos a serem devorados pelo fogo de enxofre. Filosofia que nos ajuda a sair de forma aerosa e urgente das masmorras das ferras e do diabo que nos incinera. Precisamos de filosofia útil. Uma filosofia de combate e não de simples lista-de-compras ou receitas fora do contexto.
Da mesma forma que o grupo do Javalim-mor escangalhou o Colonialismo Português. Temos de escangalhar o NeoColonialismo instalado nos tempos actuais, de hoje! Esse é o único caminho para a Unidade Nacional, não existe outro caminho que nos possa nos permitir ficar em pé, de forma permanente e eternamente livres!
Quem coloco o guiso ao gato? Cogito Ergo Sum!
A Luta Continua?
(Recebido por E-mail)