Por Afonso Almeida Brandão
Antes de tecer algumas considerações sobre a situação que se está a viver em Israel e na Palestina, começo por recordar o plano de paz para o Médio Oriente apresentado pelo ex-presidente Trump, no dia 28 de Janeiro de 2020, e o que então escrevi, grosso modo, para o Semanário EVIDÊNCIAS ao qual estava ligado à época, sobre o assunto.
Na sessão de apresentação daquele plano participou o Primeiro-Ministro israelita Benjamin Netanyahu e muitos altos funcionários das administrações norte-americana e israelita, mas nem um só representante da Palestina… — apesar do dito plano visar, segundo Trump, a obtenção de uma paz duradoura entre israelitas e palestinianos, consubstanciada numa solução com dois Estados.
A solução dois-Estados, defendida por inúmeras figuras em todo o Mundo, surgiu na sequência dos Acordos de Oslo de 1993, tendo por fundamento a convicção de que embora Israel tivesse saído vencedor da Guerra dos Seis Dias (1967) e da Guerra do Yom Kippur (1973), e passasse a controlar, por essa razão, todo o território da Palestina, onde habitam alguns milhões de palestinianos, essa situação não se poderia manter indefinidamente. Para os defensores da solução dois-Estados, uma paz duradoura naquela parte do mundo apenas poderia ser atingida se os palestinianos possuíssem o seu próprio Estado e se os dois Estados — israelita e palestiniano — passassem a coexistir de modo pacífico.
Recorde-se que os Acordos de Oslo foram assinados pelo Primeiro-Ministro israelita Ytzhak Rabin e pelo presidente da OLP Yasser Arafat, com a intermediação de Bill Clinton. Entre outras disposições, os Acordos conduziram à retirada das forças israelitas dos Territórios Palestinianos Ocupados (Faixa de Gaza e Cisjordânia).
Yitzhak Rabin foi assassinado em 1995 por um extremista judeu. Quanto a Arafat viria a falecer em 2004, com fortes suspeitas de envenenamento.
Os Acordos de Oslo tiveram efeitos práticos limitados, por razões diversas, de que se destacam as seguintes: o substituto de Yitzhac Rabin foi Benjamin Netanyahu, que bloqueou ou reverteu muitas das alterações projectadas; os palestinianos não aceitaram, nas negociações detalhadas que se seguiram, que o seu futuro Estado ficasse reduzido a cerca de 20% da área da Palestina histórica, e, por outro lado, os judeus nem isso estavam dispostos a ceder. Prosseguiu, entretanto, o estabelecimento de novos colonatos israelitas nos territórios ocupados.
Já sobre o plano Trump, dizem os analistas que apontava para um Estado palestiniano disperso por vários enclaves, ligados por túneis…
Pelo que se expôs, poder-se-á ser tentado a dizer que a solução dois-Estados está morta, mas não se vislumbram, todavia, alternativas viáveis ou aceitáveis pelas partes.
Será possível uma solução baseada num só Estado? Dado o poderio militar e económico de Israel, imaginemos que este Estado consegue anexar, com carácter definitivo, todo o território palestiniano. Então, ou bem que o Estado israelita é um Estado Democrático, não confessional, e todos os seus cidadãos, incluindo os cinco milhões de palestinianos, gozam do direito de voto, ou Israel envereda por uma via não democrática e assume-se como Estado apartheid, o que não deve ter grande futuro…
A situação é complexa e de consequências imprevisíveis, atendendo aos grandes ressentimentos e radicalismos de ambos os lados, às imensas injustiças de que têm sido alvo os palestinianos e, ainda, à questão sensível do estatuto da cidade de Jerusalém.
ENTRETANTO, ATÉ QUANDO?
Feita esta introdução, passemos ao tempo presente, ainda que correndo o risco de escrever algo que, quando chegar aos leitores, poderá estar desactualizado ou ter pouca valia, face à evolução rápida no terreno… No momento em que escrevo estas linhas, a situação caracteriza-se pelos bombardeamentos incessantes da Faixa de Gaza por parte dos israelitas, e pelo bloqueio total do referido território, com o corte dos fornecimentos de água, alimentos, medicamentos, combustíveis e electricidade. A concentração, em crescendo, de forças militares israelitas junto à Faixa de Gaza, aponta para a iminência duma invasão terrestre que, a concretizar-se, implicará combates rua a rua, e centenas de vítimas. Contudo, o timing desta invasão vai depender, segundo cremos, da posição do Egipto.
É ainda bastante significativo o ultimato israelita, para que a população do norte da faixa (mais de um milhão de pessoas) se desloque para o Sul em 24 horas…
Fazendo um parêntesis, há quem interprete o ataque do Hamas a Israel como uma jogada do Irão, tendo em vista acabar com o acordo, que se pré-anunciava, entre Israel e a Arábia Saudita, que prejudicaria gravemente os interesses e as ambições iranianas no Médio Oriente. Como acontece frequentemente neste tipo de situação, não é fácil apurar se o ataque-surpresa do Hamas a Israel, no passado dia 7 de Outubro, foi cozinhado em Teerão, Telavive ou Washington, mas, atingido o ponto actual, tais congeminações, por muito válidas que sejam, pouco adiantam… Uma coisa é certa: Netanyahu obteve o apoio da oposição política no Knesset, do que resultou a constituição de um Governo de Unidade Nacional (Gabinete de Guerra), dispondo, nestas condições, de carta verde para conduzir a guerra e fazer o que muito bem entender em Gaza. É neste contexto que releva sobremaneira a sua afirmação de que “a resposta de Israel aos ataques do Hamas vai mudar o Médio Oriente”.
Conhecendo-se as ideias e as posições que têm sido adoptadas por Netanyahu, que é a favor do prosseguimento dos colonatos e da anexação definitiva da totalidade ou de parte substancial dos Territórios Palestinianos Ocupados, a anexação da Faixa de Gaza não será, para ele, uma oportunidade a desperdiçar… O obstáculo maior a este desiderato são os 2,3 milhões de palestinianos encurralados nos 365 km2 de Gaza. Ora a invasão e a anexação serão facilitadas se o Egipto (pressionado por Israel, EUA e UE, e alegando razões humanitárias…) abrir a fronteira de Rafa e permitir a saída da maior parte da população, a fim de fugir aos bombardeamentos maciços (que atingem as áreas residenciais) e às condições aterradoras em que sobrevive. Uma vez despovoada a Faixa de Gaza, a tropa israelita poderá invadi-la mais facilmente, eliminando as bolsas de resistência, sem ser acusada de genocídio… Será um primeiro passo para mudar o mapa do Médio Oriente, com desprezo pela Carta e pelas Resoluções das Nações Unidas (nomeadamente a Resolução 181, de 29/11/1947, e a Resolução 242, de 22/11/1967).
Os próximos dias acreditamos que serão reveladores das intenções israelita e norte-americana. Esta guerra evidencia as falhas éticas do Ocidente, sob a batuta dos EUA. A “Lei Internacional” não tem, para Israel, aplicação prática nem lhe acarreta sanções. Com o apoio expresso ou tácito dos EUA, ocupam-se territórios, demolem-se habitações, bloqueiam-se populações, abatem-se manifestantes, restringe-se a informação e condiciona-se o trabalho dos Jornalistas. Os crimes cometidos pelo Hamas sobre civis inocentes são altamente condenáveis, mas é também condenável, há demasiados anos, a existência duma faixa de Gaza transformada em campo de concentração! O resultado está à vista… O bloqueio e os ataques a Gaza, da forma que estão a ser conduzidos, são, em minha opinião, criminosos e bárbaros, e quero acreditar, talvez ingenuamente, que a impunidade e os embustes não durarão para sempre…
Mas até quando, numa palavra?