(O Jornalista Afonso Almeida Brandão junto ao Rio Sena, em Paris)
Por Afonso Almeida Brandão
No passado domingo realizou-se a segunda volta das eleições francesas. Uma semana antes, na primeira volta, os resultados do sufrágio tinham colocado o Partido Nacionalista liderado pelo jovem prodígio Jordan Bardella à frente, o que indiciava uma promissora alteração do regime político. Caso obtivesse uma maioria confortável, o Presidente da República não teria outra alternativa que não fosse a de o indigitar como Primeiro-Ministro. A França poderia finalmente mudar de paradigma e assistir a reformas profundas, nomeadamente quanto às suas políticas de imigração.
Acontece que o partido do centro, querendo manter o Sistema e pressentindo que podia ser ultrapassado e desalojado do Governo, propôs um acordo alargado com extrema-esquerda e esquerda. Rapidamente organizaram-se. Capitalizando a seu favor as vicissitudes do sistema eleitoral francês, cuja eleição dos deputados é feita por círculos uninominais e através de uma fórmula a todos os títulos questionável, combinaram entre si uma nova táctica. A mesma pressupunha que todos os concorrentes do partido do Presidente ou da coligação de esquerda que tivessem ficado em terceiro lugar desistiriam na segunda volta para o segundo classificado. Ou seja, através desse artifício, promoveram uma concentração de votos no segundo classificado da primeira volta, tendo sido dada indicação de voto nesse sentido.
Esse esquema funcionou e permitiu que a Nova Frente Popular, uma coligação de partidos composta pelo França Insubmissa (LFI) de Jean-Luc Mélenchon, Partido Socialista (PS), Partido Comunista Francês (PCF) e o Partido Ecologista (“Les Écologistes”) ficasse em primeiro lugar. O partido do Presidente Macron (“Renaissance”) em segundo. A União Nacional, partido claramente mais votado, mas com menor concentração de votos, ficou assim em terceiro.
Esta particularidade do sistema eleitoral redundou numa inesperada derrota para todos aqueles franceses, cerca de 37%, que estão saturados da imigração massiva, da insegurança, da fiscalidade agressiva e das ideologias radicais que põem em causa os valores da Família e das tradições francesas. Estes cidadãos sentem, a passos largos, que a França em que nasceram e cresceram está a deixar de ser sua.
As imagens que correram mundo, no espaço de uma semana, das duas noites eleitorais são ilustrativas. Desacatos gratuitos provocados por manifestantes radicais de esquerda misturados com islâmicos e a Place de la République, local da celebração, decorada com bandeiras da Argélia, Palestina e LGBT.
Parece-me evidente que a França das artes, do pensamento e da cultura, que evoluiu aos longo dos séculos através dos franceses originários das tribos francas, que adoptaram o cristianismo, está em vias de ser substituída pelas populações magrebinas e subsaharianas e seus descendentes, todos de religião muçulmana. O fenómeno da importação massiva de migrantes económicos originários de regiões fora do espaço europeu e ocidental tem consequências. A exemplo do que acontece nos Estados Unidos da América e noutros países europeus, a atribuição de direitos de voto a estrangeiros que não têm a mesma base sociológica, tende a desvirtuar a democracia no seu sentido clássico. A expressão do voto já não se faz tanto por ideais políticos ou visões de sociedade divergentes, mas sim por motivações antropológicas e religiosas.
A Extrema-Esquerda, seja ela Marxista-Leninista, Marxista-Maoista ou Marxista-Trotskista, tenta há mais de cem anos destruir a Família como base estrutural da sociedade; a Nação como conceito de partilha de valores históricos, culturais e linguísticos; a Religião Cristã como fonte agregadora, inspiradora da moralidade e esteio da nossa matriz civilizacional.
A utopia marxista foi derrotada em toda a linha na Europa Ocidental e estava condenada a desaparecer. A forma como novamente ressurgiu deveu-se à entrada de milhões de estrangeiros desfavorecidos à procura de se instalar e beneficiar do favorável sistema de segurança social europeu. Os Partidos Marxistas encontraram nestas pessoas um terreno fértil para o recrutamento e militância. Sem escrúpulos, pensam apenas na sua sobrevivência, na sua agenda demagógica, no seu propósito final que é o de gerar o caos. Escondem os perigos a que expõem os restantes concidadãos e ao País que os viu nascer. Esta ignomínia ideológica não é exclusiva dos Marxistas franceses, mas tem neste país uma enorme expressão.
Entretanto o Sistema resiste para além dos limites do razoável. Mesmo sabendo que a prazo irá cair. Até tal acontecer fará o que for preciso para sobreviver. Utilizando todos os expedientes e meios ao dispor, não olhando aos efeitos devastadores que provocam e à condenação a que estão a votar as futuras gerações. Aliando-se de forma despudorada à frente marxista, que também o deseja destruir no futuro. Incompreensível que se prefira manter um regime caduco e corrupto, mesmo com acordos contra-natura, para não permitir que os nacionalistas cheguem ao poder.
A líder histórica do “Rassemblement National”, Marine le Pen, na sequência dos resultados do fim-de-semana referiu-se à dicotomia Nacionalismo vs Globalismo. Faz a análise correcta para já. O nacionalismo está a ressurgir na Europa depois dos abusos que os globalistas e internacionalistas têm votado os respectivos povos. O combate está aceso. Os adversários estão identificados. De um lado os que defendem as estruturas tradicionais e do outro os defensores das ideias progressistas, agendas climáticas e acolhimento desregrado de migrantes no espaço europeu.
Resta saber se a direita conservadora e nacionalista conseguirá inverter esta tendência e salvar a França que conhecemos ou, ao invés, se a damos como perdida. As eleições presidenciais de 2027 serão provavelmente a última oportunidade de regressão. Aí não será só a França que estará em risco, mas por contágio, a Europa das Nações.
A França cuja cultura e doutrina influenciaram o pensamento das elites europeias, nomeadamente a partir de meados do séc. XVIII até praticamente à Segunda Grande Guerra Mundial do Séc. XX, está definitivamente em risco.
Relembro uma das personalidades políticas francesas mais fascinantes, que se destacou antes e durante a Revolução Francesa de 1789. Sobreviveu com perícia ao período de Terror que lhe sucedeu, foi ministro dos Negócios Estrangeiros do Império de Napoleão e manteve-se no poder com o regresso da Monarquia. Foi Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838). O protagonista que mais tempo exerceu o poder desde o Directório até à Restauração. Estou em crer que nem o próprio podia prever o absoluto descalabro a que a França e consequentemente a Europa estão hoje votados.
Nunca imaginaria que a estabilidade social, económica e diplomática da Europa que emergiu da criação do modelo comunitário pudesse culminar numa total apatia que permitiu a invasão do nosso Continente.
Espero que a França ainda se consiga salvar, ou então, tal como a conhecemos no Passado, acabou.