(Donald Trump escapou por milagre...)
Por Afonso Almeida Brandão
A história enche-se de episódios manchados a sangue no que respeita a presidentes ou chefes de governo assassinados por esse mundo fora. Das ditaduras sul-americanas até às turbulências políticas e tribais africanas, o último século e meio conta com várias dezenas de presidentes tombados às mãos de rebeldes, opositores, militares ou extremistas.
Nos países mais seculares, apesar das mudanças de regime, viveu-se, de um modo geral, alguma acalmia, sendo os atentados perpetrados, na sua maioria, por indivíduos que sofriam de patologias do foro psíquico. Na Europa do século passado, não me traindo a memória e as notas biográficas, foram apenas dois: Paul Doumer, décimo quarto Presidente francês, assassinado em 1932 por um emigrante russo, e o Presidente Rei, Sidónio Pais, morto a tiro por José Júlio da Costa, ex-militar, em 1918, na estação do Rossio, já depois de ter escapado a uma outra tentativa de homicídio dias antes.
Os Estados Unidos são muito mais profícuos. Quatro presidentes mortos, desde Lincon, em 1881 até JFK, em 1963 e oito tentativas de homicídio, duas das quais a Gerald Ford, em 1975.
Inimputáveis à parte, a maioria dos homicídios, ou tentativas, prende-se com motivações políticas. E, com uma ou outra excepção muito pontual, todas por parte de indivíduos ligados a movimentos ou partidos de esquerda. Não pretendendo, de forma alguma, sugerir que os eleitores ou simpatizantes das diversas esquerdas são mais violentos que os restantes, haverá, seguramente, alguma explicação sociológica válida para a justificativa. É que, pelo seu número, começa a ser difícil acreditar que se trata de coincidências…
Dois outros exemplos: Manuel Enrique Araújo (El Salvador, 1913) acabou por sucumbir a diversas facadas desferidas por três agricultores enquanto assistia a um concerto. Também o Prémio Nobel da Paz, M. Anwar Al Sadat (Egipto, 1981), não resistiu ao ataque da Jihad Islâmica do Egipto, que se opunha aos acordos de paz com Israel. Não sendo a genética a operar, nem, tampouco, um pré-determinismo político, qual a razão, ou razões, que justificam que, na maioria das tentativas de assassinato a líderes políticos, sejam pessoas conotadas com regimes de esquerda?
A génese do problema assenta, sobretudo, numa questão discursiva, onde a tónica principal é o eu individual, sujeito de uma panóplia de direitos que a sociedade tem por obrigação garantir. Esta distopia racional tem consequências sociais, que os levam a sentirem-se, por um lado, credores de um conjunto de direitos inatos, pelos quais não têm que lutar ou merecer e, por outro, arautos do bem e da decência que devem impor à sociedade ainda que esta, democrática e legitimamente, faça outras escolhas.
É, pois, difícil de perceber e, sobretudo, de aceitar, que comentadores, articulistas e opinion makers com responsabilidades públicas e éticas considerem que a tentativa de homicídio a Trump (ou, já agora, a Bolsonaro, anos antes) foram ataques falhados e oportunidades perdidas. Não há vidas que valham mais que outras e todas são invioláveis. Não apenas aquelas de quem vocês gostam… Os homicídios a mando de Hitler e Mussolini são tão condenáveis quanto os ordenados por Estaline ou Che Guevara. Não há poesia nestas mortes, se é que há em alguma…
Mas, mais grave. Via de regra, estes actos têm o efeito contrário. Na sociedade racional, ponderada e crítica que ainda resta, a reprovação e condenação é feita por plebiscito, a favor da vítima. À sua dimensão, haverá que lembrar o efeito que teve um estalo, na Marinha Grande, em 86, entregando a Soares uma presidência que, dias antes, mais não era do que uma miragem…
Desvirtuados que se encontram os conceitos de família, de respeito, de tolerância, entendem que as suas verdades, as suas opiniões, as suas visões, são sempre mais benéficas, mais úteis, mais assertivas que as que se lhes opõem, sentindo-se no direito (lá está!) de as impor, por qualquer meio, aos restantes.
Só assim se percebe a plêiade de manifestações (violentas, na sua maioria) relativamente a assuntos que não lhes dizem directamente respeito. O que é que legitima portugueses, espanhóis ou franceses a fecharem ruas, queimarem pneus, revoltarem-se contra as forças da autoridade relativamente aos resultados eleitorais em países terceiros? Somos nós que sabemos, melhor que os brasileiros, que Bolsonaro não merece ser Presidente do Brasil? Ou os franceses, melhor que os americanos, que Trump não os deve governar? Ou os franceses, melhor que os italianos, que Meloni não serve para Itália? É que, à excepção das políticas externas — e, meus amigos, essa vale para qualquer país do mundo, sobretudo para aqueles que abrigam terroristas ou detêm armas nucleares — as políticas internas em nada nos dizem respeito e, muito menos, se combatem perante os nossos. Havendo assim tanta vontade de mudar regimes, emigrem, façam-se eleitores nesses países, concorram às eleições, ganhem-nas e depois poderão mudar os regimes a vosso bel-prazer. Agora não me façam passar horas no carro, com estradas barradas, porque não gostam de A ou B que ganhou umas eleições livres a não sei quantos mil quilómetros de distância…
Essa sim, é literalmente, uma bala perdida…