Cerca de cinco mil extensionistas agrários a nível nacional estão sem salários há quatro meses. Depois de cinco anos do SUSTENTA, encabeçado pelo actual ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, os extensionistas agrários sentem-se enganados por Celso Correia e pelo Presidente daRepública, Filipe Nyusi. A última vez que os extensionistas viram a cor do dinheiro foi nos meses de Janeiro e Fevereiro. O problema não é novo. No ano passado, por exemplo, passaram os meses de Setembro, Outubro e Novembro sem salários. Todos os meses, os extensionistas vivem num cenário de incerteza. Não sabem exactamente quando terão salário.
“Já passam quatro meses que não recebemos os nossos salários. Desde que o ano começou só recebemos salário nos meses de Janeiro e Fevereiro”, disse um extensionista. No início do programa SUSTENTA, a relação era boa, mas com o tempo se deteriorou, com o Governo a não honrar os seus compromissos para com o grupo.
No ano passado, por exemplo, os extensionistas passaram os meses de Setembro, Outubro e Novembro sem salários. Nessa altura, a esposa de um extensionista perdeu a vida porque o esposo não tinha dinheiro para comprar medicamentos. “A minha esposa perdeu a vida por falta de dinheiro para comprar medicamentos. Estamos a passar mal”, contou a fonte ao Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD).
SUSTENTA já não é prioridade para o Governo e deixa para trás um legado de gestão danosa e criminosa com dívidas para o erário público
Criado em 2016 e inicialmente implementado nas províncias de Nampula e Zambézia e, a partir de meados de 2019, expandido para o resto do país, o SUSTENTA era visto como uma das bandeiras, senão a bandeira, de governação de Filipe Nyusi, principalmente neste que é o segundo e último mandato. Porém, está a mostrar que foi um embuste; que a sua criação visava interesses políticos, nomeadamente de consolidação da influência do ministro da Agricultura, Celso Correia, no Governo.
Quando estamos a poucos meses do fim do mandato, o SUSTENTA deixou de constar das prioridades do executivo, em claro anúncio da sua morte, tal como sucedeu com outras iniciativas do regime, como o “Fundo de Desenvolvimento Distrital” e “Revolução Verde”. Ninguém mais fala do SUSTENTA, nem o seu criador, Celso Correia. O que resta do programa é um legado de gestão danosa e criminosa, com dívidas para o erário público, contraídas junto do Banco Mundial.
A última vez que Celso Correia falou do SUSTENTA foi para dizer que o programa não foi compreendido pela sociedade, principalmente no meio urbano. “Muita gente não percebe o programa SUSTENTA, se calhar porque não traz benefícios para a zona urbana ainda. Mas, no meio rural, o sentimento é que estamos a introduzir tecnologia que evite o hábito de desmatamento”, disse Celso Correia.
Aquando da sua criação, o SUSTENTA vendeu a ilusão de um programa que pretendia a integração dos produtores em cadeias de valor, através de apoios directos no fornecimento e uso de insumos, de mecanização e de introdução de inovações tecnológicas. Também apareceu com o discurso de pretender promover um upgrade técnico das explorações dos PACE (Pequenos Agricultores Comerciais Emergentes) e estes, por sua vez, influenciarem e/ou apoiarem os PA (Pequenos Agricultores) nas suas zonas de influência. Entretanto, o cruzamento de estudos e de informação disponível mostra que o programa não está a cumprir o mandato para o qual foi criado. É partidarizado (apenas os membros da Frelimo beneficiam do programa).
A partir de um modelo de gestão altamente centralizado, está mergulhado na corrupção que alimenta redes clientelistas com fins partidários.
Resultados de uma avaliação do Observatório do Meio Rural à primeira fase do programa SUSTENTA (2016- 2019), divulgados em 27 de Julho, indicam que o programa é implementado de forma centralizada em termos administrativos e é descoordenado inter-sectorialmente nos diferentes níveis territoriais e não é transparente. Apesar de o programa se propor a promover um upgrade técnico das explorações dos PACE e estes, por sua vez, influenciarem e/ou apoiarem os PA nas suas zonas de influência, o OMR concluiu na sua avaliação: “os pequenos produtores dizem-se secundarizados em relação ao programa”.
A avaliação do OMR concluiu que o programa era altamente centralizado. E uma das evidências para ilustrar a centralização é a assistência dos tractores. No período em análise, os técnicos e o material usado para a reparação dos tractores saíam de Maputo. Isto tem um impacto no tempo de resposta e nos custos operacionais.
Segundo o estudo, o programa não cria cadeias de valor, não está suportado por investigação. No que concerne a questões ambientais, a pesquisa constata que “poucas acções são difundidas em defesa dos eventos climáticos extremos”. É preciso lembrar que Moçambique é ciclicamente afectado por eventos climáticos. O programa, segundo os pesquisadores, não possui uma concepção de desenvolvimento rural integrado.
Do ponto de vista de políticas públicas, a avaliação mostra que há comparticipação do Estado no investimento aos equipamentos, taxas de juro abaixo das praticadas no mercado e períodos de amortização alargados, isto é, subsídios directos. No fundo, é dinheiro perdido por parte do Estado, que dificilmente será recuperado.
O programa fomenta a emergência de um grupo de produtores cujo processo de selecção obedece em primeiro plano questões partidárias. Segundo o OMR, cerca de 90 por cento dos entrevistados na pesquisa são membros do partido Frelimo.
Corrupção, legado de gestão danosa e dívidas
Dois relatórios do Tribunal Administrativo (TA) constataram uma gestão danosa de milhões de dólares no Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável, o “saco azul” usado por Celso Correia para consolidar a sua influência no Governo e no Partido Frelimo.
Dados de 2017, quando o FNDS (fonte de financiamento do SUSTENTA) ainda estava no extinto Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, indicam que só o Banco Mundial estava a injectar perto de 200 milhões de dólares nos projectos geridos pela instituição, através de subvenções, fundos fiduciários globais, empréstimos concessionais, pagamentos baseados no desempenho e constituição de um novo Fundo Fiduciário de Doadores Múltiplos e Específico para Moçambique.
O Fundo tinha uma actuação transversal que englobava energia rural, finanças rurais, água rural, estradas rurais, tecnologia rural, conservação, aterros (sanitários e industriais), novas centralidades, ordenamento do território, mudanças climáticas, terras, florestas e ambiente. O vasto leque de áreas de actuação foi desenhado com o objectivo de impressionar os doadores a financiarem o Fundo, que rapidamente se transformou no “saco azul” usado por Celso Correia para cimentar a sua influência no Governo de Filipe Nyusi e no partido Frelimo.
No terreno, não há um único projecto implementado e/ou financiado pelo Fundo que possa servir de exemplo de sucesso e boa gestão. A narrativa de sucesso do SUSTENTA não resiste, quando confrontada com os dados oficiais sobre a insegurança alimentar em Moçambique. Na Assembleia da República, o deputado da Renamo, Venâncio Mondlane, sempre exigiu a publicação dos relatórios e contas do FNDS, algo que nunca aconteceu.
Afinal, o Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural sabia o que estava a acontecer. E parte do que estava a ser escondido aos moçambicanos foi revelado recentemente através da divulgação de dois relatórios de auditoria do Tribunal Administrativo (TA) relativos ao exercício económico de 2021. Um incidiu sobre o Projecto de Áreas de Conservação para Biodiversidade e Desenvolvimento (MOZBIO) e outro sobre o Projecto de Gestão Integrada de Agricultura e Recursos Naturais (SUSTENTA). Os dois relatórios e contas têm em comum o facto de revelarem uma gestão danosa, com requintes de crime organizado.
Na parte referente ao SUSTENTA, o TA identificou vários problemas de gestão e de falta de transparência, com destaque para: falta de identificação das matrículas das viaturas beneficiárias de combustível; mecanismo de publicação das chamadas que não abrange todo o público-alvo; encarecimento de despesas e consequente incumprimento do plano do Projecto, motivado pela realização de despesas em meticais, com recurso a uma conta em dólares; inexistência de plano estratégico do Projecto; falta de evidências de aprovação dos projectos financiados; falta de evidências de selecção dos PACE com base nos critérios definidos no manual de operações; falta de evidências que demonstram que os PACE possuem experiência em cadeias de valores; facturas sem a inscrição “pague-se” e sem a chancela do coordenador; cheques emitidos em nome dos colaboradores; processos de despesas com falta de justificativos.
Mas há outros problemas graves constatados pelos auditores do Tribunal Administrativo que efectuaram visitas aos PACE no âmbito da auditoria. Por exemplo: não há acompanhamento dos PACE por técnicos especializados dos serviços distritais; as alfaias agrícolas que eles receberam não são adequadas para o tipo de áreas de cultivo; os tractores e camionetas que receberam não possuem títulos de propriedade nem livretes, sendo a circulação mantida com recurso a verbetes que na maioria estão fora de prazo; muitos beneficiários não receberam treinamento para manusear os equipamentos recebidos; os PACE receberam sementes deterioradas, fora do prazo e em quantidades incompletas. Na campanha 2020/2021, os PACE perderam a campanha devido à má qualidade da semente. Mesmo assim, o fornecedor (Casa do Agricultor) não reembolsou as sementes aos PACE, apesar do preço incluir o seguro.
Os auditores não encontraram evidências de que os PACE possuem experiência na área de agricultura, uma das condições exigidas para beneficiar do SUSTENTA. Da análise efectuada aos processos dos PACE, verificou-se que na lista dos beneficiários entregue à equipa de auditoria não constavam os respectivos processos de procurement.
Esta constatação parece confirmar as queixas de que o financiamento do SUSTENTA beneficiou pessoas ligadas ao partido Frelimo, sem experiência na agricultura. Muitos PACE não conseguiram apresentar aos auditores do Tribunal Administrativo os pequenos agricultores com quem trabalham, nem os contratos assinados com os mesmos. O FNDS não faz a monitoria das actividades dos PACE e da rede de vendas após a campanha; não há registo da produção e das vendas realizadas pelos PACE.
Quando estamos a menos de cinco meses do fim do actual mandato, o SUSTENTA deixou de constar das prioridades do executivo, em claro anúncio da sua morte, tal como sucedeu com outras iniciativas do regime, como são os casos do “Fundo de Desenvolvimento Distrital” e “Revolução Verde”. Neste momento, ninguém mais fala do SUSTENTA, nem o seu criador, o super-ministro Celso Correia. O que resta do programa é um legado de gestão danosa e criminosa com dívidas parara o erário público, contraídas junto do Banco Mundial.
A última vez que Celso Correia falou do SUSTENTA foi para dizer que o programa não foi compreendindo pela sociedade, principalmente no meio urbano. Trouxe a narrativa de que não traz benefícios para a zona urbana ainda. Mas que, no meio rural, o sentimento era o de que o SUSTENTA havia introduzido tecnologia que evitava o hábito de desmatamento. (CDD)
INTEGRITY – 01.07.2024