(Eng. Marçal Grilo escreve sobre o Ensino Português, no Período do Estado Novo. Um Livro que recomendamos vivamente)
Foi com agrado que li o livro de Eduardo Marçal Grilo, engenheiro de profissão. Saído nos finais de 2023, não me permitiram as circunstâncias da vida lê-lo de imediato. Lançado com pompa e circunstância, como cabe ao estatuto do Autor e ostentando um prefácio do actual Presidente da República, a Obra possui todos os atributos, componentes e predicados para obter sucesso editorial. E pelo que sabemos as vendas assim o atestam.
Habituei-me, há longos anos a esta parte, a verificar que as obras saídas sobre o Estado Novo em geral e, muito particularmente, quanto ao seu mentor Oliveira Salazar, são ungidas pelo princípio da acérrima crítica, do perjúrio ou até mesmo da injúria a tudo ou quase tudo o que àquele período respeita e com particular acrimónia ao seu criador.
Na esfera da Educação, campo fecundo para os bem-pensantes, Académicos, Docentes e Jornalistas botados a Historiadores, em suma, intelectuais, o caso agrava-se. Para a generalidade desta “elite” o Estado Novo representa «a era das trevas», de anquilosamento do espírito, em que o País vivia sob uma tenebrosa censura a impedir o surgimento das verdadeiras obras-primas amordaçadas… que, aliás, nunca vieram a lume com as benditas liberdades!
Entre todas e as mais variadas acusações a maior arma de arremesso foi sempre a do analfabetismo. Portugal estaria na cauda da Europa sem lograr vencer um anátema secular.
Sem entrar na discussão científica da matéria, para a qual nem pretendo estar habilitado, cinjo-me aos dados conhecidos e divulgados por diferentes fontes: em 2021 a percentagem de analfabetismo era de 3,1%; ao termo do regime estado-novista (41 anos) estaria em 25%. Acontece, porém, que em 1926, epílogo da 1ª República das “democracias e liberdades”, a percentagem de analfabetos situava-se nos 63%!
Temos, portanto, que na vigência da abominável “ditadura” o analfabetismo descera para 25%, enquanto que com a recuperação das ditas liberdades democráticas, entre 1974 e 2021 (47 anos) o ganho fixou-se em 21,9%)!!!…
No dizer do prestigiado historiador Rui Ramos, no artigo “analfabetismo” do Dicionário de História de Portugal, coordenado por António Barreto e Maria Filomena Mónica, (consabidamente pouco afectos ao regime), o período de 1926 a 1974 (Ditadura Militar e Estado Novo) “foi aquele em que a alfabetização mais cresceu em Portugal”.
Posto isto, retomo o assunto que me levou a escrever estas linhas.
Com seriedade e até alguma coragem, o Engenheiro Marçal Grilo dá-nos um relativo panorama do que foi a política educativa sob o regime de Salazar.
Consultado o índice antes de encetar a leitura, fiquei logo de sobreaviso do que o todo da obra poderia conter. De facto, o 1º capítulo intitulando-se “A educação segundo Salazar: basta ler, escrever e contar” era de molde a prever tratar-se de mais um trabalho do “bota abaixo”, pronto a denegrir tudo o que respeita ao governo do estadista.
Felizmente tal não se verificou. Com um devido enquadramento na época, o Autor salienta aspectos reais de um conservadorismo, compatível e adequado à ideologia dominante. Do próprio Chefe do Governo respiga comentários feitos em entrevistas concedidas à Jornalista francesa Christine Garnier para o seu livro Férias com Salazar, bem como a António Ferro, nas reportagens realizadas para o Diário de Notícias. As opiniões então expendidas dão-nos uma ideia sobre o que o entrevistado concebia e perspectivava para as questões da educação. Contudo, a selecção efectuada afigura-se-me pender para depreciar alguns dos seus conceitos. Na verdade, outros muito poderiam ter sido escolhidos, demonstrando quanto Salazar cuidava dos problemas da esfera educativa, até em escritos de juventude…
Quanto a mim, os três capítulos que se seguem constituem as traves mestras e úteis do trabalho elaborado pelo Eng. Marçal Grilo.
Ao escolher as principais reformas realizadas na vigência da 2ª República desvela, factual e circunstanciadamente, realidades hoje amplamente esquecidas e quase nunca elogiadas. Para o efeito, adopta uma feliz divisão em duas fases, a saber: “As grandes reformas da nova ordem” (1933-1955); e “O tempo dos reformistas modernos” (1955-1968). E ainda uma terceira dedicada ao “Ensino superior: quando só os edifícios mudaram”. Da primeira refere três nomes de titulares que mais marcaram um período vincadamente ideológico: António Carneiro Pacheco, Mário de Figueiredo e Fernando Pires de Lima. Todos da mesma formação e proveniência, catedráticos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o pequeno mundo que Oliveira Salazar conhecia.
Com o primeiro, considerado como o “doutrinador da juventude”, criou-se em 1936 a Lei de Bases do Ensino e a Fundação da Mocidade Portuguesa. O até então chamado de Ministério da Instrução Pública foi alterado para Ministério da Educação Nacional naquele mesmo ano.
Cria-se a Junta Nacional de Educação e opera-se a importante reforma do Ensino Liceal com a constituição de três ciclos de escolaridade (1936).
De não somenos importância dá-se a reformulação do Ensino Primário (1936), bem como a reforma da Lei de Bases desse mesmo ensino (1938).
Quem lhe sucede na pasta da Educação, Mário de Figueiredo, não quebrará a senda reformista do anterior titular. Inserindo-se nas celebrações que assinalarão os centenários da Independência (1140) e da Restauração (1640), é lançado o Plano Geral da Rede Escolar (também chamado Plano dos Centenários). Trata-se da construção da Rede Nacional de Escolas Primárias, lei elaborada no âmbito do Ministério das Obras Públicas e Comunicações (1940).
Segundo o Autor “terão sido construídas até ao final dos anos cinquenta cerca de 7.000 escolas, com um total de 12.000 salas de aula, tendo a construção de escolas continuado até ao final dos anos sessenta”.
Em 1947, ao assumir a pasta da Educação, Fernando Pires de Lima prosseguirá, ainda com mais vigor, o esforço reformista antecedente.
A acção que privilegia apontará para uma área ainda não tratada: o desenvolvimento do Ensino Técnico. Para tanto promulga-se uma Lei de Bases daquele Ensino, coadjuvada por dois outros decretos-lei criando a Direcção do Ensino Técnico Profissional e o Estatuto do Ensino Profissional Industrial e Comercial (1948).
Abria-se assim uma nova e importantíssima porta para um ensino prático, profissional e técnico, ministrado por Escolas Comerciais e industriais, edificadas de raiz para o efeito.
Com resultados muito positivos vigoraram até ao decantado 25 de Abril, que se apressou a destruí-las, creio que em nome de uma presuntiva “luta de classes”!…
Outra medida de enorme alcance foi a aprovação da Lei e do Estatuto do Ensino Particular (1949). E, a fechar o ciclo, o lançamento do Plano de Educação Popular (1952).
À componente doutrinária e ideológica que imperou nesta fase, seguir-se-á uma outra, balizada entre 1955 e 1968, à qual o autor chama “O Tempo dos Reformistas Modernos”.
Dos quatro titulares da pasta no decurso desses 13 anos, o Sr. Eng. Marçal Grilo realça dois nomes, Francisco Leite Pinto e Inocêncio Galvão Teles, silenciando outros dois, Manuel Lopes de Almeida e Dr. José Hermano Saraiva.
Parece-me indubitável que a maior simpatia do autor tende para a obra do Eng Leite Pinto. Talvez porque o considere “o Ministro sem medo de Salazar”, título muito apropriado para os dias de hoje, mas, em minha opinião, pouco consentâneo com a Realidade. À altura haveria grande respeito pelo Chefe do Governo, mas daí a “medo” iria uma grande e profunda distância…
Nem por isso deixará igualmente de exaltar o Catedrático de Direito Galvão Teles. Ambos, em seu entender, “dois espíritos abertos, que pela primeira vez no Estado Novo trazem para o Ministério da Educação um pensamento moderno, alinhado com as leis que grassavam por toda a Europa no período a seguir à Segunda Grande Guerra Mundial”.
Ao primeiro se ficou a dever profícua legislação regulando o funcionamento das Actividades Extra-escolares do Ensino Superior (1956), assim como a Avaliação do Plano de Educação Popular de 1952 e o Alargamento para 4 Anos da Escolaridade Obrigatória Para Crianças do Sexo Masculino.
No seu mandato determinou-se ainda a obrigatoriedade da 4ª classe no Acesso aos Quadros de Pessoal dos Serviços do Estado (1959), a actualização dos programas do Ensino Primário e a Extensão da Escolaridade Obrigatória de 4 Anos para Crianças de Ambos os Sexos (1960).
Em função da coerência executiva, apanágio da governação do regime, Galvão Teles seguirá o mesmo trilho do predecessor. Daí a ampliação da Escolaridade Obrigatória para 6 Anos (1964), criando-se no ano seguinte o GEPAE, Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa.
Em 1966 elaboram-se Novos Programas do Ensino Complementar e institui-se o Ciclo Preparatório do Ensino Secundário (1967).
Já ao termo da era salazarista instaura-se a Obrigatoriedade e Gratuitidade do Ciclo Complementar (1968).
Resta falar do Ensino Superior, igualmente tratado na obra que se analisa. Não me alongarei sobre o tema, visto que o título que lhe atribui fala por si mesmo: “Quando Só os Edifícios Mudaram”.
Pela minha experiência pessoal, contemporânea do autor, creio que terá razão. Nada sei do mundo académico tecnológico. Mas já quanto às Humanidades respeita, nomeadamente ao meu curso de História, de cinco anos e mais uma tese de Licenciatura, por vezes superior aos Doutoramentos actuais, tenho de reconhecer que se encontrava em verdadeiro situação vegetativa.
Como diz e bem, construiu-se muito, mas reformou-se pouco. Para não adiantar mais, porque o texto já vai longo, o programa de História Moderna do meu curso terminava na Revolução Liberal de 1820!… Inútil comentar…
Sem embargo, não quero deixar de aduzir uma derradeira anotação ao trabalho meritório do Eng. Marçal Grilo.
Neste IV capítulo, que conclui a trilogia anterior, contendo, para mim, informação útil, uma vez que o seguinte respeita à sua própria vivência académica pessoal durante o Estado Novo, o autor faz sobressair dois temas sobejamente tratados: “o afastamento dos inimigos políticos e a crise académica de 1962”.
Receio que neste ponto o Eng. Marçal Grilo se deixou tentar pelo “politicamente correcto”, trazendo à colação factos, quais “bombos da festa”, exaustivamente arremessados contra o regime estado-novista.
Não me pronunciarei sobre os desmandos académicos, que em parte pessoalmente vivi, testemunhando as vergonhosas manipulações políticas de que muitos ingénuos estudantes foram vítimas.
O mesmo já não se passará com o “afastamento dos inimigos políticos” obviamente decretados por Salazar.
Sem qualquer intenção de o inocentar, considero apenas que, numa perspectiva puramente legalista, essa decisão esteve absolutamente concorde com o D.L. n.º 25.317, 108/35, o qual “manda aposentar ou demitir os funcionários empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”.
Ora, no anexo III do livro, ao apresentar a lista dos “professores afastados da Universidade e do ensino (oficial) durante o Estado Novo”, pode levar-se à conclusão de que as sanções aplicadas estavam em linha com a legislação em vigor. Demais, tanto quanto me é dado conhecer, jamais vi negadas ou contestadas as posições políticas, amiúde ostensivas, assumidas por aqueles docentes.
Com esta perspectiva não pretendo estar a branquear o que quer que seja. Apenas considero que, vivendo-se à época uma rea-
lidade ditatorial, não surpreende e até se compreende que tal tenha acontecido.
A terminar, reponho o elogio inicial: trata-se de um trabalho sério, quase sem contaminação do “politicamente correcto”, e, acima de tudo, um testemunho justo da Educação no Estado Novo sob a égide de Oliveira Salazar. Em suma: recomendo vivamente a quem não leu esta excelente Obra que não perca a oportunidade de fazê-lo.