EUIREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (193)
Excelentíssimo Presidente da República,
Atribuir a terceiros a autoria de eventos pelos quais se é responsável é uma prática tão comum quanto nefasta. Acompanhei com profunda indignação as declarações do Presidente, esta quarta-feira na abertura do 34º Conselho Coordenador do Ministério do Interior. O Presidente disse que desafiava o Ministério do Interior a apresentar pelo menos um mandante dos crimes de raptos que devastam Moçambique, uma demonstração tácita de que este tipo de crime encontrou aqui o seu terreno fértil.
A minha indignação foi porque o Presidente parecia estar a sacudir o capote, culpando a Polícia pelo demérito no combate ao crime dos raptos. Não sei se cabe a mim lembrar-lhe que o Presidente é o Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança. Cabe-lhe, dentre outras funções, nomear, exonerar e demitir o Chefe e o Vice- -chefe do Estado-Maior-General, o Comandante-Geral e Vice-Comandante-Geral da Polícia, os Comandantes de Ramo das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e outros oficiais das Forças de Defesa e Segurança.
Os raptos não vieram com este Governo, claro. Mas foi neste Governo que prosperaram a ponto de os raptores não precisarem mais de disfarces para exercerem a sua actividade criminosa. Raptam à luz do dia, defronte das esquadras policiais, quarteis militares ou mesmo Presidência da República. Quer dizer que reinam, e abusadamente. No entanto, o Comandante-Geral da PRM é acarinhado, é reconduzido, nunca existem queixas contra ele, pelo menos de quem o nomeou.
Quantos ministros do Interior o Presidente já teve, tanto neste ou noutro mandato? E responsáveis do SERNIC? Mas o chefe da Polícia continua o mesmo, apesar de ter dado mostras inquestionáveis de que não está à altura do cargo que exerce. Mesmo assim, o chefe da Polícia não é, de todo, culpado pelo recrudescimento do crime dos raptos. A culpa é do Governo. Portanto, a insinuação do Presidente por si só já desperta imenso repúdio, e se torna ainda mais grave por não se tratar de um episódio isolado.
Quem foi que prometeu criar uma unidade especializada para o combate aos raptos? Foi o Governo! Portanto, tem que saber admitir o seu fracasso e não procurar culpados onde não existem.
Em abono da verdade, este Governo fracassou pelo que fez e pelo que não fez. Fracassou no combate aos extremistas que devastam Cabo Delgado. O Presidente fracassou ao não cumprir o que prometeu no seu discurso inaugural de tomada de posse no primeiro Governo: cercar-se de tecnocratas. O que vemos são amigos, sobrinhos, amantes e tais a ocuparem altos cargos governamentais quando não são capacitados para isso. São parasitas do Governo que sugam a pouca riqueza que este País produz, enquanto o povo mingua. Aumentou o número de indivíduos que vivem à sombra das empresas estatais — políticos, funcionários e lobistas.
O Presidente fracassou por não mostrar resultados compatíveis com a sua promessa eleitoral. Para quem prometeu tirar, colocou mais garras do Governo nos ombros dos cidadãos. A maneira sabia de governar vê-se pela forma como um determinado Governo trata os menos afortunados, os pobres, o povo.
DN – 19.07.2024