EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (192)
O brasileiro Nelson Rodrigues, jornalista, romancista, teatrólogo e contista, elaborou um conceito interessante: cretino fundamental. Para ele, um cretino fundamental seria um tipo de pessoa que é muito fácil de reconhecer, embora seja difícil de descrever se não com qualificativos óbvios, sempre ditos em certo tom de desabafo.
E nestes tempos de cretinice política no nosso País, assiste-se, com desprazer, a abundância de cretinos fundamentais. São eles que assaltaram o poder, e feliz é a pessoa que consegue divergir deles e manter a sanidade mental de ter opinião própria. Muitos, talvez por questões estomacais, preferem o deprimente papel de “maria-vai-com-as-outras”, preferindo observar virtudes que não existem, fechando os olhos para os defeitos dos que dirigem o País.
Portanto, só um cretino fundamental teria a coragem de distorcer a obviedade com plena convicção. Só um desses seres pode distorcer a verdade óbvia de que Moçambique, em todos os aspectos, empobreceu muito nos últimos dez anos. O Presidente disse esta semana que vai deixar a Presidência “com orgulho” (como quem diz com muitas realizações), porque o seu Governo conseguiu construir escolas e hospitais onde não existiam. Ora, a saúde e a educação, neste País, estão em estado emergencial.
Só um idiota, e do tipo fundamental, pode deturpar a obviedade de que jamais se viu tanto jovem desempregado como temos actualmente. Só um abobado fundamentalmente incurável pode distorcer o absurdo da guerra que mata inocentes em Cabo Delgado.
Há jovens militares a morrer, indivíduos que não sabem porque estão naquela guerra! Há indivíduos, do Governo, a enricar, enquanto o grosso da população vegeta. A política, por estes dias, significa um trampolim para o acesso fácil às riquezas do País. As greves na função pública multiplicam-se, mas todas têm um saldo comum: promessas!
O que dói, verdadeiramente, é assistir o silêncio cúmplice de alguns indivíduos decentes que poderiam mudar o curso dos acontecimentos. Os cretinos fundamentais tomaram conta de tudo e oprimem, com o seu canibalismo ideológico, os não-cretinos.
Os que estão aboletados no poder, se isto assim continuar, devorarão tudo, corações e mentes, deixando Moçambique arrasado para construírem um Governo dos que apenas dizem “sim”, excluindo os que poderiam apontar erros e dizer “não”.
Quem manipula os cordéis do poder diz o que lhe dá na veneta. Lança ideias ao vento das próprias conveniências, não interessa se estão divorciadas dos factos. E o que é dito agora pode mudar no minuto seguinte. Tudo extrapolou o limite de qualquer razoabilidade dialéctica ou coerência política, constituiu-se um estado de delírio que alcança a debilidade mental.
O País que temos é isto: assiste-se a uma destruição apocalíptica, mas muitos batem palmas imbuídos de paixões desvairadas e doses cavalares de estupidez. E, estranhamente, os poucos que ousam criticar o estado em que as coisas se encontram, partem-se-lhes as pernas (se não lhes matam) ou, então, são vítimas de chacota.
DN – 12.07.2024